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Junho 12, 2012

Descriminalização ou criminalização?

 

Descriminalização ou criminalização?

Postado no Banco de Injustiças

 

As propostas da Comissão de Juristas do Senado sobre o uso de drogas no Brasil

 

Daniel Nicory

 

Por Daniel Nicory do Prado*

A Comissão de Juristas encarregada pelo Senado Federal de sugerir reformas à legislação penal aprovou recentemente uma proposta que teve grande repercussão na mídia: a descriminalização do uso de drogas no Brasil, ou pelo menos assim anunciaram todos os grandes meios de comunicação.

O debate público que se seguiu a esse fato demonstrou predominantemente um tom de desaprovação à medida, mas revelou um grande desconhecimento da legislação penal pelos formadores de opinião, além de reforçar os tabus que dificultam qualquer discussão racional sobre a questão das drogas no Brasil.

A proposta da Comissão de Juristas tem três elementos muito bem definidos:

1) O primeiro é a descriminalização do porte de entorpecentes para uso próprio, hoje previsto no art. 28 da Lei 11.343/2006, e que concentrou quase todas as atenções da mídia;
2) O segundo é a fixação de um critério mais objetivo de distinção entre usuários e traficantes, semelhante ao adotado em Portugal, segundo o qual se presume ser usuário o sujeito encontrado com uma quantidade de drogas suficiente para o consumo por um certo período (em Portugal, 10 dias; na proposta da Comissão de Juristas, 5 dias), de acordo com os padrões de uso médio diário estabelecidos pelas autoridades federais da área de saúde (no Brasil, a ANVISA).
3) O terceiro é a criação de um tipo penal que hoje não existe na legislação brasileira, como forma de “compensar” a descriminalização do porte para uso próprio: como não será mais crime ter drogas para uso pessoal, a comissão propõe que o uso ostensivo (em público ou à vista de crianças e adolescentes) seja transformado em crime.

Curiosamente, o ponto que mais chamou a atenção da opinião pública é o que terá menor efeito prático. A proposta de descriminalização do porte de entorpecentes para uso próprio é apenas a continuação de uma tendência iniciada com as leis dos juizados especiais criminais (Lei nº 9.099/95, Lei nº 10.259/2001 e Lei nº 11.313/2006), e reforçada com a promulgação da atual lei de drogas (Lei nº 11.343/2006).

Desde 2001, o porte para uso é considerado um crime de menor potencial ofensivo, não sendo mais possível a prisão em flagrante do usuário; desde 2006, foi afastada qualquer possibilidade de prisão do usuário, seja antes do julgamento, como medida cautelar, seja depois, como pena. Portanto, a proposta da Comissão de Juristas somente consolida uma tendência legislativa que está em curso há mais de uma década, que terá alguns efeitos técnicos importantes, retirando da Polícia o poder de apreender a droga encontrada com o usuário numa revista pessoal, mas mudará muito pouco a prática cotidiana do Direito. Em Portugal, como o porte para uso próprio continua sendo uma infração administrativa, a apreensão ainda é possível.

No entanto, as propostas verdadeiramente impactantes são as outras duas. A fixação de uma quantidade objetiva de droga, variando de acordo com a sua natureza, como critério de distinção entre usuário e traficante, é adotada em vários países do mundo e tem um objetivo muito claro: tentar corrigir o principal efeito colateral da Lei de Drogas, que entrou em vigor em outubro de 2006. Embora tenha havido, teoricamente, a despenalização do porte para uso pessoal, a quantidade de presos por crimes relacionados às drogas explodiu no Brasil. Segundo os dados do INFOPEN, 125.744 pessoas estavam presas por tráfico de entorpecentes no final de 2011, contra 65.494 no final de 2007.

Essa explosão carcerária despertou a curiosidade e a suspeita de vários pesquisadores, merecendo destaque a professora Luciana Boiteux, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que chegaram a conclusões reveladoras: em sua maioria, os presos por tráfico no Brasil foram encontrados pela Polícia sozinhos, desarmados, portando quantidade pequena de drogas, sem muitos indícios que os relacionassem com a venda de entorpecentes, e não possuíam antecedentes criminais.

Essa constatação, além de desmistificar a imagem do traficante médio como “inimigo público número um”, fortemente armado e detentor de um domínio territorial sobre as comunidades pobres, serviu para demonstrar que, no Brasil, em sua grande maioria, estão encarcerados aqueles que atuam na ponta final da cadeia do tráfico: os praticantes do tráfico “formiguinha” e, também, muitos usuários, incorretamente enquadrados como traficantes.

Mas a prisão de usuários de drogas não está proibida no Brasil desde 2006? Sim, mas a Lei nº 11.343 estabelece de forma vaga os critérios de diferenciação entre usuário e traficante, quando o sujeito é encontrado com drogas. A minha experiência como Defensor Público me ensinou o mesmo: muitos usuários são presos na “boca de fumo”, sem que haja maiores indícios de envolvimento com o tráfico, sem terem praticado nenhum ato de venda de drogas, com pequena quantidade da substância, e, apesar disso, são presos em flagrante por tráfico de entorpecentes.

Frequentemente os pedidos de liberdade provisória são negados, eles aguardam presos o julgamento, ou só são soltos quando há excesso de prazo, para, no final, serem absolvidos por falta de provas, ou terem a sua condição de usuário reconhecida tardiamente.

A proposta da Comissão de Juristas pode corrigir essa distorção, por diminuir o espaço de avaliação subjetiva e evitar o encarceramento de alguém encontrado com quantidade ínfima de drogas. Como qualquer alteração legislativa, ela também terá os seus problemas: há o risco de os pequenos traficantes serem tratados como usuários, e o risco de os usuários que portem grande quantidade serem tratados como traficantes.

Esses dois riscos são menores do que os produzidos pela atual Lei de Drogas: isto porque, 1) no caso dos pequenos traficantes, a legislação em vigor e a jurisprudência já permitem a espera do julgamento em liberdade e a aplicação de penas alternativas no final do processo; além disso, se a proposta for aprovada, basta que a Polícia e o Ministério Público consigam provar que houve a prática de um ato de comércio de drogas, e o sujeito será considerado traficante, independentemente da quantidade, já que a presunção da condição de usuário só ocorrerá para quem “adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo” as drogas, e ainda assim em pequena quantidade; e 2) no caso dos usuários encontrados na posse de quantidade superior ao limite, esse risco já existe na legislação atual e, pela experiência, eles, por sua situação econômica e social, terão melhores condições de comprovar que não eram traficantes.

Quanto à terceira proposta, de criminalização do uso ostensivo de drogas, atribuindo a quem praticar esse comportamento as penas alternativas hoje impostas a quem porta entorpecente para uso próprio, é preciso dizer o seguinte: atualmente, o uso de drogas não é crime no Brasil, e só passará a sê-lo se a proposta dos juristas for aprovada. Isto porque, tecnicamente falando, só constituem crime a aquisição, a guarda, o depósito, o transporte ou o porte de entorpecentes com a finalidade de uso pessoal.

O ato de usar drogas, em si mesmo, não é crime, e se o sujeito não tiver praticado, anteriormente, nenhum daqueles atos, ele não terá praticado nenhuma infração penal. É bastante difícil, dirão todos, usar a droga sem tê-la adquirido, guardado, tido em depósito, transportado ou trazido consigo, mas não é impossível, nem na teoria, nem na prática.

Portanto, para a surpresa de muitos, a Comissão de Juristas, criada pelo Senado Federal para reformar a legislação penal, não está propondo a descriminalização do uso de drogas; ao contrário, ela está propondo a sua criminalização, quando ocorrer de forma ostensiva, como forma de compensar parcialmente a descriminalização do porte para uso próprio, presumindo que isso evitará uma explosão do consumo de drogas em locais públicos ou na presença de crianças e adolescentes.

Em geral, a proposta da Comissão de Juristas é louvável e pode começar a estabelecer, no Brasil, uma Política de Drogas mais racional. É preocupante, no entanto, que os pontos mais importantes do anteprojeto, que, de fato, têm vantagens e desvantagens, e devem ser avaliados com serenidade, estejam sendo ignorados, enquanto a maior parte das atenções da mídia está direcionada a uma alteração meramente simbólica, empobrecendo um debate da maior importância para o país.

*Daniel Nicory é Defensor Público, Mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia, Professor da Faculdade Baiana de Direito e dos cursos de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Direito Público do Juspodivm, representante da Associação Nacional dos Defensores Públicos junto à Subcomissão de Crimes e Penas da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados, membro da equipe técnica constituída pelo Viva Rio para redigir um anteprojeto de alteração da Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006).

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