Droga é misturada a remédio vetado no paÃs
Antitérmico de venda proibida foi encontrado pela PolÃcia Federal em 35% das amostras de cocaÃna analisadas
VermÃfugo, cafeÃna e anestésicos também foram encontrados; médicos alertam para riscos cardÃacos
FERNANDO MELLO
DE BRASÃLIA
A PolÃcia Federal desvendou o “DNA” das drogas que entram no Brasil. Após sete anos entre microscópios e reagentes quÃmicos, peritos identificaram a origem da cocaÃna e do crack, o grau de pureza das drogas e o que os traficantes misturam a elas.
Quando um usuário consome cocaÃna pode estar ingerindo, por exemplo, antitérmicos, cafeÃna, anestésicos e até vermÃfugos.
Tudo isso misturado à droga aumenta ainda mais os riscos à saúde dos usuários.
Batizado de Pequi (Perfil QuÃmico), o projeto que identificou como as drogas são “batizadas” começou a ser desenhado em 2005, mas foi a partir de 2009 que os policiais padronizaram o envio de amostras para BrasÃlia sempre que as apreensões ultrapassavam cinco quilos.
A fenacetina, um antitérmico e analgésico de venda proibida no paÃs, aparece em 35% das amostras de cocaÃna.
Os peritos também localizaram em 11% dos casos o levamisol, um vermÃfugo que costuma ser utilizado em criações de gado, suÃnos e ovinos.
Depois aparecem cafeÃna (8%) -especialmente em São Paulo, Paraná, Distrito Federal e Amazonas -e produtos com efeitos anestésicos como benzoÃna e lindocaÃna, essa última encontrada de forma mais significativa (15% das amostras) em São Paulo.
A PF analisou as misturas tanto na pasta-base -etapa inicial do processo de transformação da cocaÃna- quanto na cocaÃna refinada e no crack. Nas últimas semanas, os peritos iniciaram a análise das amostras de maconha, ecstasy e outras drogas.
Em alguns casos, a mesma amostra de cocaÃna contém mais de um adulterante. Esse produtos são utilizados para diminuir o percentual de droga pura em cada quantidade vendida ao consumidor final e aumentar o lucro dos traficantes.
Para o psiquiatra Dartiu Xavier, do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Unifesp, apesar de ainda faltarem estudos sabre os riscos à saúde dos adulterantes, a constatação da PF é preocupante.
“A cocaÃna apresenta, por exemplo, riscos cardÃacos, o que pode ser aumentado quando se mistura outros estimulantes, como a cafeÃna.”
Segundo o perito Adriano Maldaner, responsável pelo projeto da PF, saber o que há nas drogas pode ajudar no tratamento de saúde.
Mais da metade da cocaÃna no Brasil tem ‘DNA’ boliviano
Segundo análise de projeto da PF, 54,3% da droga tem origem na BolÃvia
Exame quÃmico permite identificar de onde parte a cocaÃna e traçar estratégias de defesa nas fronteiras
DE BRASÃLIA
A BolÃvia é a origem de 54,3% da cocaÃna que entra no Brasil. A partir da análise quÃmica da droga apreendida no paÃs, a PolÃcia Federal descobriu a procedência exata do que circula pelo paÃs.
De acordo com os resultados do projeto da PF, em seguida aparece o Peru, de onde partem 38% da cocaÃna que vem para o Brasil; e a Colômbia, origem de 7,5% da droga.
As análises foram realizadas a partir das apreensões de 2010 e 2011: 51 toneladas, no total. Os resultados foram enviados à Coordenação de Repressão a Drogas.
O exame que é feito pelos peritos na droga apreendida permite chegar à origem da folha de coca, que é a matéria prima da cocaÃna.
Os peritos procuram pela truxilina, um elemento natural que varia de acordo com altitude, exposição ao sol e local onde a coca é plantada.
A partir dessa “assinatura” natural é possÃvel saber se a droga é boliviana, peruana ou colombiana.
O trabalho de laboratório serve também para a PolÃcia Federal montar sua estratégia da proteção de fronteiras -focando nas principais portas de entrada de drogas no Brasil-, estabelecer rotas do tráfico e produzir provas contra os traficantes.
INVESTIGAÇÃO
Esse tipo de análise também permite esclarecer casos como o de uma investigação recente, na qual a PF monitorou quadrilhas em Goiás, no Ceará e no Pará.
Os investigadores pensaram haver três grupos distintos, mas a análise quÃmica mostrou que a correlação das amostras era de 99,8%. Ou seja, todas as drogas tinham a mesma origem e haviam passado pelos mesmos processos de refino.
Resultado: os envolvidos foram condenados por associação ao tráfico, receberam penas mais severas, e foi possÃvel desvendar uma rota internacional. Após as prisões, a PF descobriu que os carregamentos tinham origem no Paraná, onde foi feita uma nova apreensão da droga.
A análise também possibilitou a condenação do homem apontado como chefe da quadrilha. Ele foi detido com um quilo de cocaÃna, mas passou a ser responsabilizado por centenas.
“O combate ao tráfico é feito com várias ferramentas e o Pequi (Perfil QuÃmico) é uma arma importante”, afirma o delegado Oslain Santana, diretor de Combate ao Crime Organizado.
Para especialistas, desvendar rotas significa atingir a logÃstica da distribuição das drogas. “Sabendo por onde sai e por onde chega a droga, fica mais fácil investigar a rota”, diz o coronel José Vicente da Silva, ex-secretário Nacional de Segurança Pública.
Para Silva, porém, a PF precisa investir na prisão de traficantes internacionais que exportam droga. “Além disso, é preciso aumentar interação entre a PolÃcia Federal e as dos Estados, com sistemas interligados de inteligência e melhorar o aparato nas fronteiras, por onde passa a droga.”
(FERNANDO MELLO)