CLÃUDIA COLLUCCI
ELISANGELA ROXO
DE SÃO PAULO
Os dependentes brasileiros de drogas ganharam seu próprio reality show.
Estreia na quarta, no canal A&E, a série “Intervenção”, a versão brasileira de um formato americano.
Controverso, o programa retrata a rotina de um viciado em drogas que desconhece que está num reality show –pensa que participa de um documentário.
Depois de ter todo o drama filmado, ele recebe a oferta de tratamento. Um médico (interventor) propõe internação em uma clÃnica. O dependente escolhe em frente à s câmeras se quer ou não.
Os familiares, antes dele, conversam com o médico, que orienta como devem se comportar na hora do ultimato.
Psiquiatras da área de dependência quÃmica criticam a série. “Vi a versão americana e achei um ‘Big Brother’ horroroso. Lá muitos são famosos e isso atrai audiência”, afirma André Malbergier, professor da USP e coordenador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Ãlcool e Drogas.
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Vanessa, que participa do primeiro episódio do reality “Intervenção”, do A&E |
QUASE FILME?
Krishna Mahon, produtora-executiva de programação e conteúdo do A&E, explica que o formato nos Estados Unidos é chamado de “docu-reality”, ou seja, uma mistura de documentário com reality show. “É uma linha muito tênue que separa uma coisa da outra”, ela defende.
Para Ana CecÃlia Marques, psiquiatra da Abead (Associação Brasileira do Estudo do Ãlcool e Outras Drogas), expor o dependente quÃmico piora o estigma da doença.
Ela diz que o programa mostra um único perfil de paciente (o que chegou ao fundo do poço) e um só modelo de tratamento (a internação).
“Tenho um monte de pacientes que usam crack e que se tratam no consultório. A internação é para uma minoria e deve ser decidida sempre em conjunto com uma equipe multidisciplinar.”
Malbergier também questiona se haverá benefÃcio ao paciente. “Os dependentes vão melhorar ou é para os voyeurs sádicos interessados em ver sofrimento humano?”
Outro ponto criticado pelos especialistas são os altos Ãndices de recuperação dos dependentes divulgados pelo programa, “mais de 70%”.
“Se alguém no mundo inventar um tratamento de dependência que recupere 70% dos pacientes, merecerá o Prêmio Nobel”, diz o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, que coordena a Uniad (Unidade de Pesquisa em Ãlcool e Drogas na Faculdade de Medicina) da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
O psiquiatra Fábio Damasceno, o “interventor” do programa, acha a crÃtica boa. “Essa porcentagem deve ser apenas sobre os que completaram o processo terapêutico, não a população.”
Ele admite que o programa pode ser chocante ou ter um apelo estético sensacionalista. “Mas há milhares de pessoas com problemas semelhantes que não têm representação social”, afirma.
Segundo Reinaldo Ayer, professor de bioética e membro do Conselho Regional de Medicina (Cremesp), os médicos que participam do programa também podem ser processados por infração ética por quebra de sigilo.
“É muito grave. O paciente não pode ser enganado. O médico também não pode fazer a revelação pública de um determinado tratamento que o paciente vai receber.”