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Julho 23, 2012

Entre a cruz e a espada: 1- A reforma do Código Penal

Entre a cruz e a espada: as propostas e os interesses nas atuais iniciativas de alteração da Lei de Drogas

 

    No momento em que o movimento antiproibicionista finalmente alcança seu direito de se manifestar e trazer ao grande público seus argumentos e proposições sobre mudanças na política de drogas, é possível observar diversas movimentações no quadro político brasileiro em relação ao tema. Se por um lado a denúncia da guerra às drogas ecoa em setores da sociedade e a descriminalização passa a ser ao menos aventada, por outro setores conservadores e ou religiosos se aliam ao poder psiquiátrico e preparam investidas a fim de impor retrocessos travestidos de modernização na atual política.

    Nesse contexto, algumas movimentações se destacam: as propostas de reforma do Código Penal em trâmite na Câmara dos Deputados e no Senado Federal; a possibilidade de o STF declarar a inconstitucionalidade do crime de porte de drogas para consumo pessoal; a formação de uma comissão especial na Câmara dos Deputados com o fim de elaborar uma proposta de reforma da atual Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006), materializada pelo Projeto de Lei nº 7.663/2010; e, por fim, o Projeto de Lei divulgado junto com a campanha “É preciso mudar”, capitaneada pelas ONG’s Viva Rio e Avaaz.

    Nosso propósito é descrever e analisar quais são as principais propostas de modificação legislativa na política de drogas e o que está em jogo em cada uma dessas movimentações que prometem mudar a atual lei de drogas brasileira. Para facilitar a leitura e o debate, dividiremos os textos em três capítulos. Sobre o STF, que deve julgar no 2º semestre a constitucionalidade da criminalização do porte de drogas para consumo pessoal, recomendamos o vídeo da atividade realizada pela Marcha da Maconha durante este ano.

 

    1 – A reforma do Código Penal

 

    Desde que o direito penal tal qual conhecemos hoje foi forjado – com o Iluminismo e a revolução burguesa do século XVIII – o direito penal vive de intermináveis reformas. No início se tratava de humanizar as penas e estabelecer uma racionalidade na imposição de sofrimento ao condenados pela justiça penal. Abolir o suplício e estabelecer castigos proporcionais ao crime foram os motes usados na reforma que acaba por construir a racionalidade punitiva moderna. Data daí o nascimento da prisão como forma hegemônica de pena criminal.

    Desde então, os fracassos evidentes do sistema penal em lidar com os conflitos sociais e apresentar uma resposta válida para eles são sempre respondidos com reformas e novas adaptações que prometem sempre o mesmo: pôr fim aos males sociais da violência e promover a recuperação de parcela da população marginalizada pelo sistema capitalista, que vive presa nas agências de controle criminal.

    É nesse contexto histórico que os projetos de reforma do Código Penal devem ser entendidos. Trata-se de promover pequenas adaptações nos instrumentos de controle criminal, buscando conferir maior eficácia no exercício do controle criminal sobre a população, sobretudo, a marginal.

    Compreendendo esse contexto, vejamos o que está sendo proposto.

Tramitam no Congresso Nacional dois projetos de alteração do Código Penal: um proveniente da Subcomissão de Crimes e Penas (vinculada à Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos Deputados que visa alterar apenas a parte especial do Código Penal em vigor; o outro, que tem origem no Senado Federal, propõe a promulgação de um novo Código Penal.

    Aparentemente a proposição de dois projetos distintos nas duas casa legislativas podem sugerir uma oposição entre eles. Tanto é assim, que o relator do projeto da Câmara, o Deputado Alessandro Molon (PT/RJ), diz que o projeto visa tão somente “reequilibrar as penas em função da gravidade dos crimes”, apontando a distorção atualmente existente entre a previsão de penas leves para crimes graves e penas excessivas para crimes leves.

    Ainda segundo o deputado, o projeto não toca em temas polêmicos, tais como a descriminalização do aborto e do porte de drogas para consumo pessoal, a fim de que possa ser mais facilmente aprovado. Sua única “inovação” com relação à disciplina das drogas é a inclusão de um critério mais objetivo na diferenciação entre usuário e traficante de acordo com a quantidade de substância apreendida. Algo que é também uma das principais propostas do projeto do Senado, motivo pelo qual falaremos disso mais adiante.

    No Senado, enquanto isso, iniciou a tramitação do anteprojeto do novo Código Penal, trazendo um conjunto de propostas ligeiramente mais ousadas. O texto, fruto do trabalho de uma comissão de juristas especialmente instituída para esse fim, apresenta como uma das principais novidades a proposta de descriminalização do porte de substâncias psicoativas para consumo pessoal. Importante lembrar que a proposta vem no momento em que o Supremo Tribunal Federal tem oportunidade de julgar inconstitucional a criminalização desta conduta, em processo cujo tema o STF já declarou ser de repercussão geral para a sociedade.

    Nesse contexto, o Código Penal será inteiramente modificado, reunindo-se numa única lei não apenas os crimes que já estão previstos no código atual, mas também toda a legislação penal extravagante (contida em leis esparsas). Novos crimes serão criados, outros extintos; alguns tipos serão modernizados para responder aos “criminosos do século XXI”, levando-se em consideração que o código vigente data da ditadura do Estado Novo (1940).

    Porém, antes de comemorar os possíveis avanços, é necessário compreender os contornos dessa proposta de mudança e em que contexto ela se encaixa na atual conjuntura política.

    O tráfico de drogas, que continua sendo crime pelo anteprojeto, vem descrito no art. 212 sem qualquer modificação na sua estrutura típica, ou seja, as condutas caracterizadoras do crime continuam exatamente as mesmas das previstas pela atual Lei nº 11.343, de 2006.

    A descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal, que inclui a conduta daquele que semeia, cultiva e colhe plantas psicoativas, vem prevista no § 2º do art. 212. O texto do projeto de lei diz:

§ 2º Não há crime se o agente:

I – adquire, guarda, tem em depósito, transporta ou traz consigo drogas para consumo pessoal;

II – semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de drogas para consumo pessoal.

    Assim como na Lei nº 11.343/2006, a diferenciação a ser feita pelo sistema punitivo entre a conduta do usuário e do traficante, ou seja, se a substância apreendida se destinava ao consumo próprio ou à prática do tráfico, será feita com base na “natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.” (art. 212, § 3º, do anteprojeto).

    Os critérios trazidos pelo anteprojeto – os mesmos já previstos pela atual lei – representam um dos grandes problemas do marco legal presente. Isso porque adotam uma técnica legislativa aberta e flexível, conferindo grande margem de atuação aos atores do sistema punitivo na aplicação da lei, principalmente a autoridade policial e o juiz.

Um garoto negro da periferia do Grajaú, em São Paulo, por exemplo, que seja surpreendido na posse de 10 gramas de maconha caminhando por um beco próximo à sua casa, segundo esses critérios, pode ser enquadrado como traficante pelo sistema de justiça criminal, ao passo que um famoso ator de novelas de uma rede de televisão que seja surpreendido na posse de 100 gramas de maconha em seu carro quando voltava para casa, pode ser enquadrado como usuário. A discrepância de tratamento para situações tão parecidas depende de como os atores do sistema de justiça aplicarão a lei, e sabemos para que lado a espada da justiça pesa.

    Assim, atendendo a essas críticas e na tentativa de trazer um critério mais fechado e objetivo que dê menos margem para os agentes da lei, a comissão introduziu uma novidade: a conduta de quem for surpreendido na posse de substância psicoativa em quantidade equivalente a cinco dias de consumo, presume-se  que é para consumo próprio (art. 212, § 4º). A quantidade que será considerada para efeitos desse dispositivo será determinada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, assim como já faz em relação à lista das substâncias proibidas.

    Porém, deve-se atentar que nem todo aquele que for surpreendido  dentro do limite da quantidade prescrita será necessariamente considerado usuário, bem como nem todo aquele que for surpreendido com uma quantidade acima daquela prescrita para os cinco dias será considerado necessariamente como traficante. Isso porque os critérios ainda dizem respeito ao sujeito do suposto crime e as circunstâncias em que este é abordado. A quantidade da substância é apenas mais um dos critérios, não o único.

    Dessa forma, uma quantidade inferior ao equivalente a cinco dias de consumo presume ser para consumo, mas como a parte inicial do § 4º alerta é possível a prova em contrário, ou seja, mesmo que a quantidade apreendida esteja dentro do limite, se as outras circunstâncias indicarem que o sujeito estava em uma situação de tráfico, será assim tratado pelo sistema penal. Assim, se a droga for apreendida em pequenas porções separadas, com dinheiro trocado, ou se alguém testemunhar a venda desta pequena quantidade, estará caracterizado o tráfico.

    Embora procure estabelecer um critério mais objetivo na distinção entre usuário e traficante, nada leva a crer que a chamada criminalização da pobreza como conseqüência típica da atual política de drogas será cessada. Primeiro, porque o crime de tráfico continuará a existir e sabemos quem são as pessoas que são punidas por tráfico de drogas. Depois porque a criminalização da pobreza é na verdade uma faceta  da própria estrutura do sistema punitivo, tanto da racionalidade jurídico-punitiva, como do funcionamento das agências de controle do crime.

    Nesse contexto, a inclusão de um critério mais objetivo de distinção significa muito pouco, ou quase nada, dentro da política de repressão às drogas. Descriminaliza-se o uso, mas o regime jurídico permanece sendo o de proibição/repressão, com o tráfico e outras condutas. Praticamente nada muda no modo de atuar das agências de controle criminal e aí fica a questão: como irão reagir as Polícias Militar e Civil quando surpreenderem alguém com uma porção de droga? Será que o critério da quantidade será suficiente para alterar o modus operandi policialesco?

Ainda no que se refere às novidades do anteprojeto do novo Código Penal, a contrapartida em relação à descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal foi a criação de um novo tipo penal: o uso ostensivo de drogas em locais públicos, nas imediações de escolas ou outros locais com concentração de crianças e adolescentes passa a ser considerado crime (art. 221). As penas previstas são as mesmas que já eram previstas para o porte para consumo na Lei nº 11.343/2006: advertência, prestação de serviços à comunidade, comparecimento em programas e cursos educativos.

    Além disso, o anteprojeto desmembra algumas condutas que são consideradas equiparadas ao tráfico desde a Lei nº 6.368/1976 e agora passam a configurar crimes autônomos. A “instigação ou auxílio ao uso indevido de drogas”, atualmente prevista no art. 33, § 2º, da Lei nº 11.343/2006, com pena de 1 a 3 anos de prisão, passará a constituir o crime de “indução ao uso indevido de drogas” no art. 219, com pena de 6 meses a 2 anos de prisão. Não apenas a pena é diminuída, mas o próprio tipo penal deixa de ser considerado equiparado ao tráfico, já que a conduta sai do dispositivo que trata do tráfico (o art. 212), para ser previsto em crime autônomo (art. 219). O mesmo se dá com o crime de “oferecer droga a pessoa de seu relacionamento, para consumo conjunto”, prevista no art. 33, § 3º, da Lei nº 11.343/2006. No texto do anteprojeto, esta conduta passa a ser prevista como crime autônomo (art. 220), porém a pena é a mesma.

O objetivo é evidente: ainda que no contexto da racionalidade punitiva da política de guerra às drogas, não se pode equiparar a conduta do sujeito que vende a droga com a do que passa o baseado para o amigo numa roda. Mesmo a pena permanecendo idêntica à da lei anterior, a conduta é considerada simbolicamente diversa pelo sistema penal. Trata-se de uma adaptação que estranhamente ainda não havia sido feita; ou melhor, somente pode ser explicada no contexto da legislação de “exceção” que caracteriza a Lei de Drogas no contexto da guerra.

    Se a mudança se concretizar, a clássica cena da roda de pessoas fumando maconha, um passando o baseado para o outro, que sempre foi considerada pela Lei de Drogas como uma conduta considerada equiparada ao tráfico de drogas (embora punida com pena mais leve desde a Lei nº 11.343/2006), será, enfim, considerada um crime novo, menos grave que o tráfico.

    Fica claro que pouco, ou quase nada, muda com as propostas de alteração do Código Penal no que se refere aos crimes da Lei de Drogas. O projeto da Câmara, ao propor “reequilibrar a proporcionalidade entre crime e penas”, sugere na verdade o incremento do poder punitivo, bem ao modo do “populismo criminológico”. Por sua vez, o projeto do Senado não serve de contraponto ao da Câmara, já que a extinção de uma conduta aqui é compensada com a criação de outra ali. Muda-se o foco da proibição e racionaliza-se a repressão. Trata-se, como bem disse Michel Foucault, de deslocamentos e mudanças na economia do poder de punir. As sucessivas reformas penais sempre foram feitas tendo como premissa o constante aperfeiçoamento do sistema punitivo e com o objetivo de melhor distribuir o poder de punir. Evita-se excessos por um lado, aprimora sua distribuição pelo outro, tudo em busca de um controle mais eficaz, mais detalhado, diminuindo seus custos e aumentando seus efeitos#.

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