Você sente o chão se abrir sob seus pés diante da suspeita de estar sem celular? Você e a maioria: 83% dos brasileiros usuários de smartphones disseram se sentir “perdidos”, “nervosos” ou “ansiosos” ao perceber que saÃram sem o aparelho.
Na pesquisa, feita em oito paÃses pela revista “Time” e pela Qualcomm, 35% dos brasileiros disseram consultar o celular a cada dez minutos ou menos; e 74% afirmaram dormir com ele perto da cama.
Comportamentos do tipo vêm sendo grosseiramente enfeixados sob o termo “nomofobia” (derivado do inglês, “no mobile”, medo da falta do celular). Mas especialistas pedem calma com isso.
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“A nomofobia é uma dependência patológica do celular -diferente de uma dependência normal, associada ao uso intenso por conta do trabalho ou por necessidades reais de comunicação”, diz Anna Lucia Spear King, doutora em saúde mental e pesquisadora do Laboratório de Pânico e Respiração da UFRJ.
“É como qualquer outra fobia, com sintomas tÃpicos de um transtorno de ansiedade”, diz ela, que investigou o tema em sua tese de doutorado, defendida em março.
King comparou pessoas consideradas sadias com pacientes de sÃndrome do pânico. Entre os “saudáveis”, 34% afirmaram experimentar alto grau de ansiedade sem o telefone e 54% disseram ter “pavor” de passar mal na rua e não ter o celular.
“Os sintomas são alteração da respiração, angústia, ansiedade e nervosismo provocados pela falta do aparelho.”
A pesquisa da “Time” ouviu 5.000 consumidores de tecnologias móveis no Brasil, nos EUA, na China, na Ãndia, na Indonésia, na Coreia do Sul, no Reino Unido e na Ãfrica do Sul entre 29 de junho e 28 de julho. Do total de consultados, 79% afirmaram sentir-se incomodados sem o celular. Na China e na Indonésia, o Ãndice chega a 90%.
O Brasil aparece como o paÃs de pais mais liberais: 11 anos foi a idade mÃnima indicada aqui para que uma criança tenha seu primeiro celular. A média internacional foi de 13 anos. A margem de erro da pesquisa é de 2,5%.
PÂNICO
Outro estudo, encomendado pela empresa americana de tecnologia Lookout, confirma a escalada do apego ao celular. Questionários respondidos on-line por 2.097 pessoas de 18 anos ou mais mostraram que 73% dos usuários de smartphones nos EUA “entram em pânico” quando não acham o seu.
Na pesquisa, 58% disseram que não conseguem ficar mais de uma hora sem acessar seus telefones. E 54% declararam que continuam a consultar o aparelho depois de se deitar, antes de se levantar e na madrugada; 40% afirmaram não abandonar o celular nem para ir ao banheiro e 24% admitiram consultá-lo enquanto dirigem.
Os dados confirmam uma tendência já detectada no Reino Unido no inÃcio do ano, pela companhia de tecnologia SecurEnvoy. O estudo concluiu que 66% dos usuários de celular têm medo de ficar desconectados. Há quatro anos, pesquisa parecida registrara 53% de “nomofóbicos” entre os britânicos.
VÃCIO CONSCIENTE
No Brasil, onde o número de celulares ativos (quase 259 milhões até setembro) supera com folga a população total, estudos sobre o problema devem ser feitos no primeiro semestre de 2013 pelo Hospital das ClÃnicas de São Paulo, que também prevê a criação de um grupo de atendimento para quem sofre de apego exagerado ao celular.
A blogueira mineira Viviane Gomide, 28, por exemplo. Ela, que escreve sobre tecnologia, diz ter consciência do seu vÃcio em smartphone. Mas conta que a experiência de passar um mês sem o telefone, por uma questão técnica, foi um tratamento de choque. “Achava que não conseguiria viver sem ele. Nos primeiros dias me sentia fora do mundo. Tinha tiques. Ia até a bolsa, procurava nos bolsos das roupas e depois me lembrava de que ele não estava lá. Mas superei. Sabia que o teria de volta”, diz.
Fernanda Nasser/Divulgação | ||
A blogueira mineira Viviane Gomide, viciada assumida |
Dona de um smarthphone desde 2010, a blogueira tem mais de 200 aplicativos instalados nele, mas afirma que não usa todos. “Eu provo, vejo coisas. Não conheço ninguém mais viciado em celular do que eu.”
Formada em relações internacionais, ela acorda com o “bip” do aparelho e, ainda na cama, começa a checar e-mails e redes sociais. É o “momento da preguiça”. A caminho do trabalho, em transporte público, lê notÃcias, manda mensagens etc. “Sei que também existe vida sem um smartphone, mas essa vida eu não quero.”
MARION STRECKER
COLUNISTA DA FOLHA
Claro que dá pra não ter. Mas não ter é só para radicais, libertários, desprendidos ou os que têm uma vida regrada junto a telefones fixos.
A maioria acha que não dá pra não ter um celular. Eu também, embora saiba que dá. Virou dependência. Nós achamos que precisamos e os outros também esperam isso de nós. “Como?
Você não tem celular?”, perguntam, como se a pessoa fosse um ET.
Uns têm um. Outros têm dois ou mais. Ainda mais no Brasil, com esses planos de telefonia complexos e incomparáveis. Para driblar os preços absurdos o consumidor é levado a ter linhas diferentes, de modo a só ligar do seu Tim para os amigos que usam Tim, do seu Vivo para os que usam Vivo e assim por diante. Parece loucura. Mas é uma tentativa de economizar.
Digo tentativa porque nunca gastamos tanto com telecomunicação quanto na atualidade. Virou item de primeira necessidade.
Quanto tempo, dinheiro e energia gastos com aparelhos que quebram, ligações interrompidas ou inaudÃveis e contas difÃceis de entender.
Lojas cheias. Filas e senhas para sermos atendidos, que aceitamos como cupons de comida em tempo de guerra.
Um amigo comparou a importância de seu celular à do maço de cigarro, quando fumava. Até o tamanho é parecido, observou. Checar o celular é a primeira e a última coisa que faz todos os dias. Como era com o cigarro.
O celular é uma das coisas mais Ãntimas que alguém pode ter, reunindo e revelando as relações pessoais, seus dias, suas horas, suas vozes, suas frases, seus conteúdos.
Perder ou achar um traz emoções e angústias. “Back-ups”, para quem pode e consegue fazê-los, não resolvem. Perder o aparelho ou tê-lo roubado é como vestir uma saia que se levanta ao vento: vai bem para as Marilyns Monroes. Não para a maioria.
O aparelho está sempre fazendo volume no bolso, vibrando, emitindo sons, interrompendo a conversa, atrapalhando os outros.
O mito é ter o mundo nas mãos. A realidade é se tornar um escravo do aparelho.
Uma forma de mostrar quem manda nessa relação é manter o celular desligado. E só ligar quando quiser usá-lo. Mas os outros, as empresas, os aplicativos não deixam. Ficam com demandas e provocações, alertas e buzinaços.
Meu celular dito inteligente me causa alta ansiedade. Se está por perto, ligado e à vista, sinto toda hora a tentação de checar o que se passa ali. Então escondo, desligo e à s vezes “esqueço” em casa.
Meu filho teve dois celulares roubados quando era adolescente: um na porta de casa, na mesma rua Sabará onde Caroline Silva Lee, 15, foi assassinada por um ladrão de celular semana passada. Outro roubo ele sofreu no banco de um ônibus, quando teve sangue frio para negociar com o ladrão que o deixasse com o chip. Conseguiu.
Minha filha de 14 anos é mais viciada do que eu. Brinco que a geração dela ficará com patolas enormes no lugar dos dedões, de tanto digitar. Ela também dorme e acorda com ele (o álibi é o despertador). Leva o fulano para a escola, o banheiro, a praia, a neve, onde for. Só não surfou com ele, ainda.
O aparelho dela faz movimentos e sons o tempo todo, o que acho infernal, mas ela, não. Teme ser roubada, mas não se preocupa com quebra de privacidade. Confia na senha que colocou ali e conta que seu aparelho promove apagão geral de conteúdo na décima vez que alguém tenta usar uma senha inválida.
Mas a história mais inusitada que ouvi foi a de uma amiga que levou o aparelho no bolsinho do avental para dentro da sala de parto. Seu primeiro filho nasceu. Enquanto ela era costurada, começou a digitar para contar as novidades aos familiares.
Ela já foi multada muitas vezes por usar o celular ao dirigir e teve muitas brigas com o marido por causa do aparelho, que considera uma espécie de amante. “Ou ele ou eu”, o marido disse várias vezes em discussões. Hoje, ela acha que a pressão do marido a educou.
Mas, quando ele a flagrou com o aparelho na mão ao ser costurada, ela teve medo de perdê-lo justo no dia em que seu filho nascia. No entanto, o marido decidiu fotografar a cena para ficar na história.