Mesmo que sua credibilidade seja menor do que zero, a capa da Revista Veja sobre o uso de maconha “fazer mal” repercutiu entre os antiproibicionistas, que, ao contrário da publicação porta-voz da extrema-direita brasileira, que não executou o princÃpio básico do jornalismo de “ouvir o outro lado”, não têm medo de debate e do contraditório. Publicamos aqui três posicionamentos: o primeiro é de um integrante do Bloco Planta na Mente, conhecido como “Planta Anõnimo” e foi publicado no Facebook, o segundo é do advogado e membro do PT do Rio de Janeiro André Barros, que o publicou em seu site Maconha da Lata, e o terceiro foi produzido pela Rede Pense Livre e publicado em O Esquema.
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Bem, pessoal…
Eu falei que não iria dar trela ao assunto, mas acredito que seja do interesse de todos e é difÃcil ficar de braços cruzados. Seguinte: li a matéria na tal da Veja que fala sobre os malefÃcios da cannabis sativa e das “novas descobertas” sobre esta questão. Primeiramente, não vou separar a sociedade em lado A e lado B tampouco irei comentar sobre a linha editorial que essa publicação segue. Pretendo focar e quebrar com os argumentos apresentados na matéria e para isso, faço uma breve retrospectiva.
Do meu testemunho, posso afirmar que não sou o usuário retratado na matéria, pois meu perfil é bem diferente do que é colocado ali. Dei o meu primeiro tapa já “macaco velho”, aos 23 anos de idade com bastante maturidade para saber o que estava fazendo e consciente dos benefÃcios e malefÃcios da maconha. Até então advindo de uma escola liberal, o IFCS da UFRJ, sempre fui radicalmente contrário à fumaça: fazia campanha antitabagismo para meus pais – hoje, ex-fumantes – que por mais de 20 anos convivi vendo ao menos um deles com um cigarro na mão. Igualmente careta, achava um absurdo que pessoas fumassem maconha e “derretessem o cérebro” com esse hábito. Sim, eu regurgitava o preconceito da sociedade que hoje me atinge por ter optado fumar um baseado vez por outra. Então antes de atirar a primeira pedra, é importante saber do que está se falando e deixar de lado pré-concepções ou “aquela velha opinião formada sobre tudo” e acima disso, o assunto em pauta requer responsabilidade em sua abordagem.
Fui instigado pela minha mãe, que bradou com a revista em suas mãos me dizendo: “Você deveria ler isto!”. Que fique claro uma coisa: minha coroa é uma pessoa do bem, que respeito e agradeço aos céus pelo convÃvio e carinho, mas ela é extremamente contrária e talvez até perca noites de sono pelo fato de eu ser usuário.
Voltando à revistinha e deixando de lado o aspecto altamente tendencioso da matéria, irei separar por tópicos os pontos mais absurdos que observei nesta penosa leitura.
Essa colocação é superficial e infeliz, pois em primeiro lugar, o álcool e tabaco são legalizados e as empresas produtoras realizam um grande lobby favorável ao uso destas drogas. As propagandas sobre bebidas alcoólicas continuam nos veÃculos de comunicação e a nicotina apesar de sofrer boicote da sociedade, ainda tem um mercado gigantesco e grande poder de vÃcio. Concluindo; as marchas são manifestações realizadas por cidadãos que, gozando do seu direito de se expressar e se organizar, pedem a legalização da maconha.
PeraÃ, deixa ver se eu entendi direito… Quer dizer que se a maconha for legalizada, o cenário será o mesmo? Você tirar das mãos do tráfico uma boa parcela da sua receita (advinda da venda da erva) não enfraqueceria o crime? Além disso, a matéria fala que a maconha é “a porta de entrada para outras drogas” e eu me pergunto o porquê de insistirem nesta tecla e já respondo: se o traficante vende maconha, cocaÃna, crack, etc. não seria sensato afirmar que o usuário de cannabis sativa está exposto à oferta de outras drogas? Então eu reafirmo: a legalização da cannabis pode resolver estas duas questões de uma só vez – reduzindo o poder financeiro e eliminando a influência do tráfico. O usuário não seria exposto à violência. Este passo inclusive poderia representar um efeito maior sobre a corrupção policial. Afinal de contas, quem nunca foi extorquido por um policial por portar um cigarro de maconha?
Tá ótimo, então façamos um estudo sobre o pessoal que bebe cerveja desde os 13 anos de idade pelo menos uma vez por semana para ver o que acontece. Digo mais, se formos partir dessa premissa de “1 dose por semana” acredito que 75% da população brasileira seja alcoólatra.
Ainda conforme a matéria, o álcool é quase uma bênção porque basta você suspender o uso que o fÃgado e o cérebro ficam bonzinhos (na maioria dos casos, não em todos!). Agora me diga; quem deixa de consumir álcool sendo bombardeado todo dia nos veÃculos de comunicação e levando em conta aquele compromisso social do fim de semana, hein?
Sobre a relação com a cocaÃna, eu me recuso a comentar. Vale dizer somente que a maconha não passa por processos quÃmicos como a cocaÃna para ser consumida. Não fosse a proibição do seu uso, consumo e, principalmente, plantio a maconha consumida teria a manipulação reduzida e seriam grandes as chances de um fumo de boa qualidade o que implicaria num consumo menor e menos prejudicial à saúde do usuário.
O governo ainda poderia reclamar sua fatia (que fatalmente seria grande) em caso de regulamentação do comércio da maconha, podendo reverter a coleta destes impostos para a área da saúde e educação; financiando o tratamento de dependentes quÃmicos em outras drogas, investindo nos cuidados e na consciência do uso da maconha que como outra droga legal, deveria ter a venda proibida para menores de idade. Aliás, este é um argumento falho dos que defendem a proibição, pois o traficante vende droga até pra garotinho de 10 anos de idade e não tá nem aÃ. Se você tira a droga das mãos do tráfico, o estado pode atuar como agente regulador permitindo a venda legal somente para maiores de idade como é feito atualmente para bebidas alcoólicas e tabaco.
Por fim, é importante que os defensores da legalização da maconha saibam que o preconceito não vai deixar de existir quando a erva for legalizada. Vou mais além, é importante que se discuta esse tema com aqueles que defendem a proibição e principalmente, devemos fazê-lo com responsabilidade. É fundamental discutir como a legalização deve acontecer, porque os proibicionistas acham que é só para fazer oba-oba e recreação. Não podemos cobrir nossa audição entrando na polêmica sem ouvir o outro lado. Não cubramos nossas visões e ampliemos o debate. Quanto mais a sociedade participar e compreender o problema, a chance de boas ideias aumenta exponencialmente. Vamos adiante, legaliza Brasil! Planta na Mente!
VEJAÂ QUER INTERNAR E PRENDER OS MACONHEIROS
Em matéria anti-democrática, sem o contraditório e sem respeito à pluralidade de ideias, a revista Veja acusa a maconha e faz usando o falso argumento de que seus defensores dizem que a planta não faz mal a saúde. Todos sabem que o ato de fumar não é saudável, inclusive seus usuários utilizam filtros, bongs, vaporizadores para reduzir o dano.
Mas o interior da matéria é que é muito perigoso. À fl. 94, diz que apenas 10% dos pacientes internados em clÃnicas de dependentes foram parar ali em razão da maconha, insinuando que deveriam ser muito mais. E no final, à fl. 100, parte de uma espetada no Lula, dizendo que ele sancionou a atual Lei 11343/2006 que acabou com a pena de prisão para os consumidores e para plantadores de pequena quantidade para uso próprio. Tratando-se de matéria denuncista, omitiu o ex-presidente Fernando Henrique, atualmente defensor da legalização da maconha. Conclui dizendo ser muito difÃcil distinguir o consumidor do traficante e que este último se beneficia da lei sancionada por Lula passando por consumidor. Defende a volta da pena de prisão para os consumidores.
Colocam-se como donos de uma verdade cientÃfica e afirmam que a maconha é pior que o crack, a cocaÃna, o álcool e o cigarro. Trata-se de um absurdo, pois em classificações nacional e internacional sobre o grau de dependência de substâncias proibidas, a maconha tem uma classificação fraca ou ausente. A revista chama de inescrupulosos milhares de médicos de 17 estados americanos que prescrevem droga por preços que variam entre 100 e 500 dólares. Segundo a matéria, os médicos estariam se beneficiando da maravilhosa descoberta de que a maconha ajuda no tratamento de câncer, AIDS, glaucoma etc. Observem até que ponto chegou a parcialidade da revista.
Nadando na onda das internações compulsórias, movida pelo discurso terrorista da epidemia do crack, a Veja sugere subliminarmente internações e prisões também dos maconheiros. Escondem que uma grande medida para a saÃda do crack é a maconha, polÃtica que está sendo adotada pelo nosso vizinho Uruguai do presidente Mujica, que também fez a luta armada contra o regime militar, como a atual presidenta do Brasil Dilma Rousseff. A revista omite, também, o estudo feito pelo psiquiatra Dartiu Xavier da Universidade Federal de São Paulo, onde 68% de 50 consumidores  deixaram o crack com o uso da maconha.
Nestas operações contra o crack, nenhum financiador do tráfico foi denunciado no artigo 36 da Lei 11343/2006, ocorrem apenas prisões de consumidores brutalmente internados. Trata-se do Estado fraco com os fortes e forte com os fracos. Essa polÃtica de internações compulsórias viola uma das maiores conquistas da humanidade contra o poder de punir do Estado, o princÃpio da reserva legal, insculpido na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no primeiro artigo do Código Penal Brasileiro e no inciso XXXIX do artigo 5º da Constituição Federal: “ XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;â€.
Se não existe pena de prisão para os consumidores de drogas tornadas ilÃcitas, essas internações compulsórias em abrigos de concentração são inconstitucionais e aterrorizantes à liberdade de todos. Não podemos aceitar qualquer violação à s garantias libertárias, pois os paradigmas indiciários da chibata de nossas raÃzes escravocratas acumulada com a tortura da ditadura militar ainda são muito presentes em forma de mercado.
À revista Veja
A matéria de capa da última edição da revista não cumpre a missão de informar o debate sobre o uso/abuso da maconha, pois polariza a discussão e confunde os leitores. A demonização da droga reitera a polÃtica de prevenção equivocada que afasta os jovens do diálogo.
É importante retardar a idade inicial do uso das drogas e evitar danos que o consumo precoce pode causar. Para diminuir o consumo, no entanto, é preciso ser pragmático e encarar o fato de que a maconha hoje é amplamente acessÃvel aos adolescentes: sem regras de idade, sem controle de qualidade e vendida por pessoas que têm interesse em conquistar clientes para drogas mais pesadas. Ao contrário do que foi publicado, pesquisas da Organização Mundial de Saúde demonstram que é o traficante, e não a maconha, a porta de entrada para outras drogas.
O estudo citado na matéria diz que quando o uso da maconha inicia-se após os 18 anos, tais efeitos adversos do uso na adolescência não ocorrem. Isso sugere que a regulação possa ser  uma alternativa mais adequada para controlar o uso de drogas por adolescentes do que a proibição nos moldes atuais.
As polÃticas atuais de criminalização do consumo já provaram não ser capazes de atingir o objetivo maior de reduzir os danos causados pelas drogas aos indivÃduos e à sociedade. O modelo de regulação do tabaco oferece caminhos para pensarmos na regulação da maconha.
É tempo de olhar as evidências cientÃficas e a vasta gama de pesquisas que apontam alternativas à s polÃticas de drogas e mostram como elas podem ser mais eficazes e humanas que as atuais.
Respondendo aos principais pontos:
À revista Veja
Nós, membros da Rede Pense Livre – Por uma polÃtica de drogas que funcione, consideramos que a matéria de capa da edição de 31/10/12 forneceu a seus leitores uma visão apenas parcial da complexa e multifatorial questão sobre o uso/abuso da maconha. Entendemos que uma visão parcial sobre tal droga não contribui para um debate racional, não ideológico, e pode, inclusive,  afastar os jovens do diálogo e dificultar que consumidores que venham a desenvolver uso problemático da droga recebam apoio adequado.
A Rede Pense Livre entende a complexidade da questão das drogas e tem convicção que a atual polÃtica com foco na repressão causa mais danos aos indivÃduos e à sociedade do que o próprio consumo de drogas em si.
Sobre o artigo citado na reportagem, os autores apontam para uma maior atenção de polÃticas públicas e prevenção ao uso de Cannabis na população menor de 18 anos. Certamente nós, da Rede Pense Livre, estamos de acordo que é importante retardar a idade inicial do uso de drogas e evitar os danos que o consumo precoce pode causar aos adolescentes. Contudo, a proibição, ao igualar o consumo adulto e adolescente, impede que a polÃtica pública proteja os mais jovens. A proibição não controla o mercado. O êxito da politica anti-tabagista mostra que só a regulação o faz.
Para diminuir o consumo, precisamos ser pragmáticos e reconhecer que a maconha hoje é amplamente acessÃvel aos adolescentes em qualquer cidade brasileira: sem regras de idade, sem controle de qualidade e vendida por pessoas que têm interesses puramente financeiros. Os consumidores são mal-informados e, quando enfrentam problemas, não pedem ajuda por medo da criminalização e do estigma.
Nesse sentido, o  estudo revela um fato interessante, não retratado na reportagem. A principal evidência é: “adolescent-onset users showed greater IQ decline than adult-onset cannabis users. In fact, adult-onset cannabis users did not appear to experience IQ decline as a function of persistent cannabis use†1 (Meier et al., 2012). Este excerto demonstra que, de fato, adolescentes que iniciam uso de maconha nesta fase da vida podem apresentar efeitos colaterais evidentes como prejuÃzo cognitivo e perda de memória. Entretanto, quando o uso inicia-se após os 18 anos, tais efeitos adversos não ocorrem. Isso sugere que a regulação pdoe ser mais adequada ao fim de controle do uso adolescente do que a proibição nos moldes atuais, especialmente se comparado ao álcool e tabaco.
Diversas pesquisas de ponta divulgadas pela Organização Mundial de Saúde, entre as quais um estudo desenvolvido por Tarter e colaboradores, financiado pelo NIDA National Institute of Drug Abuse  e publicado na American Journal of Psychiatry (2006), demonstram que o contato inicial com outras drogas está vinculado à disponibilidade da compra de outras substâncias ilÃcitas e à convivência próxima com usuários de outras drogas. Estes dois motivos fazem com que o usuário regular migre do consumo unicamente da Cannabis para outras drogas.
Consideramos ainda que poderia ter sido citada pela reportagem uma importante pesquisa de 2010 publicada na The Lancet, revista médica de excelência, pelo Professor David Nutt, psiquiatra e neuropsicofarmacologista do Imperial College,  de Londres, que demonstra que não há critérios médicos que diferenciem drogas lÃcitas das ilegais, justamente porque a substância que mais provoca danos individuais é o álcool, antes mesmo da heroÃna e do crack.
A reportagem também não cita exemplos exitosos de uso medicinal da Cannabis em paÃses como Israel, Holanda e 17 estados norte-americanos que têm programas de fornecimento regulado de maconha medicinal para pacientes de câncer, HIV e esclerose múltipla, entre outras doenças.
O bom senso e as evidências sugerem que as polÃticas atuais de criminalização do consumo não foram capazes de atingir o objetivo maior de reduzir o consumo e os danos causados pelas drogas aos indivÃduos e à sociedade. O modelo de regulação do tabaco oferece caminhos para pensar sobre um modelo de regulação da maconha. As campanhas de conscientização e as restrições impostas nas últimas duas décadas à indústria do cigarro resultaram em uma redução de 50% no consumo de tabaco nas últimas duas décadas, com forte impacto positivo na saúde pública. 2
A Rede Pense Livre defende a regulação da maconha medicinal e do autocultivo de maconha, para permitir o acesso ao medicamento nos casos clÃnicos comprovados e romper o vÃnculo entre usuários e o comércio ilegal. Vários paÃses do mundo estão se dando conta da necessidade de mudança na lógica de guerra à s drogas. É tempo do Brasil abandonar o preconceito e olhar todas as evidências cientÃficas com igual seriedade. Desta forma ficará claro que existem alternativas mais eficientes e mais humanas para reduzir os danos sociais do consumo de drogas.