A maconha vendida em São Paulo é quase toda produzida no Paraguai. A droga aparece misturada a folhas, caules e outras plantas. “E também restos de insetos ou formigas, como em qualquer colheita rudimentar feita de forma clandestina”, explica o perito José Luiz da Costa, do Instituto de CriminalÃstica.
Em geral, a maconha paraguaia chega a São Paulo prensada e embalada em filme plástico ou alumÃnio, e adesivada. As condições de transporte são precárias -normalmente em caminhões, escondida entre outros produtos.
Por uma questão econômica, ela não chega ao mercado totalmente seca. É que o tempo de secagem da colheita é relativamente longo (cerca de uma a duas semanas) e as folhas úmidas pesam mais, o que significa um ganho extra para o produtor.
Uma monografia coordenada por Costa em 2011 apontou a presença de três tipos de fungos em maconha apreendida, alguns deles comumente encontrados em alimentos em estado de deterioração. Para Dartiu Xavier, da Unifesp, de forma geral, não há nada objetivo quanto ao risco para seres humanos. Os fungos podem causar alergia e intoxicação para pessoas hipersensÃveis, como também doenças em indivÃduos imunodeprimidos.
As condições de embalagem e transporte da maconha prensada também podem favorecer a liberação de amônia, de acordo com Elisaldo Carlini, também da Unifesp. “Com o tempo, a maconha envelhece e se degrada. Pior ainda se estiver umedecida. Amônia na maconha é sinal de má conservação”, diz.
A maconha vendida em São Paulo está mais potente. Uma análise do Instituto de CriminalÃstica em 35 amostras apreendidas entre julho e agosto na capital apontou uma média de 5,7% no nÃvel de THC, a principal substância psicoativa da droga.
O estudo foi feito a pedido da Folha. Análise semelhante realizada entre 2006 e 2007 mostrou uma média de 2,5%.
“O resultado pode indicar uma certa tendência no aumento do princÃpio ativo da maconha vendida nas ruas, como se tem observado em alguns paÃses desenvolvidos”, diz Mauricio Yonamine, professor de toxicologia da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP.
O teor de THC aferido é maior do que a média na maconha apreendida no mundo: de 0,5 a 5%, de acordo com relatório da ONU.
Na Holanda e nos Estados Unidos, onde a tecnologia do plantio da droga é mais avançada, essa escalada atinge nÃveis médios de 15% e 10%, respectivamente.
A análise do IC mostrou também um baixo teor de canabidiol –0,6%, em média. A substância presente na planta Cannabis modula o efeito de THC, diminuindo a sensação de ansiedade.
“Para reduzir a chance de delÃrio e alucinação, a proporção deveria ser de um para quatro”, explica Elisaldo Carlini, da Unifesp.
Quanto mais potente a maconha, mais forte e prolongado é o seu efeito. “Se pensarmos no uso por adolescentes, os riscos seriam em princÃpio maiores [de alterações cognitivas, por exemplo]”, afirma o médico psiquiatra Dartiu Xavier, da Unifesp.
De acordo com levantamentos feitos pela Senad (Secretaria Nacional de PolÃticas sobre Drogas) em 2010, 13,2% dos estudantes brasileiros entre 17 e 18 anos e 26,1% dos universitários já tinham fumado maconha pelo menos uma vez na vida.
RESSALVAS
Especialistas ouvidos pela reportagem apontam ressalvas com relação aos estudos, no que diz respeito à representatividade da amostragem e o tempo de armazenamento das apreensões. Mas a escassez de estudos mais aprofundados sobre o tema torna as medições relevantes.
A análise feita agora e a anterior adotaram a mesma metodologia e protocolo de medição. O espaço amostral, porém, foi reduzido. Em 2006 e 2007, foram analisadas amostras de 55 apreensões, contra as 35 da investigação atual.
Em ambos os estudos, a escolha das amostras foi aleatória e sem preocupação com o estado de conservação da droga. Foram analisados de cigarros prontos a tijolos de 500 gramas os mais, com apreensões feitas tanto no atacado como no varejo.
Em função da decomposição natural, quanto mais antiga for a apreensão, menor o nÃvel de THC. José Luiz da Costa, perito do Instituto de CriminalÃstica e presidente da Sociedade Brasileira de Toxicologia, explica por que a interpretação de resultados com análise de maconha é mais complexa que a de outras drogas: “Ela é vegetal. Se eu plantar a mesma semente no pé do morro ou no alto da montanha, o resultado já vai ser diferente”, explica.
“Mas a verdade é que a maconha é uma droga tão barata que não justifica você encontrá-la adulterada”, acrescenta Costa.
TARSO ARAUJO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Em 2002, o czar antidrogas norte-americano, John Walters, disse ao “Washington Post” que “a maconha de hoje é diferente daquela de uma geração atrás, com potência 10 a 20 vezes mais forte”. Desde então, esse argumento alarmista tem sido usado com frequência nos debates.
Ora, nenhum traficante quer vender maconha fraca. Logo, é previsÃvel que o plantio se profissionalize. Assim como buscam tulipas de novas cores e raças de cão mais fortes, quem cultiva Cannabis quer mais THC, o principal psicoativo da planta. Hoje, para fazer isso, há luzes e métodos modernos, sementes selecionadas em décadas de cruzamentos. Tudo na internet.
Mas é pequena a chance de camponeses do Paraguai usarem essa tecnologia na produção massiva de maconha. O que fazem é o tal “prensado”, e a prova de que ele não está tão potente assim é visÃvel a olho nu: ele tem sementes. Maconha com muito THC raramente tem sementes, porque, para fabricá-las, a planta usa a energia que precisa para fazer a molécula psicoativa.
No Brasil, só se faz maconha de “altos teores” em pequenas plantações caseiras. Esse cultivo “indoor” até tem crescido no paÃs, por causa de usuários que não querem bancar o tráfico, mas sua produção é irrelevante.
Logo, é preciso cautela na comparação dos resultados dos testes de 2006/2007 e 2012. Por mais corretas que sejam as análises quÃmicas, a dosagem de THC tem desafios que começam bem antes do laboratório.
Um fator crucial para medições confiáveis é ter uma amostragem representativa. Para medir a intenção de voto em São Paulo com algum valor estatÃstico, não basta entrevistar uns 50 cidadãos em Higienópolis.
No caso da maconha: o THC se decompõe rapidamente exposto à luz e ao ar. Se a pesquisa de 2006/2007 usou uma droga colhida há meses, apreendida em “trouxinhas” ou “baseados”, sua baixa potência pode ser mera consequência da má conservação. Se a de 2012 usou amostras novas, lacradas, o THC estava bem preservado.
Na Europa, onde se quantifica THC desde a década de 1990, os testes usam milhares de amostras, colhidas regularmente ao longo do ano, de várias fontes, para garantir representatividade.
É preciso ter esse cuidado aqui, antes de disparar o alarme. E fazer testes todo ano, de modo padronizado. Não nos faltam bons peritos, apenas verba e vontade polÃtica.
TARSO ARAUJO é autor do Almanaque das Drogas e editor da revista “Galileu”