Janio de Freitas
Um projeto drogado
Proposta quer os viciados em drogas registrados num cadastro; eles não teriam benefÃcio algum com isso
A Câmara esteve na iminência de votar quarta-feira um projeto com graves implicações sociais, que precisariam de ampla discussão pública, mas a população nem ao menos sabia da votação prevista. (O jornalismo brasileiro tornou-se muito original). A votação está apenas adiada, em princÃpio, para terça agora.
De autoria do peemedebista gaúcho Osmar Terra, o projeto quer os viciados em drogas registrados em um cadastro nacional. Os viciados não teriam benefÃcio algum com a medida. Mas, além disso, os futuros recuperados, os recuperáveis e as famÃlias dos viciados ficariam sujeitos a danos incalculáveis. Expostos, desde o registro e pela vida afora, aos efeitos das visões preconceituosas no mundo do trabalho e nas relações humanas.
A proposta para a formação do cadastro é ainda mais perturbadora. Os profissionais incumbidos do atendimento e de internações estariam obrigados à pronta informação, para o cadastro, sobre o dependente atendido ou, se internado, beneficiado por alta. E aos professores e diretores de escolas caberia a obrigação de mandar para o cadastro os nomes dos alunos consumidores de droga ou com indÃcio de sê-lo. A respeito, não é preciso dizer nada além disso: Alemanha, anos 1930.
Está difÃcil, e não há esforço algum para facilitar, a compreensão ampla de que ninguém é viciado por querer, seja qual for o vÃcio. No máximo, pode haver indiferença ou conformismo com o vÃcio e suas consequências. Mas todo vÃcio é um sofrimento, porque é dependência e toda dependência é opressiva. O traficante, sim, trafica porque quer, ainda que sob o impulso do próprio vÃcio. Não tem cabimento, portanto, a emenda que o PSDB quer apresentar ao projeto, eliminando o proposto aumento da pena mÃnima para traficante, em associação com a retirada do cadastro de consumidores de drogas.
A iniciativa de adiamento da votação foi do PSDB, para que a bancada revisse o projeto a pedido de Fernando Henrique, e do PC do B, sem que isso signifique apoio dos demais partidos à s barbaridades propostas. Não há indicações de como estão as bancadas partidárias quanto aos itens do projeto. Até por isso, o adiamento por apenas uma semana é a continuada falta da discussão pública do projeto. E agora também das emendas, sejam quais forem, mencionadas pelo lÃder do PSDB, Carlos Sampaio, para atender a Fernando Henrique.
O projeto tramita há mais de dois anos e, apesar disso, chegou à pauta de votação como uma monstruosidade incólume. Inclusive sem emendas saneadoras do PSDB e do PC do B. O necessário, portanto, é adiá-lo sem data de votação e tentar submetê-lo a algum debate nos meios de comunicação (comunicação?).