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Abril 17, 2013

O jogador de basquete que virou estopim da guerra às drogas – uma história sobre crack, histeria e mídia

COLETIVO DAR

Len Bias, “o arquiduque Francisco Ferdinando da Guerra Total às Drogas”

Termina nesta quarta-feira (17)  a temporada regular da NBA, a liga de basquete profissional dos Estados Unidos, que a partir deste fim semana inicia sua fase final, os chamados playoffs (o que por aqui chamamos de “mata-mata”). E o que carajos isso tem a ver com um site sobre drogas e direitos humanos? Bom, poderíamos dizer que a NBA, apesar de ter o direito de realizar testes antidoping com seus jogadores durante a temporada, é conhecida como uma liga bem maconheira, como atesta o Bola Presa, site referência do assunto no Brasil: “Em 2001, o ex-jogador Charles Oakley disse que pelo menos 60% dos jogadores da NBA devem usar maconha, já em 2005 uma pesquisa com alguns jogadores fez uma estimativa de que 30% fumam o baguio regularmente”.

Mas ficaremos aqui com uma história mais ligada a política de drogas do que a seu consumo. Ela envolve a NBA pois trata do caso de Len Bias, cuja trajetória foi considerada de tamanha importância por Dan Baum, autor do livro Smoke and mirrors [Fumaça e espelhos], um estudo sobre a guerra às drogas, que definiu este personagem como “o arquiduque Francisco Ferdinando da Guerra Total às Drogas”.  Pra quem não lembra, Francisco Fernando Carlos Luís José Maria de Áustria-Este, popularmente conhecido como Francisco Ferdinando, foi morto em um atentado em Sarajevo em junho de 1914, num evento que é visto como o estopim para o início da I Guerra Mundial.

Mas como Len Bias se tornou o estopim para o recrudescimento da guerra às drogas?

No dia 17 de junho de 1986, Leonard Kevin Bias realizou seu grande sonho de ser contratado por um time da NBA. Com 22 anos e jogando na posição de ala, ele tinha acabado de ser eleito para a seleção dos melhores jogadores do torneio universitário estadunidense de basquete (NCAA), espécie de vestibular para a liga principal, e foi escolhido pelo Boston Celtics para jogar a temporada de 1986-1987 em sua equipe. Detalhe: o Celtics era o atual campeão da NBA e contava com a lenda Larry Bird, um dos maiores da história desse esporte. Além disso, Bias assinara um contrato de 3 milhões de dólares com a empresa de material esportivo Reebok.

Na noite do dia 18, depois de uma rápida conferência de imprensa, Bias voltou à universidade de Maryland para celebrar a conquista com seus amigos. Na manhã seguinte foi encontrado morto em um dormitório da universidade. Causa mortis: envenenamento por cocaína. Overdose. De acordo com as investigações, Bias seria um usuário habitual de drogas, e a cocaína que ele consumiu no dia de sua morte tinha uma pureza de 98%.

Segundo o jornalista britânico Dominic Streatfield, autor do excelente livro Cocaine – an unauthorized biography  [Cocaína: uma biografia não autorizada] , “a morte de Bias coincidiu perfeitamente com a chegada da ‘nova’ droga crack. Mesmo que não houvesse nenhuma evidência disso, o público imediatamente decidiu que foi o crack que o matou”. No final daquele mês de junho, pais preocupados e líderes civis estavam organizando marchas ao redor do país. Em julho, a rede de TV ABC inovou ao enviar um cinegrafista para acompanhar uma batida policial em uma “crack house”, casa de consumo e venda de cocaína fumada. A audiência foi tamanha que outras emissoras seguiram o exemplo, como a CBS, que preparou rapidamente o documentário 48 hours on Crack Street [48 horas na Rua do Crack].

Em artigo intitulado “Cocaine is a loaded gun” [A cocaína é uma arma carregada], a revista Newsweek apontava que “a lição da morte de Bias é que cocaína mata”. Em setembro, a revista Time, que poucos anos antes havia celebrado, em matéria de capa, a cocaína como a “All-american drug” [A droga de todos os americanos], apontando que ela não matava, não gerava câncer nem dependência e não trazia ressacas, publicou nova reportagem de capa intitulada “Drugs: the enemy within” [Drogas: o inimigo interno].

Um dia antes desta Time chegar às bancas, Ronald e Nancy Reagan, presidente e primeira dama dos EUA no momento, clamam aos cidadãos estadunidenses que tomem parte de uma “cruzada nacional contra as drogas”: “diga sim para sua vida, quando se tratar de álcool e drogas apenas diga não”,  bradaram, inaugurando uma nova etapa de repressão na guerra às drogas.

Estava consolidada a fase que a pesquisadora espanhola Belén Luca de Tena qualificou, em seu livro A guerra da cocaína, como a etapa de “consolidação da cruzada” da guerra às drogas. É durante esta fase que se instauram importantes dispositivos legais dentro dos Estados Unidos, o que obviamente traz consequências para a política em nível continental e global. No ano de 1982 é aprovado o “Defense Autorization Act”, que permite ao exército federal participar da luta antidrogas através da modificação de uma lei de 1878 que impedia aos militares intervirem em questões civis. Em abril de 1986 é instituída a “National Security Decision Directive”, que declara o tráfico de drogas uma ameaça “letal” para a segurança nacional dos Estados Unidos, atualizando a doutrina de segurança nacional dos tempos de Kennedy.  A partir de então, ganha força o discurso que, ao imbricar narcotráfico e terrorismo, passa a justificar as ações de contra-insurgência, sobretudo na América Latina, por conta do suposto combate ao também suposto “narcoterrorismo”.

[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=lQXgVM30mIY[/youtube]

Ao final de 1986, Time e Newsweek tinham lançado cinco edições cada uma com drogas ilícitas na capa. Mas havia de fato um problema tão grande com crack permeando a sociedade estudanidense quanto mídia e políticos faziam parecer? Dominic Streatfield aponta, com farta base documental, que não.

Professor de Universidade da Califónia (UCLA), Ron Siegel pesquisava o uso de “freebase”, cocaína em sua forma fumável, desde o final da década de 1970, e afirmou a Streatfield que o que a partir de meados dos anos 1980 passou a ser chamado de “crack” não se tratava de nenhuma novidade. Não só a cocaína era consumida há cerca de um século no país como também sua versão fumada era há muito conhecida, mesmo que com outros nomes.

E mais. Mesmo a DEA (agência estadunidense de combate às drogas), que no início estimulou, e muito, as notícias alarmantes em torno de uma suposta epidemia de crack, passou a se preocupar com o papel que a mídia estava cumprindo em relação ao tema, temendo que ao invés de informar ela estivesse na verdade estimulando mitos e curiosidade em torno da substância. É o que declarou o agente aposentado Robert O’Leary a uma reportagem da Newsweek: “Estamos muito preocupados com um mercado sendo desenvolvido por causa de toda essa publicidade. Nós sentimos que isso está sendo acelerado pelo furor da mídia”.

Se de fato existia crack sendo consumido nos EUA, a extensão do problema estava longe dos diagnósticos alarmantes. Na verdade, fora de certas regiões de Miami, Los Angeles e Nova Iorque não existia consumo algum de crack, aponta Streatfield. “Ninguém queria acreditar na verdade: que crack era simplesmente cocaína normal que podia ser fumada, que já estava por ali há pelo menos uma década. A história continuou crescendo”, aponta o jornalista.

A partir de então, “muitos dos estereótipos que foram aplicados à cocaína quando ela chegou aos Estados Unidos nos anos 1880 foram reaplicados ao crack nos anos 1980”, prossegue Streatfield. Crianças estavam ficando viciadas. Não existia uso recreativo: experimentou, viciou. Seu consumo leva ao crime, à violência e à miséria. É uma droga de negros e imigrantes.

Segundo um estudo chamado Cracked Coverage, escrito por Reeves e Campbell, as agências envolvidas no controle de narcóticos tinham grande “interesse em manter um permanente estado de urgência, inclusive de histeria, em relação à cocaína”, a fim de angariarem mais verbas e poder políticos para seus departamentos. Já os governantes tinham nessa histeria uma importante arma de controle social e também de sensibilização passional de eleitores. Por outro lado, como apontado anteriormente, os veículos de imprensa perceberam que a soma pânico + drogas era certeira para aumentar as vendas: a edição da Newsweek que trazia como chamada de capa a reportagem “Kids and cocaine: a new epidemic strikes middle America” [Crianças e cocaína: uma nova epidemia atinge a América], por exemplo, vendeu 15% a mais que a média daquele ano.    

Enquanto isso, no ano de 1985 foram relatadas 1.092 mortes associadas a consumo de cocaína nos Estados Unidos, sendo “a vasta maioria” sem qualquer relação com a ingestão dela na forma fumada,como ressalta Streatfield. Por outro lado, segundo dados de 1986, para cada morte relacionada à cocaína ocorriam outras 100 por conta de álcool e 300 por tabaco, e no caso dessas substâncias não há os problemas relativos a incertezas sobre a pureza do que é ingerido, como no caso da cocaína ilegal.

Também em 1985, antes do crack atingir com força as manchetes de todo os EUA, uma pesquisa indicava que apenas 1% dos estadunidenses consideravam “drogas” um problema importante para a nação. No ano seguinte, ano eleitoral, as “drogas” foram colocadas como o problema número um em pesquisa semelhante, segundo Streatfield. Já as palavras de pessoas como o professor Bruce Johnson, do Instituto Nacional de Desenvolvimento e Pesquisa (NDRI), de Nova Iorque, que apontou em 1995 que “a violência associada à cultura do crack nos centros das grandes cidades não é causada por efeitos farmacológicos mas sim pela violência sistemática associada ao comércio de drogas”, permaneciam longe de serem ouvidas.

E como tragédia nunca é demais, em 1990 o irmão mais novo de Len Bias, James Stanley Bias III, conhecido como Jay Bias, também ele uma promessa no basquetebol, foi assassinado a tiros aos vinte anos em uma briga no estacionamento de um shopping Center.

Em 2009 a TV ESPN lançou o documentário Without Bias, a respeito da vida de Len Bias, que pode ser visto na íntegra abaixo (infelizmente sem legendas), logo depois de um vídeo com lances da carreira dele durante a universidade.

 

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