Coletivo DAR
A Coordenação de Saúde Mental do municÃpio de São Paulo, subordinada à Secretaria Municipal de Saúde (SMS), convocou para a última sexta, dia 12/4, uma reunião com “os Movimentos sociais, Forum [sic] e Militâncias da área da Saúde Mental, Redução de Danos e DST/AIDS para uma conversa com o secretário da Saúde, José de Fillipeâ€. Segundo o texto do convite, recebido por email pelo Coletivo DAR, “esta gestão entende que um diálogo com a Sociedade Civil é de extrema importância e acreditamos que este é o momento propÃcio para iniciarmos esta conversaâ€.
O Coletivo DAR está longe de ter uma postura de defesa de mudanças via Estado. Pelo contrário, identificamos neste elemento muito mais um inimigo, por sua ação repressiva e corrupta e também pelo seu papel de canalização da revolta, do que um instrumento possÃvel de emancipação ou no mÃnimo de redução das desigualdades. Mas nós também adoramos uma conversa: se for boa, sempre avançamos, mesmo em meio a divergências, e se for ruim, sempre avacalhamos, por que não? Não dizem que o governo é “nossoâ€? Mesmo sabendo que não é, fomos lá ver o que tava pegando, o que nos tinha a dizer o excelentÃssimo senhor José de Fillipe, que além de ser engenheiro e ter sido prefeito de Diadema, já defendeu a Marcha da Maconha e tudo.
Além do Secretário, estiveram presentes na mesa do evento Myres Cavalcanti (coordenadora de Saúde Mental), Paulo Puccini (secretário adjunto de Saúde) e Dartiu Xavier da Silveira, psiquiatra do PROAD em sua primeira aparição pública como consultor de saúde mental da SMS. Na platéia, cerca de 60 pessoas, entre profissionais de saúde e representantes de movimentos sociais e ONG’s.
As falas da Secretaria
Cavalcanti abriu os trabalhos apresentando informações genéricas e pouco precisas sobre como se dará a implementação do Plano de Enfrentamento ao Crack, do governo federal, na cidade de São Paulo. Se por um lado ela ressaltou que o plano “está em construçãoâ€, “está aberto a colaboraçõesâ€, por outro observou-se a pouca margem de manobra da Secretaria de Saúde, e do próprio municÃpio, diante de ações de caráter repressor que vêm de cima – e não serão alteradas.
Ela apresentou alguns números, sobretudo em relação a CAPS e Consultórios de Rua, e apontou que a “gestão da dependência quÃmica e dos direitos da população†darão a tônica deste “enfrentamentoâ€. Sim, a lógica é essa. Cavalcanti defendeu que as ações da SMS girarão em torno da insuficiência da rede, disse que a “dependência quÃmica destrói vÃnculos†e frisou que as ações estatais se basearão “principalmente na voluntariedadeâ€. Mas outro número também saltou aos olhos: 250 leitos em parceria com Comunidades Terapêuticas. Ao final, mais um disparo de senso comum: “Precisamos transformar esse quadro dramático que o municÃpio viveâ€.
Logo em seguida, José de Filippe tomou a palavra, e conseguiu ser ainda mais genérico do que Cavalcanti. Falou em multidisciplinariedade e multi-setorialidade, e lembrou que o prefeito Fernando Haddad transferiu da Segurança para a Saúde a coordenação da implementação do Plano na cidade. Propôs a formação de um fórum com a sociedade civil, para monitoramento das ações da Saúde (quem monitorará os eixos PREVENÇÃO e AUTORIDADE ninguém sabe) e escorou-se, diversas vezes, na presença de Dartiu na Secretaria . Em determinado momento, chegou a qualificar o uso de crack na cidade como uma “quase que epidemiaâ€, seja lá o que isso signifique.
Paulo Puccini seguiu a linha de Fillipe, ressaltando compromisso com a luta antimanicomial, e disse que a Secretaria “não acredita em criminalização: jogar polÃcia em cima das pessoas é um erroâ€. “Nós nos abrimos ao diálogo, não nos escondemos atrás de nadaâ€, afirmou também.
Por fim, Dartiu Xavier apresentou-se e logo lembrou que foi escolhido para a função diante de sua trajetória no campo do tratamento do uso abusivo, na redução de danos, na academia e no antiproibicionismo. Comparar sua argumentação com a de seus anteriores seria até injusto, diante do abismo de experiência e conhecimento de causa, ao que nos limitamos aqui a dizer que foi boa como sempre, diferenciando uso e abuso, indiferenciando drogas lÃcitas e ilÃcitas e salientando o absurdo da internação compulsória e da estigmatização dos usuários e o exagero do pânico em torno do crack.
As perguntas do DAR
Abriram-se então quinze inscrições para a platéia intervir. Nas sete primeiras, o Secretário Fillipe esteve ausente para falar no telefone, mostrando o quão importante era este momento para ele. A tônica geral foi marcadamente crÃtica, e mesmo cética, mostrando à Secretaria que se ela queria utilizar esta reunião como um termômetro para saber o sentimento das pessoas ligadas à causa em relação à s polÃticas de enfrentamento ao crack, propostas a partir do governo federal, ela pode ter certeza de que ninguém que estava ali é bobo nem se deixa levar por uma horinha de conversa e promessas.
O Coletivo DAR tinha preparado uma intervenção, e ela foi lida já com Fillipe de volta. Uau, que honra. Ressaltando que um governo se mede não pelo que fala, mas pelo que faz, e que uma boa conversa não vale nada diante de uma má polÃtica (e que um discurso do Dartiu também não vale nada se a prática é a da Dilma), questionamos o seguinte:
1 – Qual a posição da secretaria de saúde sobre a internação compulsória em massa como polÃtica pública?
2 – Qual a distinção que a secretaria de saúde faz entre uso e absuo de drogas?
3 – Qual a posição do governo municipal sobre o PL Osmar Terra?
4 – Qual o peso da saúde dentro dos três eixos do plano de enfrentamento ao crack? (autoridade, cuidado e prevenção) QUal o nÃvel de participação social que está sendo proposta para os eixos autoridade e prevenção?
5 – Por que o plano de enfrentamento ao crack previa um estudo demográfico sobre a população usuário de crack no paÃs, não concluiu este estudo e mesmo assim executa polÃticas voltadads a essa população sem conhecê-la? Qual a base de dados que é usada para sustentar a intervenção nestas populações?
6 – Qual a opinião da secretaria municipal de saúde sobre as posições polÃticas e cientÃficas do Dr. Ronaldo Laranjeira, ferrenho defensor da internação compulsória e da abstinência absoluta?
7- Qual a posição da secretaria de saúde a respeito da destinação de verbas públicas para comunidades terapêuticas?
8 – Quais ações serão tomadas pelo governo municipal pública a fim de fiscalizar as comunidades terapêuticas denunciadas por violações de direitos humanos?
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As respostas da Secretaria
As perguntas 2, 3, 4 e 5 não foram respondidas. Enviaremos por email caso eles queiram pensar um pouco melhor e publicaremos caso eles saibam as respostas.
O Secretário Fillipe respondeu a número 6 afirmando que a participação de Ronaldo Laranjeira no projeto da “UTI do crack†se deu por licitação e apontou que este cidadão não representa o posicionamento oficial da SMS nem é seu consultor – “ele terá que seguir nossa diretrizâ€.
Em relação ao questionamento sobre a internação compulsória, uma resposta firme: SOMOS TOTALMENTE CONTRA A INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA EM MASSA. “Não adianta usar a droga para esconder uma incapacidade nossa de lidar com o problema†salientou, apontando também que “o tratamento coercitivo é uma reedição do modelo manicomialâ€. Nós anotamos, e cobraremos – não só da gestão municipal mas também de seus parceiros.
No que diz respeito à s comunidades terapêuticas, em primeiro lugar Filipe disse que nem todas são iguais. Depois tanto ele quanto Puccini focaram-se mais na questão da coerção religiosa implementada nestes espaços, o que constitui sim um problema, mas não é o único. Em relação a outras violações de direitos, como tortura e trabalho análogo à escravidão, nenhuma palavra, assim como nenhuma sinalização em relação a ações concretas de fiscalização destes estabelecimentos que receberão sim dinheiro público do municÃpio de São Paulo e nenhuma reflexão a respeito da efetividade de tais “tratamentosâ€.
Em resposta a outros questionamentos, Fillipe disse não ter “nenhum preconceito†em relação a usuários de drogas, afirmou ter conhecimento de que nem todo uso de drogas é danoso ou prejudicial e foi além: “Não agredindo o espaço alheio eu não vejo nenhum problemaâ€. (Será que pro pessoal das comunidades terapêuticas ele fala isso?) Fillipe ainda emendou lembrando que, por outro lado, há inúmeros problemas com drogas lÃcitas – mas aqui se esqueceu de utilizar o termo “epidemia†levantado quando se falava de crack.
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“A gente se liga hein, vê se não some, vamo se falandoâ€
Assim, passada a conversa, fica a sensação sim de que algo mudou em relação à gestão anterior, na qual as possibilidades de diálogo eram muitÃssimo mais limitadas e raras. O governo municipal, e não só nesta secretaria, tem demonstrado disposição de ouvir a população. Mas só ouvir não basta, participação deveria ser muito mais do que referendar polÃticas apenas com (meias) explicações sobre elas. Ficou claro que, especificamente em relação à s polÃticas sobre crack, na hora de agir os ouvidos serão outros. Os de sempre: governo federal, comunidades terapêuticas, mÃdia sensacionalista. Beleza, se for assim saberemos de que lado estar quando as ações começarem.