do Portal Terra
O Ministério Público Federal (MPF) em São Paulo protocolou uma ação civil pública em que pede a extinção da Unidade Experimental de Saúde (UES). Mantido pelo governo do Estado, o local recebe jovens com mais de 18 anos que cometeram atos infracionais graves e já cumpriram internação compulsória na Fundação Casa. Entre os jovens mantidos no local está Roberto Aparecido Alves Cardoso, 26 anos, o Champinha, que em 2003 liderou o grupo que estuprou e matou a estudante Liana Friedenbach, 16 anos, e assassinou o namorado da vÃtima Felipe Silva Caffé, 19 anos.
Segundo o MPF, os jovens permanecem internados na UES por determinação judicial e por tempo indeterminado, e não contam com acompanhamento médico e assistencial adequado. “O tratamento que tem sido dispensado a esses jovens é medieval”, argumenta o procurador regional dos Direitos do Cidadão, Pedro Antônio de Oliveira Machado. “São encarcerados sem o devido processo legal, por tempo indeterminado, em estabelecimento que não lhes propicia tratamento adequado aos distúrbios de que são portadores”, afirma.
A ação civil, de autoria da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC) de São Paulo, também é assinada por entidades que atuam na área de direitos humanos, como o Conectas Direitos Humanos, a Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (Anced), o Instituto de Defesa dos Direitos de Defesa (IDDD) e o Conselho Regional de Psicologia da 6ª Região.
A UES foi criada em 2006 com recursos do governo paulista e atende apenas pacientes indicados pela Justiça, com diagnóstico de transtorno de personalidade, que são internados em regime de contenção. A unidade é ligada à Secretaria Estadual de Saúde mas, como essa secretaria não dispõe de pessoal capacitado tecnicamente para conter tais pacientes, servidores da Secretaria de Administração Penitenciária executam as atividades de segurança.
Segundo informações prestadas pela Secretaria Estadual da Saúde, os jovens recolhidos na Unidade Experimental contam com os serviços de um psiquiatra – que atende apenas uma vez por semana, durante meio perÃodo -, um psicólogo, um enfermeiro e dois auxiliares de enfermagem. Não há assistente social na equipe desde janeiro de 2012. “A existência dessa estrutura mÃnima não elimina a ilegalidade da situação atual, uma vez que os jovens deveriam ser tratados em instituições de saúde adequadas, segundo os preceitos que norteiam o tratamento de suas moléstias e não em uma instituição que se encontra num ‘limbo jurÃdico'”, afirma a ação civil.
Machado argumenta que os internos da UES são egressos da Fundação Casa, que foram submetidos à aplicação de medida socioeducativa e já cumpriram a pena. “Após o término do perÃodo improrrogável de três anos de internação na Fundação Casa, ou ao completar 21 anos, com o esgotamento da competência da Justiça da Infância, deveriam ser postos em liberdade”, avaliou. “Além de estarem sendo responsabilizados duas vezes pela prática do mesmo ato, a internação compulsória na UES se dá por tempo indeterminado, como se perpétua fosse”, avalia.
Para o procurador, a UES não pode ser considerada penitenciária, nem colônia agrÃcola, industrial ou similar, nem cadeia pública, hospital de custódia e tratamento ou qualquer outra modalidade de estabelecimento penal. “Os jovens ali internados não estão cumprindo pena decorrente de processo crime”, afirmou. O local também não pode ser considerado um hospital, porque não possui projeto terapêutico para tratamento dos jovens internos e os prontuários médicos não são acessÃveis aos jovens e seus familiares.
No pedido de liminar, a ação deixa claro que, caso seja necessário, os jovens devem ser transferidos para estabelecimentos de saúde inscritos no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, como Centros de Atenção Psicossocial III (leitos em internação) e hospitais gerais. A ação responsabiliza a União Federal e o Estado de São Paulo pela extinção da unidade e pede a aplicação de multa diária de R$ 10 mil caso haja a determinação judicial e ela não seja cumprida.
O Caso Friedenbach
Liana Friedenbach e Felipe Silva Caffé foram mortos em outubro de 2003, quando Champinha tinha 16 anos. O casal havia saÃdo para acampar, sem o consentimento dos pais, em um sÃtio abandonado na Grande São Paulo. Eles foram capturados por um grupo de criminosos que os manteve em cativeiro por vários dias. As famÃlias não foram contatadas para qualquer tipo de resgate.
Felipe foi o primeiro a ser morto, com um tiro na nuca. Liana foi torturada, estuprada e morta três dias depois. Champinha foi apontado como idealizador do crime e lÃder do grupo. A intenção inicial era roubar o casal. Durante a abordagem, Liana teria tentado negociar, dizendo que seu pai tinha bastante dinheiro. O menor então decidiu raptar a adolescente e matar Felipe, mas dias depois percebeu que não poderia levar o sequestro adiante. À polÃcia, Champinha disse que assassinou Liana porque “deu vontade”.
Após cumprir a pena na Fundação Casa, Champinha passou por avaliação da Justiça, que o considerou sem condições de viver em sociedade, mandando-o à UES. Além dele, Paulo César da Silva Marques, o Pernambuco, Antônio Caetano, Antônio Matias e Agnaldo Pires foram condenados pela morte do casal.