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Junho 14, 2013

Sobre a manifestação de quinta (13) (ou Carta aberta a todos os seres humanos)

do Blog da Marcha das Mulheres

Por Thandara Santos*

Ontem, dia 13/06/2013, participei do quarto ato contra o aumento da passagem em São Paulo.
Cheguei à frente do Teatro Municipal às 18h20, o ato já começava a sair rumo à praça da República. Estávamos em um grupo de 7 pessoas nessa hora. O ato seguia pelas ruas do centro cantando e chamando as pessoas das varandas por onde passávamos para se juntarem a nós contra o aumento da passagem (pauta única e clara).

Por volta das 19hrs já estávamos em 12 pessoas e a passeata seguia tranquilamente. Alguns amigos paravam em bares próximos do largo do Arouche já pra comprar cerveja e molhar a garganta pra gritar “Vem pra rua, vem, contra o aumento!”, outros, fotografavam e filmavam, com flores amarelas nas orelhas (uma forma de nos acharmos no meio da multidão e de demarcar aos olhos de todos que estávamos ali “em paz”, como faziam os manifestantes da década de 60, com flores contra canhões).

Às 19h15 já éramos só 4 correndo assustados na rua Rego Freitas, em meio aos gritos ensurdecedores dos 10 mil que há pouco gritavam “Sem Violência! Sem Violência!” para uma tropa de choque em formação, em meio aos tiros cegos das armas menos letais, com cheiro de vinagre no rosto, os olhos lacrimejando e a respiração doendo no corpo todo.

Foto: Sebastião Moreira/Efe

Aqueles 10 mil manifestantes que gritavam um pedido desesperado de acordo sem violência foram encurralados pela Polícia Militar do Estado de São Paulo em uma via pública às 19h10 de ontem por cometerem o impronunciável crime de se manifestarem. A ordem, seja lá de qual gabinete partiu, não falava em dispersão, mas sim em violência. A ordem falava naquilo que os manifestantes imploravam aos berros que não acontecesse. Não se dispersa uma multidão com tropas vindo por suas costas. Mas os policiais que vinham por nossas costas com bombas e balas em punho contra um grupo de manifestantes desarmados não devem ser daqui, certamente não estavam entendendo o nosso grito. São seres humanos, não fariam isso.

Tentamos por mais de uma hora e meia nos reagrupar. Quem ainda conseguia respirar sem vomitar, passava por nós e gritava: Bela Cintra, Augusta ou Consolação… tentavam nos dar as coordenadas de onde o ato seguia. Andamos pelo centro, tentamos entrar por todas as ruas transversais entre a rua Consolação e a Augusta e, em todas as ruas, encontrávamos grupos de pessoas assustadas e perdidas. Dobrávamos uma esquina e escutávamos os tiros e víamos pessoas correndo em nossa direção. Melhor tentar a outra. Agora, éramos 5 meninas.

Foto: Thandara Santos

Finalmente conseguimos subir a rua Augusta. Terra arrasada. De onde estávamos já dava pra ver as luzes vermelhas das viaturas da PM e o cinza difuso de um paredão de choque em formação à frente. As pessoas andavam com olhares perdidos e assustados. Alguns moradores saíram de seus apartamentos e formavam grupos na porta de seus prédios, onde comentavam o que estava acontecendo: “Me lembrei da ditadura militar” disse um senhor de cabelos brancos quando viu um grupo de 5 meninas correndo com lenços amarrados na metade do rosto.

Na esquina da rua Augusta com a rua Antônio Carlos, um restaurante, cheio. As portas de vidro fechadas, as pessoas sentadas à mesa jantando, sorrindo, conversando. Respirando sem vomitar. Um grupo de garçons perfilados junto às portas de vidro, de costas para as mesas de jantar e atentos à rua, imóveis. De onde eu estava, do barulhento lado de fora, dava para afirmar com certeza: eram todos seres humanos. Os garçons, pagos para ver a rua e proteger os olhos de quem jantava, pareciam assustados. Parei em frente à porta de vidro e a minha vontade era só de chorar, mas não dava tempo, já haviam soltado uma nova bomba na rua Augusta e precisamos nos esconder dentro de um outro bar, que já estava baixando a porta quando conseguimos entrar.

Lá dentro, um grupo de homens engravatados dividia uma pizza e era atrapalhado pela fumaça de gás lacrimogêneo que a porta de metal não conseguia deter. As luzes acesas lá dentro, todo mundo conseguia se olhar perfeitamente nos olhos cobertos por panos com vinagre. Todos. Ninguém conseguia suportar a fumaça. Lá fora escutávamos o barulho das bombas que não calavam, lá dentro, víamos ao vivo na TV a formação da tropa de choque em frente ao prédio do MASP fazendo chover bombas na Avenida Paulista. Ninguém conseguia entender, nem eu que estava nessa hora tossindo desesperadamente tentando recobrar meu ar, nem os engravatados que, ainda que de costas para a TV, não conseguiam não molhar suas blusas com vinagre pra levar ao rosto, assim como todos os outros vândalos que escutávamos gritando lá fora. Dali dava pra ver: eram todos seres humanos dentro daquele bar.

Traçamos uma estratégia: seguir pelas ruas paralelas à Paulista para chegar até o MASP por trás e nos reagrupar. Não havia opção, todas as ruas ao redor estavam fechadas por uma tropa da PM munida, as estações de metrô também estavam fechadas. Ou tentávamos encontrar o ato, ou achávamos um local que nos parecesse seguro e esperávamos tudo aquilo acabar. Sentar em um local limpo e seguro, escutando o grito ensurdecedor das pessoas e das bombas que não paravam um só segundo? Não suportaríamos. Seguimos.

Chegamos à Alameda Ministro Rocha Azevedo, já bem perto do MASP. Um efetivo de cerca de 20 policiais da tropa de choque perfilados na esquina da Alameda com a Avenida Paulista. Olhamos para trás e a rua estava vazia. Éramos um grupo de 5 meninas e mais cerca de 25 pessoas somente que estavam escondidas nos cantos da Alameda, com medo de avançar, por conta de visão que tínhamos da tropa formada.

Eu nunca tive medo da polícia. De nenhuma polícia. Quando passo por uma ronda policial, não tenho medo de tomar um tiro no rosto que depois será classificado como “resistência” ou “em confronto”; quando vejo uma viatura da polícia com sirene ligada não temo que eles estejam indo em direção à minha casa, não temo que possam invadi-la e quebrar tudo que eu tenho; quando vejo um helicóptero da polícia passar, não temo que ele esteja indo em direção ao meu bairro, para atirar a esmo em quem estiver passando pela rua. Eu não sou pobre, não sou negra, não moro em uma favela e consigo acessar a Justiça. O acesso a direitos no Brasil é mediado por nossa classe social e cor. Direitos humanos são para humanos direitos (que possam, direitamente, pagar por eles). Eu faço parte de uma classe média universitária que, diferente da gigantesca maioria da população dessa cidade, pode não ter medo de ser presa arbitrariamente, de ter seus direitos tomados à força sem voz para reclamá-los, de ser agredida injustamente por uma corporação pública. Ontem, eu tive medo. Na terça-feira, quando um amigo que andava sozinho foi espancado por 8 policiais e preso por formação de quadrilha, eu tive medo. Ontem, quando eu vi repórteres tomarem tiro no rosto de uma viatura que passava devagar, eu tive medo. Na quarta-feira, quando um jovem diabético preso no último ato foi impedido de ter acesso ao seu medicamento, eu tive medo. Ontem, quando eu vi a polícia atirar contra um grupo de manifestantes desarmados deitados no chão gritando “Sem violência!”, eu tive medo.

Todos nós, naquela Alameda, tínhamos medo. Era aterrorizante perceber isso. Era como se a pele de todos aqueles que sofrem essa violência todos os dias estivesse também em nós. Meu estômago embrulhou nessa hora. Eu quis vomitar, por saber que eu não passo por isso todos os dias. Não dava tempo.

Saímos andando com as mãos erguidas na cabeça em direção à tropa. Conseguimos chegar à Paulista, porque no meio do caminho a tropa se deslocou para ver algo mais interessante que aquele pequeno grupo que tentava chegar à avenida: um desfile de viaturas da PM, ônibus do choque e motos da Rocam, que passava lentamente pela avenida, rindo de todo mundo que se escondia nas alamedas e nas entradas dos prédios.

Já no MASP, ficamos encurraladas entre os gritos que vinham de uma ponta da Avenida e as explosões que vinham de outra. Uma menina passou por nós e disse que algumas estações do metrô já estavam abertas. Um amigo que estava com a gente no começo da manifestação e que havia se perdido em meio à correria estava indo nos encontrar e, então, sentamos no MASP para esperar. Aquela mesma tropa pela qual havíamos passado à pouco na Alameda, começou a arremessar bombas na direção do MASP. Não dava tempo de esperar, corremos.

Andando por um trecho da via que estava liberado para carros, conseguimos chegar à estação Consolação do metrô. Fechada. Dois seguranças do metrô do lado de dentro da vidraça segurando a porta de metal fechada. Sentamos na calçada para esperar a estação abrir e ficamos observando os pequenos grupos que passavam de um lado pro outro, tentando ir embora, tentando se proteger, tentando achar um grupo maior, tentando. Eram 21h40 e, a essa hora, já passavam carros cruzando a Paulista sentido Augusta, as pessoas que estavam presas nos escritórios desde às 18hrs já desciam para tentar ir embora. Nessa hora, não eram só manifestantes assustados, machucados e perdidos na avenida, mas sim toda a população que circula por lá e que teve seu dia interrompido. O metrô abriu e a fila para entrar na estação já era gigante em poucos minutos. Preferimos esperar um pouco.

Na via sentido Paraíso, por onde já passavam alguns poucos carros e taxis, vem vindo um ônibus da tropa de choque. Sentadas na calçada ao lado da estação, assim como todas as outras pessoas que estavam na avenida, observamos o ônibus passar. Sem que se precisasse mobilizar ninguém, sem que se precisasse informar ninguém sobre a pauta que estava sendo ali debatida, sem que se precisasse mostrar a ninguém um vídeo ou uma reportagem sobre como o ato havia sido reprimido algumas horas antes, todas as pessoas que estavam naquela região, espontaneamente, começaram a vaiar o carro do choque que passava. Vaiar. As pessoas nas calçadas, o choque na avenida e as vaias crescendo. Ninguém jogou pedra, ninguém agrediu, ninguém atirou. Vaiaram, somente. Todos. O ônibus parou, não aceitou a vaia, quis encerrá-la, quis recobrar sua dignidade para desfilar na Av. Paulista tomada de sangue e destruição causada por eles próprios. Nós tínhamos medo, levantamos.

Bombas em todas as direções de onde vinham as vaias. Uma delas, a estação do metrô Consolação, que havia acabado de abrir. Corremos, todo mundo correu. Poucos conseguiram entrar na estação depois disso, os seguranças que estavam na porta fecharam pouco depois que o gás entrou. Nós entramos. A estação foi tomada por gás lacrimogêneo. Nós, que tínhamos panos encharcados de vinagre, não conseguíamos respirar sem chorar. As pessoas que só estavam tentando voltar pra casa, não conseguiam. Uma mulher desmaiou. Os seguranças do metrô, nos vendo abaixados no chão, tentando lutar contra o ar, protegendo os olhos, não nos deixavam pular a catraca e exigiam que comprássemos passagem para sair dali. O valor: R$3,20. Eu, desmaiando, não tinha como pegar minha carteira. Uma pessoa pulou a catraca, desesperada, e desceu as escadas correndo. O segurança do metrô gritou, exigindo a passagem. Mesmo com os olhos cheios de lágrimas, dava pra ver e dizer com certeza: todos naquela estação eram seres humanos e seus corpos reagiam da mesma forma ao gás.

Foto: Thandara Santos

Uma mulher, segurança do metrô, não aguentou ver aquilo, começou a gritar para que pulássemos a catraca e saíssemos dali. Nós pulamos e os olhos dela também tinham lágrimas.

Voltei pra minha casa, onde eu estava segura novamente. E eu só conseguia chorar. De raiva, de medo, de preocupação por todos que ainda estavam lá, de impotência, de ódio, de descrença. Só conseguia pensar que aquilo tudo não podia estar acontecendo. Não fazia sentido. Tenho 24 anos e nasci numa democracia, que fora conquistada com o sangue de tantos outros antes de mim. Eu nasci com liberdade pra me manifestar, pra andar na rua sem medo de ser presa por ser contra o governo, com democracia para votar.

Eu nasci numa democracia que ontem cercou um grupo de manifestantes desarmados e atirou contra eles.

José Martí disse que todo verdadeiro ser humano deve sentir no rosto o tapa dado na cara de qualquer ser humano. Ontem, não dava pra suportar a dor.

*Thandara Santos é cientista social e militante da Marcha Mundial das Mulheres em São Paulo.

links para vídeos que mostram a atuação da PM no dia 13/06/2013:
http://vimeo.com/68349528
http://www.youtube.com/watch?v=kxPNQDFcR0U
http://www.youtube.com/watch?v=jrnytBxl49E

Relato da Jornalista Giuliana Vallone, que foi atingida no rosto por um tiro.

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