O número de homicÃdios cometidos por PMs de folga tem batido recorde em 2013 em relação aos últimos dez anos no Estado de São Paulo.
Levantamento da Folha com base em dados da corregedoria da corporação mostra que os profissionais que estavam fora do horário de expediente foram responsáveis de janeiro a julho por 129 homicÃdios dolosos (intencionais, desde um crime passional até a reação a um roubo).
É um crescimento de 52% em relação ao mesmo perÃodo do ano passado (85) ou de 55% em relação a 2003 (83).
De dez anos para cá, só em 2011 tinha havido mais de cem mortos por PMs sem farda nos sete primeiros meses do ano (na época, 109 casos).
O aumento da letalidade fora do horário de expediente ocorre ao mesmo tempo em que há redução das mortes provocadas por PMs em confrontos, no serviço, como adiantou a Folha em junho.
O número caiu 41% nos primeiros sete meses deste ano em relação ao mesmo perÃodo de 2012 (de 290 para 172).
Especialistas em segurança apontam duas explicações para esse fenômeno:
1) Os PMs ainda convivem com a tensão de serem atacados após a morte de 106 deles na crise de violência de 2012; por isso, estariam mais propensos a reagir na folga;
2) Ao mesmo tempo, houve medidas da Secretaria da Segurança Pública para conter os confrontos de PMs em serviço, como novos procedimentos em perseguições (como evitar entrar sozinhos em imóveis invadidos por ladrões) e a restrição ao socorro de crimes graves nas ruas.
“Quando você vê um monte de colegas seus sendo mortos, não pensa duas vezes antes de reagir a um assalto”, diz Samira Bueno, secretária-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Para ela, porém, os policiais deveriam ser mais bem preparados para evitar que outras mortes ocorressem.
Por outro lado, a quantidade de PMs vÃtimas de homicÃdios tem caÃdo em 2013.
De janeiro a julho do ano passado, 42 policiais morreram na folga e nove em confrontos. No mesmo perÃodo deste ano, foram 28 mortos na folga e nove em serviço.
COLETES
O comandante da PM, coronel Benedito Meira, diz que a elevação das mortes por PMs de folga ocorre principalmente porque os criminosos estão “mais ousados”.
“Essas mortes acontecem em um contexto de aumento de crimes contra o patrimônio. Os policiais são parte da sociedade e, se ela é vÃtima desses criminosos, nós também somos”, afirmou.
A diferença, no entanto, é que o policial costuma estar armado mesmo na folga e é treinado para reagir.
Segundo Meira, nesse cenário, a orientação dada nos quartéis é para que, mesmo na folga, os PMs usem coletes a prova de balas e, quando se deparar com um crime, aja. “O PM tem o dever de agir, mesmo na folga”, disse.
GUARACY MINGARDI
ESPECIAL PARA A FOLHA
Policiais de folga em tiroteios não são novidade. Um dos motivos é que a maioria atua como segurança privada no horário em que deveria descansar. Outro são os baixos salários, que os obrigam a morar em locais inseguros.
E qualquer PM que seja reconhecido como tal pelos vizinhos corre o risco de virar o xerife do bairro, o que é ruim para ele e a corporação.
A participação de policiais em mortes e tiroteios é coisa do dia a dia no paÃs. O número de pessoas mortas por policiais em serviço, só em São Paulo, é bem maior do que a totalidade de ocorrências do mesmo tipo em todo os EUA.
É difÃcil dizer que a culpa é só da cultura brasileira, que seria muito violenta. Afinal, há muitos paÃses violentos, a começar pelos EUA, mas na maioria a polÃcia mata menos.
Provavelmente, a maior parte da culpa tem a ver com o regime militar de 1964 a 1985, quando houve intensa militarização da polÃcia, não só no nome, mas no espÃrito.
Foi quando se criou a geração dos “tenentes bandideiros” em São Paulo. A maioria ingressou no final dos anos 1960 e inÃcio dos 1970 e lhe foi passada pelos generais uma filosofia simples: vagabundo bom é vagabundo morto!
E transformar essa mentalidade demora pelo menos uma geração. Enquanto isso, os policiais matam e morrem além do necessário.
GUARACY MINGARDI é analista criminal e ex-diretor da Secretaria Nacional de Segurança Pública