Da Carta Capital
O provável novo presidente promete “fazer o que for preciso” contra o crime e o tráfico de drogas, mas seus crÃticos temem até onde ele pode ir.
por José Antonio Lima
Os resultados da eleição presidencial em Honduras, realizada no domingo 24, ainda não são oficiais, mas tudo indica que o conservador Juan Orlando Hernández será o próximo presidente do paÃs. Hernández fez uma campanha centrada no combate ao crime, cujos altos Ãndices tornaram Honduras o paÃs mais violento do mundo segundo a ONU, mas as estratégias do polÃtico para colocar em prática suas promessas preocupam – a eleição de Hernández pode consolidar em Honduras um Estado policial que vem sendo gestado desde 2009, quando o então presidente Manuel Zelaya foi deposto por um golpe cÃvico-militar.
Na imprensa brasileira, o golpe de 2009 foi apresentado como reação a uma suposta tentativa de Zelaya de se perpetuar no poder. As evidências disso eram fracas, mas este aspecto foi cada vez mais deixado de lado à medida que descobria-se, no Brasil, que Zelaya, então do Partido Liberal, de direita, era alinhado ao venezuelano Hugo Chávez. Diante dos indÃcios de “bolivarianismoâ€, alguns veÃculos brasileiros foram, aos poucos, deixando de usar o termo golpe. Outros proibiram de uma vez que seus jornalistas o fizessem. Hoje está claro que, como afirmou Dana Frank, professora de história da Universidade da Califórnia, em recente artigo na Foreign Affairs, o golpe não restaurou o Estado de Direito em Honduras, mas o derrubou e “marcou o inÃcio de um desastre de direitos humanosâ€.
Em documentos de instituições como a Anistia Internacional e a Human Rights Watch sobram relatos de abusos cometidos contra opositores do novo regime e minorias. Camponeses, lÃderes indÃgenas e afrodescendentes se tornaram alvo de ameaças e matadores de aluguel. Em diversos casos de morte, os suspeitos são grandes proprietários de terras, muitos dos quais contribuÃram com o golpe. Ativistas LGBT, advogados, juÃzes e a imprensa também sofrem. Entre 2010 e 2012, 22 jornalistas foram executados.
A violência polÃtica cresceu apesar de Honduras, em tese (e de acordo com o governo dos Estados Unidos, que apoiou o golpe), ter entrado em um caminho democrático. Ainda em 2009, em eleições boicotadas pela oposição, Porfirio Lobo Sosa assumiu a presidência. Seu governo pouco fez para acabar com a impunidade dos assassinatos polÃticos e também não conseguiu agir contra a corrupção policial, escancarada pela transformação de Honduras em ponto de passagem obrigatório do tráfico de drogas. Segundo o Departamento de Estado dos EUA, 87% dos voos com cocaÃna que saem da América do Sul passam por Honduras. A região preferida dos traficantes é a Costa dos Mosquitos, no Atlântico, remotamente povoada e onde praticamente não há presença do Estado. Em algumas de suas missões, a polÃcia local é acompanhada pelo DEA, o departamento antidrogas dos EUA. Em maio de 2012, uma ação conjunta das duas polÃcias na Costa dos Mosquitos deixou quatro civis mortos, sendo duas grávidas. Ninguém foi punido.
Além de não combater os crimes, a polÃcia hondurenha é acusada de ser conivente com vários deles e ter alianças com gangues como a Mara Salvatrucha e 18th Street. Esses grupos, parceiros de cartéis mexicanos de drogas, agem em cidades como Tegucigalpa, a capital, e San Pedro Sula, a mais violenta do paÃs, realizando sequestros e extorsões, entre outros crimes.
Integrante do establishment que assumiu o paÃs após a queda de Zelaya, Orlando Hernández, apoiador do golpe de 2009 e atual presidente do Congresso, baseou sua campanha no combate ao crime. Prometeu “fazer o que for preciso para recuperar a paz e a tranquilidade†e colocar “um soldado em cada esquinaâ€. Hernández ainda apresentou um projeto para criar uma PolÃcia Militar em Honduras e quer mudar a Constituição do paÃs para autorizar o Exército a realizar buscas nas casas de suspeitos e investigar crimes. Entre os nove candidatos a presidente, o conservador foi o único a não assinar um documento público que pedia a criação de uma força policial profissional, civil e não militar, que respeite direitos humanos e transparência. Para seus rivais na eleição, entre eles Xiomara Castro, mulher de Zelaya e apoiada por Luiz Inácio Lula da Silva, essas são medidas que abrem espaço para novas violações do Estado de direito em Honduras.
Piora o temor dos crÃticos o fato de Orlando Hernández ter mostrado disposição para ir longe ao cumprir suas promessas. Em dezembro passado, liderou um “golpe técnico†que afastou, ao mesmo tempo, quatro juÃzes da Suprema Corte que avaliavam como inconstitucional o expurgo realizado por Porfirio Lobo na polÃcia hondurenha. Ao contrário do que pensavam muitos, o golpe de 2009 não serviu para instaurar a democracia em Honduras, mas pode ter ajudado a torná-la inviável.