By Kim Gosmer, como contado a Morten Vammen
Foto por Giorgi Nieberidze.
A cocaÃna é uma droga dos infernos e fácil de encontrar em qualquer lugar. Naturalmente, os distribuidores da droga estão sempre pesquisando alternativas para aumentar a margem de lucro, o que significa que eles estão misturando a “caspa do capeta†com todo tipo de aditivo desagradável. Perguntamos a Kim Gosmer, um quÃmico especializado no estudo de narcóticos, que tipo de coisas prejudiciais podemos encontrar nos papelotes de hoje em dia.
Eu me especializei em pesquisa da cocaÃna quando estive na Seção de Toxicologia e Análise de Drogas do Departamento de Medicina Forense da Universidade Aarhus, Dinamarca. Trabalhei tanto com cocaÃna vinda de amostras das ruas quanto com tijolos vindos direto da fonte. Esses últimos, eram os mais interessantes, já que costumam revelar a “ciência†usada para aumentar o efeito da cocaÃna, que consiste em adicionar adulterantes. A maioria das pessoas sabe que a cocaÃna é, com frequência, diluÃda com filtros como açúcares e creatina, e que essas diluições são mascaradas com cafeÃna, lidocaÃna ou benzocaÃna para imitar as propriedades estimulantes e anestésicas locais da cocaÃna. Mas pouca gente sabe que muitas outras tramoias entram no papelote.
O levamisol é um medicamento anti-hemÃntica usada para matar vermes parasitas. A droga já foi usada para desparasitação tanto de humanos como de animais, mas desde que se descobriu que ela causa agranulocitose (um esgotamento severo de células brancas, que deixa o corpo suscetÃvel a infecção), ela só é usada para tratar de gado infestado. Além de ser um conhecido desparasitante para vacas, a substância se tornou um adulterante popular da cocaÃna. [Nota do editor: o Hamilton Morris escreveu sobre isso anos atrás.]
Em todo o mundo, quÃmicos forenses relatam a descoberta de cocaÃna misturada com levamisol com uma frequência cada vez maior em todos os nÃveis de distribuição, das ruas até grandes carregamentos de várias toneladas. Isso significa que o adulterante é adicionado ainda na América do Sul, antes de a cocaÃna ser exportada. Então, a pergunta é: por que diluir cocaÃna de alta pureza, que custa quase nada para produzir (comparado aos preços nas ruas), com um composto que é mais caro que outros adulterantes e diluentes? A quantidade de levamisol encontrado na cocaÃna não é tão grande, então, não é para acrescentar peso, sem falar que não se trata de um estimulante ou anestésico local. Mas sabe-se que um dos metabólitos do levamisol é um composto chamado aminorex, que tem propriedades estimulantes similares aos da anfetamina.
Outra possibilidade pode ser porque o levamisol aumenta a quantidade de dopamina liberada, elevando assim os nÃveis de glutamato no cérebro. Como a cocaÃna proporciona o efeito eufórico bloqueando a proteÃna que transporta a dopamina – o que aumenta a quantidade disponÃvel de dopamina para interagir com os receptores do cérebro – o levamisol pode aumentar o efeito da cocaÃna por meio da liberação de mais dopamina. Algumas pessoas sugerem que o levamisol pode passar nos testes de pureza de cocaÃna, mas, francamente, que produtor de cocaÃna liga para isso? Eles muito provavelmente já foram pagos quando a droga chega ao mercado.Para mim, o aminorex a as teorias de liberação de dopamina são, de longe, as explicações mais prováveis, simplesmente porque não ouvi nenhuma outra teoria plausÃvel. Em essência, o levamisol aumenta o efeito da cocaÃna. Em 2005, o levamisol era encontrado em cerca de 2% da cocaÃna apreendida pelo DEA. Em 2007, a frequência subiu para 15%, e, em 2011, já estava em chocantes 73% de toda cocaÃna apreendida pelo DEA. A mesma tendência é vista na Europa e em amostras que analisei pessoalmente. De 2008 a 2009, a frequência estava em 66% e, de 2011 para 2012, já estava em 90% da cocaÃna dinamarquesa. O usuário comum não tem que se preocupar tanto com os efeitos colaterais do levamisol, já que a exposição não é diária. Mas o consumidor habitual, com certeza, deve levar isso em consideração.
Kim Gosmer.
A agranulocitose pode ser descrita como a forma quÃmica da AIDS, na qual o sistema imunológico fica tão inibido que mesmo pequenas infecções e arranhões podem acabar evoluindo para doenças que levam à morte. Como você contrai uma doença de uma infecção secundária, é impossÃvel fazer uma lista de sintomas, portanto, a agranulocitose é muito difÃcil de diagnosticar – a menos que o médico saiba o que está procurando. Também é difÃcil calcular o número de mortes por cocaÃna misturada ao levamisol. Sabe-se, porém, que ocorrem muitas mortes e também há diversos casos em que a agranulocitose é descoberta a tempo.
Tratando-se da cadeia de produção, isso começa no nÃvel mais básico (ou nÃvel um), com o fazendeiro, que em geral é responsável pela extração inicial das folhas de coca, usando uma mistura de gasolina e cimento para fazer a pasta de cocaÃna crua. A pasta é mais fácil de transportar do que grandes quantidades de folha, mas tem uma validade curta, então, o fazendeiro vende a pasta para um “coletor†do segundo nÃvel. Esse cara pode ser um traficante atacadista que opera por conta própria, ou um coletor empregado por um laboratório da floresta (nÃvel três). A pasta de cocaÃna é então purificada tanto pelo nÃvel dois como pelo nÃvel três, visando melhorar a estabilidade da cocaÃna. O método mais comum para isso é a oxidação das impurezas da pasta com permanganato de potássio, um oxidante muito forte de cor roxa.
Numa tentativa de impedir essa parte da produção de cocaÃna, o DEA começou a Operação Roxa em 2000, com o propósito de monitorar o envio e distribuição mundiais de permanganato de potássio, tentando deter a produção de cocaÃna. Até certo nÃvel, a operação tem sido um sucesso. Mas, inevitavelmente, a indústria multibilionária da cocaÃna pensou numa maneira de substituir o permanganato de potássio, e – surpresa – ainda temos muita cocaÃna no mercado.
No terceiro nÃvel, ácido clorÃdrico é adicionado à base da cocaÃna para converter a mistura ao sal correspondente, que então é precipitado no que conhecemos como cocaÃna cristalina, de alto grau de pureza. Daqui, os exportadores e importadores entram no nÃvel quatro. Quem tem a sorte de conhecer um importador pode conseguir um produto do bom – a não ser que o produto venha por meio da Ãfrica. Essa é uma rota de contrabando comum, já que é mais fácil traficar cocaÃna para a Europa pela Ãfrica do que diretamente da América do Sul. Mas também é um lugar onde é provável que aconteçam diluições adicionais ao produto. O mesmo vale para o Leste Europeu. As oportunidades para interferir na pureza e conteúdo da cocaÃna são quase ilimitadas e dependem somente da criatividade dos contrabandistas.
Mas uma coisa é certa: como é possÃvel fazer muito dinheiro com o tráfico da droga, cada nÃvel da cadeia de fornecimento acrescenta algum tipo de pó branco à cocaÃna para maximizar os lucros. Isso em geral sai do controle quando a cocaÃna chega ao paÃs de destino e é dividida em pequenas porções. Todo mundo quer um pedaço do bolo, desde a organização responsável pela importação “primáriaâ€, até os distribuidores que repassam isso para os pequenos traficantes. A pureza média da cocaÃna na Inglaterra não é maior do que 20 ou 30%. Dada a variedade quÃmica dos diluentes e adulterantes disponÃveis, é muito difÃcil para um usuário acessar a qualidade de um papelote vendido na rua. Claro, se você é – ou conhece – um estudante de quÃmica, é possÃvel fazer um teste de purificação, mas a essa altura você já torrou sua grana num produto inferior, e seria necessário pelo menos dez gramas do produto para que o teste valha a pena.
O teste de rua mais confiável, em minha opinião, é o cheiro da cocaÃna: ela tem um aroma muito distinto, que nenhum dos aditivos possui. Infelizmente, isso exige que você tenha sentido o cheiro de muita cocaÃna de uma certa pureza como referência, e poucas pessoas já tiveram essa oportunidade. Pessoalmente, acho que eu conseguiria estimar a pureza da cocaÃna pelo aroma, aparência e gosto de alguns miligramas, mas já lidei com muitos lotes diferentes de pureza conhecida. A cocaÃna que se descama, em geral, é um sinal de alta pureza, mas também não é garantia, já que depende do método de cristalização usado durante a produção e requer que a cocaÃna não tenha sido prensada. Pedras de cocaÃna, por outro lado, não são um bom indicador. Os traficantes não hesitam em usar laquê para solidificar a cocaÃna em pó novamente num tijolo depois de temperar a pureza, então, lembre disso da próxima vez que considerar dar uns tiros.