RIO – O secretário de Segurança do estado, José Mariano Beltrame, anunciou, na tarde desta segunda-feira, que a ocupação do Complexo da Maré, na Zona Norte da cidade, será feita por homens do Exército. A PolÃcia Federal vai ajudar com o serviço de inteligência e a PolÃcia Rodoviária Federal vai auxiliar no cerco aos acessos, nos mesmos moldes da ocupação do Complexo do Alemão, em novembro de 2010. Segundo Beltrame, a ocupação servirá de preparação para que o processo de pacificação seja implantado na região. O secretrário disse que 1.500 homens devem atuar na Unidade de PolÃcia Pacificadora da Maré.
Nós não estamos pensando na Copa do Mundo, estamos pensando no cidadão brasileiro. Estamos pensando nos policiais que estão morrendo covardemente em razão do tráfico estar perdendo força. A prova de que nossa polÃtica está certa é essa. Eles estão, de maneira covarde, procurando fazer com que esse programa não siga em frente. Vamos mostrar a eles que o estado tem mais força.
Mais cedo, o governador Sérgio Cabral já havia informado que tropas federais iriam atuar no Complexo da Maré. O efetivo que vai ocupar as comunidades ainda não foi definido, mas a ocupação será por prazo indeterminado. A decisão foi tomada após uma reunião entre Cabral e autoridades federais para definir uso das tropas nas favelas do Rio.
– Pedimos ao governo federal a GLO (Garantia de Lei e Ordem) para o Complexo da Maré, uma área estratégica do ponto de vista de segurança. Em breve, teremos o BRT Transcarioca, é próximo do Galeão. É uma área sensÃvel – disse o governador.
Cabral afirmou ainda que os detalhes técnicos ainda estão sendo decididos:
– O efetivo e os detalhes técnicos ainda estão sendo definidos pelos especialistas em segurança do governo estadual e federal. Esse é um passo decisivo na polÃtica de avanço da segurança pública no Rio.
Sem prazo para sair
Segundo o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, não há prazo definido para a permanência dos homens da PolÃcia Rodoviária Federal, da Força Nacional e das Forças Armadas na cidade:
– Eles vão permanecer o tempo necessário. O que eu posso dizer é que essa é uma ação definitiva. A ideia é o atendimento da necessidade – disse o ministro, que falou também sobre os planos de segurança da Copa: – O legado da Copa será de colaboração entre os entes federativos. Juntos, nós somos mais fortes. Diferenças polÃticas ficam de lado quando há necessidade da população. O interesse público é maior.
A reunião aconteceu no Centro Integrado de Comando e Controle (CICC), na Cidade Nova, e durou cerca de duas horas. Além de Cabral, Cardozo e Beltrame, participaram do encontro o chefe do Estado-Maior, general José Carlos de Nardi; o chefe de PolÃcia Civil, Fernando Veloso; o chefe do Estado Maior Operacional da PM, Paulo Henrique Moraes; além do comandante das UPPS, coronel Frederico Caldas e outras autoridades nacionais. Na reunião, foi apresentado um plano de uso das tropas federais nas comunidades do Complexo da Maré.
Desde a noite de sexta-feira, seis favelas dominadas pela mesma facção que teria orquestrado os recentes ataques estão ocupadas pelas forças de segurança. A ocupação será mantida por tempo indeterminado. Policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) estão no Parque União e a Nova Holanda, no Complexo do Maré. Outros batalhões da PM tomaram os morros do Chapadão, em Costa Barros; do Juramento e Juramentinho, em Vicente de Carvalho; e a favela Para-Pedro, em Colégio. A ocupação, segundo a PM, é uma forma de preparar as comunidades para a chegada dos homens das tropas federais.
Segundo o relatório, “o grupo baseado na região possui um elevado nÃvel de organização e controle de suas atividades, talvez pelo fato de contar com vários ex-militares em suas fileiras”. Um dos chefes é Marcelo Santos das Dores, o Menor P, conhecido, observam os técnicos responsáveis pelo estudo, “por utilizar táticas militares em suas ações e na imposição de disciplina a seus subordinados, conhecimentos adquiridos no perÃodo em que fora paraquedista do Exército”.
Menor P controlaria as comunidades Vila do João, Vila dos Pinheiros, Salsa e Merengue, Conjunto Esperança, Morro do Timbau, Baixa do Sapateiro e parte da Nova Holanda. Segundo o documento, os membros da quadrilha “receberam treinamento fÃsico e de combate, além de usar roupas pretas durante suas açõesâ€. Já as favelas Parque União e Nova Holanda são dominadas por outra facção criminosa do Rio, a mesma dos complexos da Penha e do Alemão, este último responsável pelos ataques a bases de Unidades de PolÃcia Pacificadora (UPPs). Há ainda presença da milÃcia na favela Roquete Pinto e na Praia de Ramos.
Ocupação iniciada nos anos 1940
Região de cerca de 426 hectares à s margens da BaÃa de Guanabara, a Maré começou a ser povoada na década de 1940. Aos poucos, o manguezal e as áreas alagadiças começaram a dar lugar a barracos e palafitas. O nome remete a marés que diariamente traziam lama e sujeira e infernizavam os moradores do local. Com o tempo, o lugar foi sendo progressivamente aterrado.
Situada entre a Avenida Brasil e a Linha Vermelha, a Maré está hoje em meio a um dos principais corredores de entrada no Rio, por onde passam os turistas que desembarcam no Aeroporto Internacional Tom Jobim. A Maré ganhou status de bairro em janeiro de 1994. Segundo o Instituto Pereira Passos (IPP), possui 129.770 moradores distribuÃdos por 41.759 domicÃlios. Desse total, a maioria, cerca de 122 mil pessoas, mora em áreas classificadas como favelas. São, de acordo com a prefeitura, 15 comunidades e sete conjuntos habitacionais.
Esse cálculo da prefeitura não inclui o Conjunto MarcÃlio Dias, espaço mais conhecido pelo nome de uma das favelas que integram o Complexo da Maré: a Kelson’s. Entre a antiga Praia das Moreninhas, entre a Casa do Marinheiro e a Fábrica Kelson’s, na Penha, o conjunto começou a ser ocupado em 1948 por famÃlias de pescadores. A Maré é a única favela que tem em seus domÃnios seu próprio batalhão de PolÃcia Militar.
E no caso das UPPs?
No caso especial das UPPs, no qual não se está lidando com territórios estrangeiros, em paÃs inimigo, mas com cidadãos brasileiros não beligerantes, o passo seguinte das Forças Armadas é de atuação propriamente policial. As formas de controle social a serem então exercitadas são inversas, ou seja: trata-se de aplicar de maneira uniforme regras que preservem os direitos de todos os cidadãos de um mesmo espaço público, administrando os conflitos comuns à vida em sociedade, de acordo com padrões locais. Apenas eventualmente, pode-se atuar de forma repressiva com aqueles que se tornam, de uma maneira ou outra, suspeitos de atividades ilÃcitas ou fora dos padrões de comportamento aceitos localmente.
É natural o tráfico buscar seu espaço de volta?
Claro. Mas o que se deve considerar não é a existência ou não, do tráfico, o que é inevitável. O que interessa é se houve mudança nas formas de negociação entre os traficantes e a polÃcia, saindo-se de uma estratégia de repressão violenta e extorsão socialmente legitimadas frente aos demais segmentos da população e da mÃdia, mas que atinge de forma brutal e injusta a população local, para uma em que as negociações inevitáveis entre o tráfico e a polÃcia se desenvolvessem em um padrão não violento de contenção e delimitação de espaços de atuação; como ocorre, por exemplo, com o padrão empregado com os jogos ilÃcitos, que não costuma atingir em seus conflitos vÃtimas inocentes.
Falta inteligência às forças de segurança?
Não necessariamente. O que falta é ênfase adequada à investigação competente e redirecionamento da repressão violenta somente para os casos em que justificadamente se fizer necessária. Mas para isso essas operações de repressão violenta teriam que deixar de ser naturalizadas e descentralizadas, para serem centralizadas e articuladas, necessariamente, com as operações de inteligência, o que hoje não ocorre.
Melhorar o desempenho e equipar a PolÃcia Federal seria uma opção?
Certamente. Mas, em primeiro lugar, a PolÃcia Federal se encontra em crise explÃcita entre seus agentes e delegados; e, em segundo lugar, essas operações teriam que ter seu planejamento e execução compartilhados, o que é extremamente difÃcil em corporações que assentam seu poder e eficiência na posse de informações privilegiadas, apropriadas particularizadamente.
O modelo de combate ao tráfico passa por mudanças nas leis, como o controle do consumo de drogas ilÃcitas?
A tendência que hoje se anuncia globalmente é a de controlar oficialmente o consumo e a venda de drogas, hoje ilÃcitas. Entretanto, no Brasil tem prevalecido um discurso perverso que associa o consumo e venda de drogas à violência e à criminalidade, o que não é, decididamente, comprovável empiricamente. O consumo e a venda de drogas lÃcitas se fazem sem violência em todos os locais onde se estabeleceu. É a ilicitude e a repressão que criam a violência e a criminalidade; e sua aceitação e naturalização corrompem, inclusive, as forças policiais envolvidas.
‘Vão permanecer o tempo necessário’
De acordo com Cabral, o efetivo a ser empregado nas comunidades ainda não foi definido, mas a ocupação será por prazo indeterminado.
— Solicitamos a GLO para o Complexo da Maré. A decisão está tomada. É um avanço na segurança pública, uma garantia no ir e vir, pois é uma área localizada entre as linhas Amarela e Vermelha, a Avenida Brasil e as futuras instalações da Transcarioca. A diferença para o que aconteceu no Complexo do Alemão é que essas comunidades não faziam parte das ações de pacificação em 2011. Agora é diferente, o Complexo da Maré está nas ações de pacificação para o segundo semestre deste ano: primeiro com as Forças Federais, depois com a PolÃcia Pacificadora — disse o governador.
Segundo o ministro Cardozo, não há prazo definido para a permanência das tropas no Rio. Ele acrescentou que serão utilizados homens da PolÃcia Rodoviária Federal, da Força Nacional e das Forças Armadas.
— Eles vão permanecer o tempo necessário. O que eu posso dizer é que essa é uma ação definitiva — disse Cardozo. — O legado da Copa será de colaboração entre os entes federativos. Juntos, somos mais fortes. Diferenças polÃticas ficam de lado quando há necessidade da população.
Ele ressaltou que as Forças Armadas só podem exercer atividades de segurança pública, segundo a Constituição, em dois momentos: em região de fronteira e quando for necessária a GLO. Neste caso, é preciso haver solicitação do governo do estado e autorização da Presidência.
— A primeira etapa é a ocupação do espaço territorial, para criar o terreno para a pacificação. A presença do Estado no Complexo da Maré veio para não mais terminar — disse Cardozo, assegurando que a ação não vai atrapalhar o planejamento de segurança para a Copa. — Nós temos um plano para a Copa do Mundo muito bem desenvolvido. Podem ter certeza de que o Brasil está muito bem capacitado para receber os turistas.