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Por Victor Santos
No dia 26 de abril, à s 14h, começou a concentração da “Marcha da Maconha†no vão livre do Masp. Após três semanas de debates, sessões de filmes, rodas de conversa, festas, entre outros eventos a respeito do assunto, a manifestação desceu a avenida Paulista, à s 16h20, seguindo pela rua Augusta e pelo final da rua da Consolação até chegar à Praça Roosevelt. Apesar da PM afirmar que a Marcha contava com 3 mil manifestantes, na caminhada era bem difÃcil enxergar o inÃcio, o fim e o meio da passeata. Os organizadores afirmam que 15 mil pessoas estavam presentes.
Na rua, diversos movimentos, alguns partidos com a sua juventude e polÃticos ligados a causa, muitos canais de mÃdia e uma grande maioria de militantes independentes marchavam sem a interferência da polÃcia. Pela primeira vez na história dos protestos que levantam o tema, em São Paulo, ninguém foi detido.
O movimento antiproibicionista começou a se articular com mais veemência no final da Ditadura Militar, no Brasil. No inÃcio da década de 1980 já aconteciam alguns debates e jornais menores também traziam a discussão. Entre os acontecimentos mais marcantes está a retomada da UMES (União Municipal dos Estudantes Secudaristas) e da UPES (União Paulista dos Estudantes Secundaristas). Henrique Carneiro, professor de História da USP, foi presidente das primeiras gestões desses movimentos no final do perÃodo ditatorial e comenta: “Um dos temas que a gente começou a discutir, como uma caracterÃstica central da opressão da juventude, era a interferência policial numa série de hábitos da vida cotidiana, entre os quais o uso de maconha particularmenteâ€.
No dia 15 de maio de 1986 foi organizado um debate na Faculdade de Direito, sobre a descriminalização da maconha, com a presença do diretor do Teatro Oficina José Celso Martinez, os advogados Carlos Alberto Toron e Pauli Erix, Henrique Carneiro, outro candidato do Partido dos Trabalhadores (PT) na época, João Batista Breda, e o presidente do Centro Acadêmico 11 de Agosto, Paulo Gonçalves da Costa Junior. Segundo Henrique, desse debate nasceu a iniciativa de fazer um movimento. Ainda nessa época, tomaram o conhecimento de um manifesto, de 1967, assinado por artistas como os Beatles e acadêmicos como Gilles Deleuze. O manifesto foi traduzido ao português como “Manifesto pela Descriminalização da Maconhaâ€,  com assinaturas de músicos como Arrigo Barnabé, acadêmicos como Florestan Fernandes, sindicalistas, entre outros.
Foi marcado, no dia 30 de outubro daquele ano, um ato de entrega daquele manifesto em frente ao Theatro Minicipal. Quando os manifestantes chegaram e começaram a armar o sistema de som e estender faixas, a polÃcia chegou, prendeu todos e os levou para a sede do DEIC. “Não chegou a ter a manifestação. Tinha um contingente enorme de polÃcia e prenderam todo mundo. Depois teve uma segunda leva, outras centenas de pessoas que chegavam também eram presasâ€, relata Henrique, que era, na época, candidato a deputado da constituinte pelo PT.
Marcha da Maconha 2014, São Paulo. (Foto: Isabel Harari)
A ação policial teve como comandante o filho de Sérgio Paranhos Fleury, Ãcone da tortura no perÃodo da ditadura. Alguns presos foram levados ao Museu das Drogas, na sede do DEIC, onde havia objetos ligados à droga, como esconderijos e caixinhas, de celebridades presas pela polÃcia até aquela época. O comandante, Paulo Sérgio Fleury, foi afastado de seu posto algum tempo após o ocorrido por envolvimento com sequestradores na delegacia antissequestro.
Logo na sequência, houve uma manifestação de protesto contra essas prisões no Largo São Francisco que também sofreu repressão policial. Sobre a pauta do movimento, Henrique relata: “Era especificamente sobre a questão da maconha, embora a gente tivesse uma atitude antiproibicionista geral, considerando a repressão a qualquer droga como antidemocrático e ineficienteâ€.
A luta contra a proibição da maconha começou a ganhar mais força no cenário internacional a partir do final dos anos 1990, com as primeiras edições da “Million Marijuana March†e a “Global Marijuana Marchâ€, um evento anual que começou em 1999 na cidade de Nova York e após poucos anos ganhou diversas cidades ao redor do mundo. Hoje, acontecem cerca de 340 marchas no mundo inteiro, sendo que mais de 30 são em solo brasileiro.
Marcha da Maconha 2014, São Paulo. (Foto: Isabel Harari)
A primeira Marcha nesses moldes no Brasil aconteceu em 2002, no Rio de Janeiro e foi organizada pela portuguesa Susana Sousa, que estava de passagem pelo paÃs e já tinha planejado marchas em outros lugares. A lusitana identificou um ponto de consumo de Cannabis no Rio, o posto 9 da praia de Ipanema, e distribuiu sedas carimbadas com a descrição do evento. Cerca de 800 pessoas compareceram e não houve repressão policial.
Na cidade de São Paulo, em 2003 e 2004, ocorreram duas edições da Passeata Verde, ambas com poucos manifestantes. A primeira ocorreu sem repressão, já a segunda contou com brutal ação policial que resultou em diversos feridos e presos.
No ano de 2004, dissidentes do PT formaram o Movimento Nacional Pela Legalização das Drogas (MDNL), que pautava a questão antiproibicionista e levantava os males da guerra às drogas como estratégia de criminalização da pobreza. Lançado no Fórum Social Mundial de Porto Alegre, em 2005, o movimento promoveu duas passeatas pela legalização das drogas, em 2006 e 2007, e depois se desfez.
Em 2007, um grupo de ativistas da maconha no Rio de Janeiro, entre eles pessoas do Growroom (site de discussões sobre a cultura canábica) e outras ligadas a cena se reuniram com o intuito de dar uma identidade para a marcha. Segundo William Lantelme Filho, fundador do Growroom, “A gente se reuniu e decidiu criar uma identidade com logo, site, notÃcias e frequentemente lançando ações em festasâ€. â€Já que a gente queria quebrar esse estigma, então (a marcha) deveria ter mesmo a palavra maconha pra ter esse impactoâ€, continua.
No final do mesmo ano foi criado um site  que replicava o modelo de um fórum de discussão, assim como é o Growroom. Todo o material da marcha era compartilhado, assim como experiências de diferentes cidades e a manifestação começou a se organizar em rede, ao redor do paÃs. Grupos que tinham o interesse de promover uma “Marcha da Maconhaâ€, em qualquer lugar do Brasil, podiam entender como foi a experiência de diferentes cidades e imprimir o material da marcha.
Em 2008 o ato foi marcado em 11 cidades, em São Paulo, assim como em outras 9 capitais, a marcha foi proibida com a acusação de apologia à s drogas. Marco Magri, organizador da Marcha e membro do Coletivo Dar, conta: “A opção do Ibirapuera sempre foi para fugir um pouco dos holofotes da Paulista. A gente descobriu ser um local de grande disputa polÃtica (Ibirapuera). Assim que a gente anunciou que a marcha era lá, foi proibidaâ€. Nessa época, quando o Facebook ainda não era tão presente, havia dificuldade para divulgar o protesto.
Marco ainda lembra, “Houve essa proibição em SP e houve a marcha no Rio (2009), a notÃcia da proibição foi capa do caderno cotidiano. A proibição foi o que levantou o tema da marcha, da liberdade de expressãoâ€.
Marcha da Maconha 2014, São Paulo. (Foto: Isabel Harari)
Por 3 anos (2008, 2009 e 2010) a Marcha da Maconha acontecia no Parque do Ibirapuera e não era permitida pela justiça com a alegação de aquilo era “apologia à s drogasâ€. Júlio Delmanto, membro do Coletivo Dar e da Marcha da Maconha, aponta que nos três anos de manifestação no Ibirapuera houve um crescimento do número de pessoas. De acordo com seu relato, foi em 2010 que marcharam pela primeira vez, pela liberdade de expressão, dentro do parque. Nesse ano, em São Paulo, o Coletivo Desentorpecendo a Razão (Coletivo Dar) já estava articulado e, no Rio, houve a formação do Movimento Pela Legalização da Maconha.
Na capital paulista, só em 2011 que a marcha teve o direito de sair à s ruas. Lorena Otero, estudante de Direito que fez uma pesquisa de iniciação cientÃfica sobre a criminalização da “Marcha da Maconha†no Brasil, afirma que na capital paulista, a população marchou por resistência. A proibição da maconha responde à legislação nacional, no entanto, a permissão para marchar é diferente, “Cada tribunal tem a sua cultura, o direito sempre tem brechasâ€.
Continua, “As alegações para que a marcha não acontecesse é que ela fazia apologia ao crime, mas também sugeriam que era formação de quadrilhaâ€. No entanto, o crime de apologia entra em conflito com a própria constituição que resguarda a liberdade de expressão e formação de quadrilha realmente não era adequada. Em 2011, com a permissão da marcha do Supremo Tribunal Federal, o ministro Celso de Mello, questionado se aquilo não respondia a uma apologia ao crime como seria uma marcha em prol do nazimo, falou que cada caso é um caso e se acontecer tal marcha que ela venha à mesa do STF para ser julgada.
Até essa virada jurÃdica, as manifestações com um intuito antiproibicionista eram duramente criminalizadas. Os manifestantes e os movimentos sociais que levantavam a discussão tinham um certo receio de correr um risco pessoal.
No entanto, foi em 2011 que a marcha paulistana foi para a avenida Paulista, em 21 de maio, com mais ou menos 2 mil pessoas e brutal repressão policial. Júlio lembra que o evento inspirou o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais a propor um julgamento no STF que estabelecia aquele dia como o “Dia Nacional da Intolerânciaâ€, dado o ocorrido que, inclusive, prendeu o ativista do Coletivo Dar. Após a reação truculenta da polÃcia foi marcada a “Marcha Pela Liberdade†na semana seguinte que reuniu 5 mil pessoas.
No ano de 2012 com uma boa arrecadação no Catarse a “Marcha da Maconha†conseguiu realizar eventos preparativos e debates, fortalecendo a construção do evento, que contou com mais pessoas. Até o número da PM já igualava o ano anterior, 2 mil pessoas. Em 2013, além das atividades, foram organizados os blocos temáticos, como medicinal, do cultivo, feminista, psicodélico, entre outros e a marcha terminou em um show. Júlio ainda comenta que ao longo do tempo a Marcha viveu um processo de abertura, quando houve a incorporação de novas lutas e impulsionou um debate que abrangia outras questões além da descriminalização e legalização da maconha. Conta, “Isso é uma parte desse processo de abertura que a gente tem vivido. A gente era um grupo menor com um debate judicial e risco pessoal muito forte, a gente tinha mais cuidado de como fazÃamos as coisas, menos experiência, menos gente, menos articulação. Nos últimos anos a gente está abrindo para que as pessoas também façam parte dessa marcha. As pessoas estão mais abertas a essa causaâ€.
Marco ainda aponta, “A maconha é o sÃmbolo que a proibição aponta para a guerra à s drogas, muito comumente a gente vê a folha da maconha estampada em material antidrogas, mas não está falando sobre a maconha ali, está falando sobre as drogas.Inverter essa lógica também é muito importanteâ€.
Em 2014, a marcha se dividiu em blocos mais uma vez, nem a manifestação nem o consumo foram reprimidos, muita gente acenou de sua janela apoiando os manifestantes e até um baseado foi jogado ao público por um morador. Gritos pela maconha, pelo cultivo da cannabis, pelo uso medicinal, pela legalização, pelo LSD e diversas outras questões foram cantados.
A Praça Roosevelt ficou lotada de gente, uma banda de reggae mandava um som de cima de uma Kombi. A marcha foi construÃda por diversas pessoas, com muita discussão e festa. Aconteceu sem polÃcia, na paz, de forma lúdica. Após o processo de legalização da marcha a sociedade já se mostra mais aberta para pensar a questão das drogas e a marcha ainda acontece em diferentes cidades até o final de junho.
Marcha da Maconha 2014, São Paulo (Foto: Isabel Harari)
http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-29052013-102255/pt-br.php