Folha de SP
Criada pela gestão Haddad, área isolada por grades para manter dependentes é criticada por especialistas
Prefeitura afirma que medida visa liberar calçadas na região da cracolândia; usuários de drogas criticam
ARETHA YARAK DE SÃO PAULO
Os usuários de drogas da cracolândia, na região central da cidade, retiraram na tarde de ontem o “cercadinho” que a prefeitura instalou na esquina da al. Cleveland com a rua Helvetia.
Segundo a prefeitura, o programa Braços Abertos instalou as grades com o objetivo de organizar a movimentação dos dependentes e liberar a calçada a outros pedestres.
A medida foi considerada discriminatória por dependentes de drogas, que se recusaram a permanecer ali.
O programa Braços Abertos é um projeto da gestão Fernando Haddad (PT) que promete resgatar usuários da cracolândia de maneira humanizada e sem violência.
O projeto busca fazer frente à s ações de combate ao crack de 2012, na gestão de Gilberto Kassab (PSD), consideradas violentas por opositores polÃticos e defensores de direitos humanos.
Na época, uma operação policial articulada pelo governo Geraldo Alckmin (PSDB) e a prefeitura impedia que usuários de drogas ficassem parados nas ruas.
HIGIENISTA
“Quando a situação aperta, as decisões têm ido mais para o lado opressor e higienista do que para o das polÃticas de redução de danos”, diz o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, um dos idealizadores do Braços Abertos.
Para ele, a ação da prefeitura errou ao não combinar com os usuários o que seria feito. “O diálogo é parte da redução de danos.”
Um dos principais crÃticos à s ações de 2012, o defensor público Carlos Weis diz que a história se repete. “Mesmo que tenham sido convencidos a ficar ali, é uma situação indigna, um aquário da podridão humana”, afirma.
Os usuários de drogas, que dizem não ter sido avisados do “cercadinho”, só aceitaram entrar no gradil no começo da tarde, e por pouco tempo.
Após negociação com funcionários da prefeitura, aceitaram ficar por uma hora na área enquanto era feita a limpeza da rua. Depois, recolheram as grades. “Não somos animais”, disse um usuário.
DE SÃO PAULO
Idealizador do programa Braços Abertos, o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira acredita que o projeto tem optado por decisões “opressoras”.
Folha – Foi um erro erguer o “cercadinho”?
Dartiu Xavier – O problema é a ação arbitrária, não pactuada com os usuários. Se a finalidade é favorecer a organização do local, qual o problema de eles participarem do processo de decisão?
O que significa para o usuário ser levado para o local?
Tem o lado humilhante, de ser observado de fora como se estivesse em um zoológico. O mais interessante foi os usuários se manifestarem, mostrarem que têm consciência e organização. E ainda mais interessante eles terem optado pela ação pacÃfica.
O programa se perdeu?
A implantação me preocupa, porque repete modelos repressivos. Quando a situação aperta, as decisões têm ido para o lado opressor e higienista.
Há alguma alternativa para liberar o passeio público, que não o “cercadinho”?
A questão aqui não é o resultado final, mas o pacto, como em janeiro, quando deixaram os barracos.
DE SÃO PAULO
O defensor público Carlos Weis defendeu em 2012, após ações violentas da PM, o direito do usuário de ir e vir.
Folha – O que o senhor acha do “cercadinho”?
Carlos Weis – Mandei e-mail à prefeitura pedindo esclarecimentos com urgência. Mas acredito que há uma situação indigna ali. Os usuários ficam confinados dentro de um espaço cercado. É como se fossem bichos, observados de fora, com sua liberdade natural de ir e vir tolhida.
Como bichos?
Ficam ali como se estivessem em um grande aquário da podridão humana, do ponto de vista da degradação. Estão sendo expostos e segregados, como se fossem pessoas diferentes de nós. Para dentro, ficam os usuários. Para fora, os cidadãos “do bem”.
Os usuários enfrentaram o poder público. Eles estão mais organizados?
O Braços Abertos transformou os usuários em sujeitos de direito. Esse diálogo estabelecido com o poder público pode ter influenciado em como se manifestaram. Agora, eles sabem que têm com quem dialogar e que serão ouvidos, não precisam mais sempre de confronto.