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Maio 17, 2014

Sobrou até para o padre: o novo código das ruas — relato sobre o 15M em SP

Vanessa Barbara

Ontem à noite, em São Paulo, o protesto contra a Copa começou com uma novidade: em vez de tarjetas de identificação, os policiais traziam bordado no uniforme um misterioso código de dez dígitos. No lugar de “SD PM ANANIAS”, por exemplo, o soldado atendia pela alcunha de SD142288M1, seu número no Registro Estatístico e a sigla do batalhão ao qual pertence.

Para denunciar eventuais excessos, portanto, a vítima faria bem em sofrê-los com um bloco de notas em punho, ou repassando mentalmente os dígitos com a ajuda de técnicas mnemônicas. “Parece chassi de carro”, comentou um anônimo. “Vou te contar: apanhei do SD14207201 ao SD142072209”, exemplificou outro, mais prático.

Não sei qual seria a justificativa oficial para essa medida, que não foi comunicada com antecedência nem divulgada pelos meios de comunicação. Mas muitos advogados presentes falaram em má-fé da Secretaria de Segurança Pública, uma confissão premeditada de descaso perante a legitimidade e os métodos da ação policial durante os protestos de rua. Segundo eles, seria mais uma forma de ocultar ilegalidades e abusos dos agentes da lei, que, aliás, costumam deter manifestantes por usarem máscaras e esconderem seus rostos, argumentando sem razão que “usar máscara é proibido pela Constituição”. Quando confrontados, dizem que existe uma lei a respeito – referindo-se provavelmente à lei em vigor no estado do Rio de Janeiro.

Ontem à noite, o protesto durou vinte minutos. Começou com cerca de 2 mil pessoas na praça do Ciclista, rodeadas por número igual ou superior de policiais. Integrantes de diversos movimentos sociais desceram a rua da Consolação na sétima edição do ato “Se Não Tiver Direitos, Não Vai Ter Copa” – que nem oniricamente almeja impedir a realização do mega-evento futebolístico, do contrário explodiria estádios e sairia às ruas com metralhadoras, mas bate ponto em reclamar contra os gastos públicos, as remoções violentas, as mortes nas construções, a desigualdade e a repressão.

A marcha terminou a quatrocentos metros dali, na esquina com a rua Matias Aires, quando um cordão policial aproximou-se demais dos manifestantes, causando atrito. Um oficial trombou com um fotógrafo e pediu desculpas. Outro empurrou uma menina pelo braço. A massa puxou um coro contra a violência policial e rimou “chacina” com “polícia assassina”, enquanto manifestantes pediam calma. A situação durou quatro minutos, ao longo dos quais a tropa foi ficando apavorada. Alguém pode ter espirrado. Outros deram socos numa porta de alumínio. Então a polícia disparou duas bombas de efeito moral aos pés da multidão.

O que se seguiu foi o de sempre: muita correria, mais reforços policiais chegando e bombas de gás lacrimogêneo sendo arremessadas em direção à massa. Viaturas subiam nas calçadas e arremetiam com raiva. Alguns manifestantes revidavam com pedras e garrafas de plástico, enfurecendo ainda mais os policiais.

Pelo menos seis pessoas ficaram seriamente feridas por estilhaços de bombas de efeito moral, sendo três jornalistas, que foram atendidos pelos socorristas do GAPP (Grupo de Apoio ao Protesto Popular). Uma policial militar também se feriu. A conta final foi um pé quebrado, um tênis dilacerado, duas pernas fraturadas e um rosto atingido; todos foram transportados para o hospital por iniciativa dos próprios manifestantes e de funcionários de um hotel próximo. Uma concessionária foi depredada, assim como os vidros de duas agências bancárias.

Em meio àquilo que a imprensa costuma chamar de “confronto”, o padre Júlio Lancellotti foi atingido na perna por um estilhaço de bomba. Presente em todos os protestos até agora – mas, ao que tudo indica, sem histórico de vandalismo em lixeiras -, o padre se disse impressionado com a truculência. “Se alguns atearam fogo no lixo, por que jogaram bombas em cima de todos?”, disse ele no Facebook. “A PM diz que vai para garantir o direito de manifestação, que é democrático, mas o que se vê é repressão e reação.”

O defensor público Carlos Weis também estava no ato e falou em “violência desmedida e desnecessária. […] O que vimos aqui hoje foi o cerceamento do direito de se manifestar”, resumiu, em entrevista para o site SPressoSP.

Muitos condenam com furor o vandalismo e a depredação de propriedades como forma de protesto, mas não dizem uma só palavra contra a recorrente violação de direitos constitucionais nos atos. Lamentam vidros de bancos, mas não pessoas feridas. Justificam a brutalidade policial quando não concordam com o teor do protesto, fechando os olhos para injustiças que um dia podem chegar até eles, os cidadãos de bem que pagam seus impostos e não se metem em encrenca.

O exemplo mais gritante é o das “prisões para averiguação”, que não são permitidas pela Constituição, ainda que sejam bastante comuns. (Quem ameaça argumentar ainda acaba sendo acusado de desacato ou resistência à prisão.) Como todos sabem, as únicas modalidades de detenção previstas por lei são em flagrante delito ou por ordem judicial.

A cada manifestação, vemos a polícia impedindo advogados de acompanharem revistas e apreensões; além disso, não lhes são fornecidos os motivos das detenções e nem o destino dos manifestantes, direitos que constam em lei. Também a imprensa é cerceada e impedida de registrar os acontecimentos. Nas ruas e avenidas, a passagem é fechada por hordas de policiais armados, que fundamentam o bloqueio por “motivos de segurança”. Às vezes as justificativas beiram o absurdo: ontem um amigo foi agredido por estar filmando uma apreensão, o que seria ilegal “segundo o artigo 81 da Constituição” (que discorre sobre as eleições para presidente e vice).

Deve ser um código para “é assim porque eu quis”.

Ps. Quem estiver insatisfeito, anote o número do protocolo para reclamação: SD2142288K8.

vanessa barbara

Vanessa Barbara, jornalista, cronista e tradutora, é colunista do ‘International New York Times’ e da ‘revista sãopaulo’.É autora de ‘O Livro Amarelo do Terminal’ (Ed. Cosac Naify, Prêmio Jabuti de Reportagem) e ‘Noites de Alface’ (Ed. Alfaguara). É editora de ‘A Hortaliça’ (www.hortifruti.org).

ASSISTA AO VÍDEO DO ATAQUE DA PM GRAVADO POR VANESSA

Publicação by GAPP – Grupo de Apoio ao Protesto Popular.

 

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