De cada 10 adolescentes internados pelo sistema público de saúde para combater o vÃcio do crack no Estado, em média nove voltam a usar a droga até três meses depois de receber alta.
Além disso, um terço necessita de uma nova internação, e outros 36% se envolvem com a prática de crimes nesse perÃodo, conforme um estudo apresentado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O trabalho indica que, apesar do investimento de R$ 1,4 bilhão apenas do governo federal para reforçar a rede de atendimento aos dependentes, o serviço não oferece a eficácia desejada.
Em sua tese de doutorado, a psicóloga e doutora em Ciências Médicas Rosemeri Siqueira Pedroso acompanhou dois grupos distintos de usuários de crack. Ao longo de três meses, observou o Ãndice de recaÃda entre 88 adolescentes após receberem alta e monitorou um outro contingente, de 293 jovens e adultos, para determinar quantos precisaram de repetidas internações para combater a droga ao longo de três anos. As conclusões causaram surpresa:
– 86,4% dos adolescentes voltaram a usar crack em até três meses
– Cerca de 50% recaÃram até 10 dias após a alta, 34% precisaram ser reinternados na rede pública, e 36% se envolveram em algum tipo de crime em três meses
– O tempo médio de abstinência dos adolescentes foi de 27 dias
– Entre o grupo de adultos, 43,4% tiveram de se reinternar até cinco vezes ao longo de três anos
Essas descobertas aprofundam estudos semelhantes realizados no paÃs, os quais indicam que cerca de um terço dos usuários de crack conseguem concluir o tratamento com sucesso. Porém, as pesquisas sobre esse tema são raras em razão de ser difÃcil acompanhar um grande número de dependentes após a alta — muitos não têm telefone ou endereço fixo e perdem contato com os pesquisadores. Por isso, o levantamento gaúcho faz revelações importantes sobre o impacto do tratamento oferecido pela rede pública aos usuários.
A autora do trabalho considera que ficou “cientificamente comprovado” um número excessivo de reinternações no sistema de saúde, o que coloca em xeque a eficácia do modelo atual.
— Quando o usuário sai do hospital, muitas vezes não tem onde morar, volta para a boca de fumo, não tem trabalho ou um aparato psicossocial para ajudá-lo na abstinência. Isso ainda é precário no Brasil — avalia Rosemeri.
O psiquiatra Flavio Pechansky, orientador da tese, concorda com essa preocupação:
— Os dados mostram que, apesar dos milhões gastos pelo poder público nessa área, os Ãndices de recaÃda e reinternação são elevados.
Para realizar o estudo com os adolescentes, a psicóloga acompanhou a internação desses jovens no Hospital Psiquiátrico São Pedro e na ClÃnica São José, em Porto Alegre. Depois da alta, seguiu monitorando a situação de cada um por meio de visitas, telefonemas e informações de parentes.
Para medir o grau de reinternações dos adultos, a pesquisadora monitorou todas as vezes em que os participantes do estudo ingressaram em algum serviço de saúde psiquiátrica no Estado. Isso levou a outra constatação: poucos dependentes (13%) procuram os serviços ambulatoriais que deveriam desafogar as clÃnicas e instituições hospitalares destinadas à internação para desintoxicação.