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Agosto 25, 2014

Cartas na mesa – Marchar só pela maconha é um “desserviço”?

“Me contem, me contem aonde eles se escondem?
atrás de leis que não favorecem vocês
então por que não resolvem de uma vez:
ponham as cartas na mesa e discutam essas leis” Planet Hemp

A seção Cartas na mesa é composta por opiniões de leitores e membros do DAR acerca das drogas, de seus efeitos político-sociais e de sua proibição, e também de suas experiências pessoais e relatos sobre a forma com que se relacionam com elas. Vale tudo, em qualquer formato e tamanho, desde que você não esteja aqui para reforçar o proibicionismo! Caso queira ter seu desabafo desentorpecido publicado, envie seu texto para coletivodar@gmail.com e ponha as cartas na mesa para falar sobre drogas com o enfoque que quiser.

Na edição dessa semana, nosso jornalista e historiador Júlio, do DAR, comenta e rebate uma crítica que a Marcha da Maconha recebeu recentemente em um debate: a de representar um “desserviço” para o combate à guerra às drogas.

Marchar só pela maconha é um “desserviço”?

Por Júlio Delmanto

Tem uma tirinha do Calvin em que ele é empurrado, ou xingado, não lembro, no corredor da escola pelo valentão Moe – aquele que “tem seis anos e já faz a barba” – e que termina com o melhor amigo do Haroldo reclamando algo como: “e o pior é que sei que vou pensar numa ótima resposta pra isso hoje à noite”. Tentei achar o quadrinho mas não encontrei no Google – na busca, amigos mais intelectualmente torneados me apontaram que pra essa sensação tem até expressão em francês e pá: L’esprit de l’escalier, o espírito da escada.

Participar de eventos tipo “mesas de debate” toda vez me dá um lance desses: sempre que solto o microfone já começo a perceber o que tinha planejado falar, ou poderia falar, e esqueci. Na última quarta, 20 de agosto, estive em um debate sobre a guerra às drogas organizado pelo Centro Acadêmico de Direito da PUC-SP e aconteceu de novo – o que me motivou a escrever esse texto.

Mais especificamente, o que me motivou foram as intervenções do advogado Leonardo Massud, que é professor da PUC e membro do IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, organização que tem entendimentos antiproibicionistas e de e crítica à justiça penal, ao encarceramento em massa, à criminalização da pobreza, enfim, essas coisas que a verdadeira “gente de bem” não pode aceitar. Apesar de estar alinhado, em linhas gerais, às proposições do DAR e do movimento antiproibicionista, o professor aproveitou sua fala para criticar a Marcha da Maconha por um aspecto que volta e meia vem à debate, sobretudo em meios mais de esquerda, e que pode ser mais bem problematizado do que foi no momento, pela falta de tempo e pelo glorioso espírito da escada que me acometeu (talvez o cheirinho de liberdade que vêm das escadas da PUC tenha algo a ver com isso também, quem não estudou lá pode ficar meio desorientado de estar num lugar em que sempre é 16h20…).

Em sua fala, o professor Massud defendeu que a Marcha da Maconha representa um “desserviço” para a luta contra a guerra às drogas e a favor dos direitos humanos por conta da (suposta) ênfase exclusiva na legalização da maconha. Disse mais: “com essa estratégia a gente não vai chegar a grande coisa”. Ele ainda comparou a legalização da maconha com a descriminalização do porte para consumo pessoal – que pode ocorrer em breve via STF: ambos representariam um avanço imediato mas um retrocesso a longo prazo, já que segundo ele a descriminalização do porte ou da legalização da maconha representariam o fim da discussão sobre a legalização de todas as drogas, propiciando que a guerra continue.

Respeitando o professor, sua trajetória e disposição pro debate fraterno, e longe de querer compará-lo com o Moe e seu bullying permanente contra o Calvin, gostaria de divergir aqui de alguns pontos, e pensar sobre outros. Em primeiro lugar, destaco que o Coletivo DAR, do qual faço parte, nasceu exatamente dessa opinião de que “apenas” a legalização da maconha era insuficiente para acabar com a guerra às drogas e seus efeitos perversos, sobretudo em relação aos pobres, pretos e periféricos. Criado por ativistas que já participavam da Marcha da Maconha, o DAR queria ir além da ênfase exclusiva nos direitos dos usuários e na defesa da legalização da maconha, criticando também a descriminalização como uma saída hipócrita e pouco efetiva (como disse a inspiradora do nosso nome, a juíza Maria Lúcia Karam: quem defende apenas a descriminalização precisa admitir que é proibocionista).

No entanto, esse entendimento de que o antiproibicionismo precisa necessariamente tratar de todas as drogas, defendendo o fim da proibição não só para o consumo mas também para produção e comércio, não nos levou a abrir mão de atuar no interior da Marcha da Maconha. Claro que o fazemos sempre tentando nos pautar por essa visão mais ampla, criticando a guerra às drogas como um todo, mas também levando sempre em conta que se trata de um movimento bastante amplo e diverso, uma marcha onde cabem muitas marchas, como costumamos dizer a partir da inspiração zapatista. Se a Marcha da Maconha de São Paulo (sobre a qual posso dizer algo, já que das outras quem sabe são seus organizadores – a Marcha da Maconha funciona de forma horizontal e em rede, sem instâncias nacionais) a cada ano tem enfatizado mais a crítica à guerra de forma geral, e se articulado com outros movimentos e bandeiras, por outro lado não há como esquecer que nosso consenso principal, e unificador, é em torno da legalização da maconha.

Além disso, há em torno da cultura canábica, e da figura do maconheiro e da maconheira uma questão de identidade, construída a partir da opressão e da resistência a ela. Se tomar uma cerveja ou um remédio raramente gera um tipo de sentimento assim, fumar um baseado torna-se mais do que uma conduta banal pelo fato disso ser proibido e gerar preconceito. A contestação, a rebeldia e o gosto pelo proibido juntam-se com a subcultura própria do cultivo e do consumo, turbinadíssimas pela cultura de Internet e redes sociais de forma mais ampla. Tanto pelo maior índice de consumo em relação a outras drogas, quanto talvez pelo menor e decrescente estigma em relação à erva kaya, essa identidade rebelde em torno da cultura canábica não se repete em relação à cocaína, psicodélicos ou ao crack, o que se reflete inevitavelmente na Marcha, em forma e conteúdo.

Uma opção bacana para o futuro talvez pudesse ser o que se pode observar em relação à Parada Gay, que depois passou a se chamar LGBT. Se anteriormente o que unificava aquelas pessoas num protesto político era o orgulho gay, com o tempo percebeu-se que essa identidade não dava conta da diversidade ali presente, pois há pessoas que querem lutar não apenas em nome dos direitos dos gays, querem utilizar termos que lhes dizem respeito mais especificamente: lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais, etc. Quem sabe um dia consigamos unir os descontentes com a guerra às drogas numa Marcha da Maconha, do Pó, da Pedra, do Ácido e do Loló, uma marcha do orgulho MMPPAL, sei lá. No cenário atual, não há clareza e consenso no interior da Marcha se isso representaria fortalecimento ou enfraquecimento do movimento, e como caminhamos por consenso ainda não foi possível dar esse passo.

Mas sim, por mais que a maconha seja a mais consumida das drogas ilícitas, e portanto uma fonte importante de renda para o mercado ilícito e seus chupins (policiais, juízes, deputados, etc.), sua legalização não representa o fim da guerra às drogas, da violência estatal, da militarização da periferia. Há uma autora espanhola, Belén Luca de Tena, que inclusive qualifica o proibicionismo global como “a guerra da cocaína“, e isso não pode ser ignorado – segundo estimativa de uma consultoria gringa, só de farinha o tráfico movimenta 9 BILHÕES por ano no Brasil. Na verdade sequer a guerra às drogas representa o fim do sofrimento dos de baixo em um país marcado por mais 500 anos de autoritarismo, escravidão, racismo, machismo, homofobia e violência. Por outro lado, não é por isso, por “não resolver o problema”, que a legalização do cigarrinho de artista, do bruxinho, deixa de ser um avanço.

Legalizar a maconha e recrudescer a guerra aos pobres com a justificativa do combate ao crack e à cocaína não é um cenário improvável. Evidente que os que verdadeiramente se importam com a luta por justiça, autonomia e igualdade social, racial e de gênero devem prestar atenção aos interesses envolvidos, e muitas vezes escondidos, em proposições que parecem vir do nosso lado mas podem atrasá-lo, podem significar a apropriação parcial de nossas demandas e discursos para fins pouco honrados. Demorou. Mesmo assim, fica difícil dizer que a Marcha seja um “desserviço”

Em primeiro lugar pensemos que um a cada cinco presos no Brasil está no veneno por crimes relativos a drogas. Não conheço dados confiáveis sobre a substância usada como justificativa pela prisão de cada um, mas certamente o percentual de envolvidos apenas com supostos uso e comércio de canábis é grande. Aliviar a situação dessas pessoas e de suas famílias já tornaria a Marcha da Maconha um servição: um adianto. Cara, a liberdade não tem preço.

Fora isso, depois de tudo que passamos desde que marchamos pela primeira vez com o nome Marcha da Maconha em 2007, apenas no Rio de Janeiro, e em 2008 em oito cidades incluída aí a nossa São Paulo, com míseros 50 gatos pingados no Parque do Ibirapuera, fica difícil defender que nosso movimento tenha irrelevância política no cenário político brasileiro. Para o jornalista Bruno Paes Manso, por exemplo, a Marcha “já conquistou espaço no calendário dos eventos políticos e culturais de São Paulo mais importantes feitos pela nova geração de jovens urbanos que continuam a surpreender e a estimular a discussão na cidade”. Ele lembra também do papel cumprido pela nossa mobilização dentro do processo mais amplo de mobilização autônoma e desde abajo que gerou as chamadas “jornadas de junho” em 2013.

Produto e um pouquinho produtora do espírito de junho, um dos momentos políticos mais pesados da história recente do Brasil, a Marcha da Maconha trouxe e ainda traz uma série de contribuições e debates para os interessados em mudar o mundo – comentamos algumas delas nesse texto do DAR aqui. Além disso, serviu e serve para fomentar o antiproibicionismo no interior dos movimentos sociais, da juventude, da mídia e da sociedade em geral- se a legitimidade deste ponto de vista tem crescido notadamente nos últimos anos eu suponho que foi um pouco menos por conta de falas em mesas de debate sobre legalizar todas as drogas e um pouco mais pela Marcha nas ruas, né não? E essa legitimidade repercute na luta contra a guerra às drogas como um todo, não só na discussão sobre a Maria.

Há ainda, pelo menos, dois aspectos muito importantes no avanço e na consolidação da Marcha: a desobediência civil e a explicitação da finitude possível da proibição das substâncias tornadas ilícitas. Cada vez mais próximas de um grande “maconhaço”, as Marchas da Maconha representam um espetáculo ordenado, criativo e bem humorado de desobediência civil – conquistado com muita luta e contra muitos obstáculos – que coloca em primeiro plano tanto a livre ocupação das ruas quanto possibilidades radicais de fazê-lo.

Sempre dizemos que o consumo de alteradores de consciência é milenar, e que o controle social proibicionista é apenas uma das formas possíveis de controle, não sendo só a mais nefasta e menos efetiva como também muito recente historicamente, com cerca de cem anos. Se mudamos o status legal de uma substância demonizada por tanto tempo, isso coloca na mesa a discussão de que a proibição é historicamente determinada, localizada, e pode ser revertida. A legalização da maconha pode ser vista como a porta de entrada para o fim da guerra contra as outras drogas, ainda mais com os indicadores bem sucedidos que certamente viriam com o tempo – e que virão nos EUA, no Uruguai e nos próximos que legalizarem.

Sério que tem gente que acha que “assim não vamos chegar a grandes coisas”? Tenho impressão de que já chegamos…

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