SYLVIA COLOMBO
DE SÃO PAULO
Desde que publicou “Gomorra”, livro sobre a máfia italiana que vendeu mais de 10 milhões de exemplares, o escritor italiano Roberto Saviano, 35, vive recluso, em endereço desconhecido e com forte esquema de segurança, esquivando-se de ameaças de morte vindas de lÃderes criminosos italianos.
Agora, Saviano aponta para as redes internacionais do narcotráfico, nas quais a América Latina tem papel determinante.
Em “Zero Zero Zero”, que sai pela Companhia das Letras, está a gênese dos cartéis colombianos, a formação das rotas mexicanas e um detalhamento de como o Brasil se enquadra nesse esquema.
Em entrevista à Folha, por e-mail, Saviano defende a liberação das drogas como solução para o fim da violência.
Alberto Estévez – 4.fev.2009/Efe | ||
Roberto Saviano, jornalista e escritor, posa para foto após entrevista coletiva em Barcelona, em 2009 |
*
Folha – Por que investigar a cocaÃna?
Roberto Saviano – Há anos me surpreendo com a quantidade de dinheiro que o narcotráfico movimenta. Em alguns paÃses, trata-se de uma cifra muito maior do que a que maneja o Estado. A cocaÃna é uma droga muito difundida porque está relacionada à performance. Te dá a ilusão de ser uma ajuda no cotidiano. Que te faz trabalhar melhor, atuar melhor, amar melhor, mas na verdade, ela te está destruindo.
Como foram suas investigações no México? Você usou uma rede de colaboradores?
Minha fonte principal são dados da polÃcia, de juÃzes, advogados e investigadores que conheci em viagens. E também ex-membros de cartéis criminosos que decidiram contar sua história. Eles fazem isso por senso de vingança ou por vontade de contar a própria versão dos fatos.
Não é fácil ouvir esses depoimentos e sacar o que há de verdadeiro no que dizem. É preciso cruzar os fatos, montar o quebra-cabeça. São pessoas de fato astutas.
Como foi sua pesquisa no Brasil? Qual a particularidade do narcotráfico aqui, comparado com o México?
Brasil e México têm uma história criminosa diferente, e distintos papéis no tráfico de drogas. O México é um ponto importante na cadeia do narcotráfico, principalmente para a cocaÃna, porque as maiores organizações que controlam o abastecimento de cocaÃna para os Estados Unidos e a Europa são mexicanas.
O Brasil, por sua vez, é basicamente um ponto de trânsito. Cerca de 25% das 200/300 toneladas de cocaÃna que são consumidas na Europa anualmente passam pelo Brasil antes de atravessarem o Oceano Atlântico em jatos privados, navios e iates.
Devido à sua posição geográfica, o Brasil é precioso para o narcotráfico. Tem fronteira com Colômbia, Peru e BolÃvia (os três maiores produtores de cocaina no mundo), e ainda tem uma longa costa no Atlântico, muito difÃcil de patrulhar.
Muita da cocaÃna que passa pelo Brasil permanece aÃ. O Brasil possui 2,8 milhões de usuários por ano, é o segundo maior consumidor de cocaÃna no mundo (o primeiro é os EUA).
Mas, durante minha investigação aÃ, o que mais me impressionou foi que as sentenças dadas aos narcos são muito severas —alguns estão condenados a 80/100 anos. Por outro lado, as prisões parecem ser seus habitats naturais, talvez pela simples razão de que as organizações criminosas brasileiras tenham nascido nas prisões.
Atrás das grades, os lÃderes narcos brasileiros tomam decisões, fazem alianças, matam narcos rivais, organizam rebeliões dentro e fora das penitenciárias.
A maioria dos lÃderes criminosos brasileiros está na cadeia, mas ninguém questionaria sua liderança: de dentro da cadeira eles podem facilmente continuar a mandar, como se estivessem em seus quartéis-generais. E isso não acontece em outros paÃses. Pelo menos não frequentemente.
Numa entrevista a uma televisão mexicana, você disse que gostaria de ver as drogas legalizadas. Por que pensa que essa é a única solução para acabar com a violência?
Uma coisa é certa, a polÃtica repressiva e proibicionista não somente não serve a ninguém, como contribuiu para fortalecer os grupos armados. Legalizar significa iniciar lentamente a redução do poder de ação dos que produzem e distribuem ilegalmente a droga.
Infelizmente, somos incapazes de perseguir essa rota, especialmente na Europa, onde sequer começamos um debate sobre o assunto.
Em sua narrativa, você nunca menciona suas fontes e tenta fazer com que seja uma narrativa de não-ficção disfarçada de ficção. Por que este estilo?
Chamo o que faço de romance de não-ficção e o escolhi porque acredito que a história do mundo criminoso deveria sair do ambiente restrito de experts, polÃcia, juÃzes, advogados, jornalistas e tornar-se compreensÃvel para aqueles que se importam uns com os outros.
Zero Zero Zero |
Roberto Saviano |
Comprar |
Para fazer isso, você não pode citar documentos legais, não pode mencionar aquelas que foram suas fontes.
Quaisquer referências em “Zero Zero Zero” seriam maiores do que o livro propriamente. E notas de rodapé o fariam ilegÃvel.
Eu busquei fontes em cada esquina do mundo, e li tudo o que foi escrito sobre o tráfico na América do Sul. Falei com todos os que estavam dispostos a contar sua história ou seu trabalho e o resultado é uma narrativa, obviamente complexa, mas acessÃvel para aqueles não familiarizados com investigações judiciais.
Como é sua vida nos dias de hoje? Você ainda mantém o esquema de segurança desde as primeiras ameaças?
O esquema de segurança aumentou ao longo dos anos e fez com que minha vida na Itália ficasse insuportável. Mas é possÃvel que esse calvário acabe. No dia 20 de outubro, será encerrado um processo vital em Nápoles: o julgamento do chefe do clã mafiosos dos Casalesi, que iniciaram as ameaças. Ou seja, pode mudar minha vida.
ZERO ZERO ZERO
AUTOR Roberto Saviano
TRADUÇÃO Federico Carotti, Marcello Lino, Mauricio Santana Dias
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 54 (400 págs.)