O senador Cristovam Buarque encerrou as audiências públicas sobre a legalização da maconha evitando posicionar-se a respeito. Em termos práticos, avalizou a permanência da estupidez repressiva.
Enquanto o mundo adota gradativamente a legalização da erva, o Brasil se aferra a um atraso jurÃdico inexplicável, virando o paraÃso mundial dos traficantes e empurrando cidadãos inofensivos à criminalidade. Inclusive familiares de pessoas que precisam dos derivados da planta para amenizar efeitos de doenças graves.
Além da sensação de nova chance perdida, é decepcionante ouvir o nobre legislador repetindo as justificativas do proibicionismo: os malefÃcios fÃsicos e psicológicos da erva, o mito da “porta de entrada†para as drogas verdadeiramente nocivas, o risco de aumento do número de usuários, etc.
A incrÃvel permanência de tais mistificações, contrariando todos os estudos disponÃveis, mostra que a estratégia legalizadora chegou a um impasse. Manter a disputa no terreno da suposta racionalidade cientÃfica apenas legitima a falsa relevância de aspectos secundários, que sequer deveriam ser discutidos no âmbito legislativo.
Repitamos o óbvio: o que está em questão é a liberdade da pessoa usar seu corpo como quiser, salvaguardando-se os danos a terceiros. Simples assim.
Certos tópicos fundamentais da cidadania suplantam democratismos oportunistas. Ninguém submeteria a decisão sobre a pena de morte à s vÃtimas da violência. O estado de Direito jamais seria laico se precisasse da autorização de lÃderes religiosos.
Eis porque a mais relevante iniciativa descriminalizadora dos últimos anos é o Recurso Extraordinário 635659, escondido numa pilha do STF. Infelizmente, o processo está sob a responsabilidade do ministro Gilmar Mendes. Mas, pelo menos, a petição é muito bem feita (vale a pena conhecê-la) e diz respeito às prerrogativas constitucionais da corte.
Abrir o debate para além do foco doutrinário nos direitos individuais confere poder de veto aos interesses vinculados à criminalização da maconha. Organizados e poderosos, esses lobbies sempre vencerão a falta de representatividade polÃtica e os estigmas que marginalizam os milhões de canabistas do paÃs.
O governo federal poderia abraçar a causa, numa guinada progressista que teria sustentação pluripartidária e marcaria a reaproximação do PT com a juventude. Seria, principalmente, uma maneira de provar que o paÃs pode evoluir mesmo sob uma administração aprisionada pelo conservadorismo.