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Janeiro 26, 2015

Sobre Drogas e Remédios: os interesses por trás da aprovação do CBD

Por Susan Witte

No dia 15 de janeiro de 2015, atendi o celular sem reconhecer o número na tela. O Dr. José Alexandre Crippa nunca havia me passado seu número de celular, insistia no número do escritório onde eu nunca o encontrava. Meses após tentar entrevistá-lo – sem sucesso – Crippa me ligava em meu celular, educadamente perguntando se eu tinha tempo para ouvi-lo. Teria ele mudado de ideia? Por que, de repente, uma jornalista independente, sem qualquer vínculo com uma grande emissora, valia uma ligação? Quem sabe a decisão da Anvisa no dia anterior em reclassificar o CBD tivesse liberado seu stress e sua agenda e ele finalmente poderia me conceder aquela entrevista.

Ele me chamou pelo nome, Susan, e começou a falar, soava animado. Crippa dizia não poder estar mais feliz com a decisão da Anvisa. Era hora de colocar as mãos na massa, dizia. Entranhei o tom familiar com que me contava essas coisas, mas continuei ouvindo, ainda tentando compreender o propósito da ligação. Ele estava no aeroporto de Brasília, aguardando seu voo, e me contava sobre seus planos, os próximos passos a serem tomados. Estava muito contente em anunciar uma parceria com um laboratório europeu e que viajaria em breve a Edimburgo para buscar 1 kg de CBD.

“CBD natural ou sintético?”, perguntei, ainda confusa, mas curiosa. Ele pausou por um segundo, não esperava a pergunta, mas resolveu explicar. “É um semissintético”, disse. “E você pretende fazer testes clínicos com ele?”, perguntei em seguida. Crippa explicou que testes clínicos não seriam necessários, ele usaria o medicamento em pacientes para registrar os resultados; já estava tudo encaminhado. Ele disse algo sobre eu ter sido selecionada, junto com outros. Ele sabia quem eu era? Me chamara pelo nome, não podia estar me confundindo com outra pessoa ou ter ligado no número errado. Prossegui com minhas perguntas: “Mas, se as crianças com epilepsia têm usado extratos naturais, com outros canabinoides, não é possível que o CBD isolado não funcione?”.

Crippa então me explicou que esse era um argumento usado para enganar as pessoas: “Tem um grupo de pessoas que querem legalizar o recreativo e são contra o puro, porque aí cai o argumento deles”. Decidiu usar os irmãos Stanley (donos de um dispensário no Colorado) como exemplo, afirmando que eles têm uma “fabriqueta quase artesanal” e que eles usam o argumento de que o THC é necessário por interesse comercial, já que o produto que eles têm possui cerca de 1% de THC. Crippa explicou que, como o produto deles é natural e, portanto, impuro, eles têm interesse em publicar que outros compostos são necessários.

Ele disse ainda que muitos usam o argumento de que há um “efeito comitiva” (efeito em que os componentes de uma planta, após ela ter sido consumida, interagem entre si no organismo humano, agindo de forma diferente desses mesmos componentes isolados) no produto natural, mas que isso não é aceito na academia. Segundo ele, não há provas científicas desse efeito, já que todos os estudos foram feitos com CBD isolado. Como os dispensários não conseguem fabricar o CBD isolado, porque sai muito caro, eles se posicionam contra. Todos os estudos sérios – e Crippa exemplifica aqui seus estudos usando o CBD isolado para o tratamento de Parkinson – foram desenvolvidos com componentes isolados.

Dr. Crippa então declarou, com ar triunfante, que “estamos muito próximos de ter um sintético no Brasil”. Haveria uma coletiva de imprensa em março para anunciar avanços nesse sentido. Ele assegurou que testes seriam necessários e que ainda levaria um tempo para ter tal medicamento disponível. Para que testes assim fossem desenvolvidos, precisaríamos de um sintético, já que “como não tem patente, o canabidiol não é de interesse da indústria farmacêutica”. Uma parceria com a indústria seria necessária para desenvolver os caríssimos testes clínicos, já que, nem eles em Ribeirão Preto (USP) conseguiriam arcar com esses custos, mesmo que obtivessem lucro no resultado.

Ele tem toda a razão. A indústria farmacêutica não tem qualquer interesse em fitoterápicos. Plantas não podem ser patenteadas, seus extratos podem ser produzidos por qualquer pessoa e, portanto, não há lucros bilionários a serem alcançados. Componentes sintéticos são outra história, mas são moléculas novas produzidas em laboratório e precisam de todo tipo de testes para serem aprovadas. O processo pode durar dez anos, talvez menos tempo se for acelerado. Uma das patentes de Crippa (de 2014) é o CBD fluorado, uma molécula me-too. Essas moléculas tendem a fazer a mesma coisa que a molécula que imitam, mas, por causa desse flúor que foi pendurado nela, pode ter interações diferentes no organismo, como aumentar ou diminuir a potência de seus efeitos. Estaria o médico contando com a pressão de pacientes desesperados na justiça e na imprensa para acelerar a aprovação de sua droga? Crippa disse ainda que os pais e pacientes podiam pressionar as autoridades para que o medicamento, depois de disponível, ficasse mais barato. Medicamentos recém-lançados, no auge de sua patente, costumam ser caros.

Ele voltou então a explicar que os extratos naturais eram perigosos, por dois motivos. O primeiro deles é que “ficamos preocupados com as impurezas”. Segundo o doutor, até mercúrio já foi encontrado nesses extratos importados. Ele diz não saber se os rumores são verdadeiros ou não, mas que há uma série de contaminantes nesses produtos, especialmente os vindos da China. Outro motivo para não aprovar os extratos naturais é a presença do THC. Segundo ele, o THC, em grandes quantidades pode causar convulsões nas crianças. Lembrei-me de ter ouvido esse argumento antes, não de estudos científicos (não há nada na literatura acadêmica indicando que o THC possa induzir convulsões, mas sim que o composto tem grande potencial para tratar doenças convulsivas), mas de mães assustadas. Crippa dizia que várias crianças que usaram medicamentos com THC voltaram a ter crises convulsivas violentas. Teria sido ele o responsável por espalhar esse rumor?

Exemplo de estudo indicando que a canábis tem efeito positivo em pacientes com convulsões:

http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2376682/?page=3

Ele também explicou que o THC em crianças pode aumentar a probabilidade de esses pacientes desenvolverem esquizofrenia, fazendo questão de citar o mesmo estudo sueco que cita em suas entrevistas. Essas conclusões são o que chamamos de “Bad Science”. Estudos que verificaram a relação entre o uso de canábis e esquizofrenia foram desenvolvidos (para simplificar bastante) de duas formas: contando quantos esquizofrênicos foram expostos ao uso da canábis ou quantos usuários de canábis desenvolveram esquizofrenia. De fato, há uma relação, já que muitos usuários de canábis desenvolvem esquizofrenia. Isso pode significar que a canábis causa esquizofrenia ou que pessoas com tendência à esquizofrenia têm propensão ao uso de drogas, sobretudo a maconha. Estudos longitudinais, no entanto, verificaram que o aumento no número de usuários de canábis na população não está relacionado a um aumento no número de esquizofrênicos. Ou seja, a relação entre a canábis e a esquizofrenia não é causal.

No entanto, alguns estudos concluem que a exposição à canábis leva ao aparecimento de esquizofrenia pacientes que de outra forma não a desenvolveriam. Alguns chegam até a determinar a relação entre a dosagem e a probabilidade dos sintomas psicóticos ocorrerem. É a ciência da imaginação. Podemos correlacionar qualquer coisa desta forma. O site de Tyler Vigen dá diversos exemplos disso, demonstrando que as conclusões mais absurdas podem surgir da má interpretação estatística. O link abaixo, por exemplo, mostra a correlação entre o número de afogamentos em piscinas e o número de filmes em que Nicolas Cage aparece. Podemos concluir que os filmes de Nicolas Cage causam afogamentos?

http://www.tylervigen.com/view_correlation?id=359

Temo que Crippa saiba disso tudo. Um estudo desenvolvido em 2014, que conta com a participação do médico, determinou que tanto o CBD quanto o Win 55212 (análogo sintético do THC, mas com potência superior) ajudam a reverter quadros psicóticos em modelos animais (ratos) de esquizofrenia. A seguir, o link para o estudo:

http://journal.frontiersin.org/Journal/10.3389/fphar.2014.00010/abstract

Existem ainda outros estudos (alguns em humanos, mas com um número pequeno de pacientes) em que a esquizofrenia foi tratada com THC apenas. Isso indica que a relação entre a canábis e distúrbios psicóticos é muito mais complexa do que Crippa tem afirmado, propositalmente dando a impressão de que o THC é perigoso, mas o CBD é bom, sozinho.

Eu havia conversado com diferentes famílias com crianças portadoras de epilepsia, e escutei que, em muitos casos, a presença do THC era necessária. Jason David, da Califórnia, conta que seu filho, Jayden, precisa de uma dose de THC superior a 1% para controlar suas crises. Plantas e extratos com doses menores não funcionaram. Contei o caso para o Dr. Crippa, que não se deixou abater com o argumento. Ele respondeu que seria uma questão de aumentar a dose de CBD, não haveria a necessidade do THC. Disse ainda que, no caso de um pai que não tem mais o que fazer, dar o extrato natural era a única alternativa. Nesses casos, era melhor que desse o medicamento impuro mesmo, mas Crippa estava confiante de que poderia fornecer uma alternativa superior com seu CBD isolado sintético.

Ele afirma, em seguida, que o THC não é tão perigoso para adultos e, portanto, também pretende desenvolver medicamentos com THC e CBD combinados para tratar, principalmente, a esclerose múltipla. Ele deixa claro, no entanto, que só quer desenvolver medicamentos “puros”, componentes isolados, nada natural. Apesar de ele ter afirmado que o efeito comitiva não era cientificamente aceito, ele menciona as interações entre o THC e o CBD e como elas podem ajudar o paciente.

A partir daí, Crippa passou a explicar procedimentos e perguntar sobre quais exames eu havia feito. Foi então que compreendi: “Acho que você está me confundindo com alguém, eu não sou paciente, sou jornalista”. Ele notou seu erro: julgando que falava com uma paciente, revelou uma série de informações sigilosas. Um comentário me chamou a atenção: “Bem que eu estranhei, você sabia tanta coisa”. Ele parecia bem consciente da falta de conhecimento de seus pacientes (não os julgo, é difícil mesmo encontrar informações confiáveis quando se trata de canábis) e ao notar que eu sabia um pouco mais passou a usar toda a sua habilidade argumentativa para me convencer de que o seu caminho era o mais indicado, o mais confiável. Talvez por isso advogava contra o THC com aqueles argumentos batidos.

Tentou então medir o estrago: “De que veículo você é?”. Expliquei que havia trabalhado em um projeto independente (se lembrou então de quem eu realmente era) e que não estava trabalhando pois me mudaria para a Inglaterra no mês seguinte. Achei que ele fosse entrar em pânico e desligar o telefone, mas foi muito educado. Crippa perguntou para qual cidade eu iria, já que ele mesmo fez pesquisas em Londres, me desejou sorte na carreira e, antes de desligar o telefone disse: “Eu falei algumas informações sigilosas para você, achando que era outra pessoa, não fala pra ninguém, tá?”.

Refleti sobre esse último pedido durante vários dias. Como jornalista, há um conflito ético com o qual eu teria que lidar. As informações caíram acidentalmente no meu colo, o que eu faria com elas? Pensei nas repercussões de revelá-las, conversei com algumas pessoas pedindo conselho. O peso de não revelar a estranha conversa, no entanto, parecia maior. Pacientes têm confiado na opinião de médicos, têm colocado suas esperanças na indústria, diversas pessoas foram iludidas a pensar que um medicamento natural era perigoso. Milhares de brasileiros estão sem tratamento hoje, enquanto um remédio eficaz poderia estar plantado em seus próprios quintais, de graça. Enquanto isso, pais perdem seus filhos para convulsões excessivas; famílias perdem entes queridos para o câncer, esclerose múltipla, Aids; pacientes sofrem desnecessariamente dores crônicas que os invalidam.

A decisão da Anvisa favoreceu o caminho mais longo, não necessariamente mais seguro, e mais lucrativo para a indústria. Enquanto a forma natural da canábis estiver proibida, a maior parte da população não terá acesso a esse tratamento. Enquanto as pessoas não tiverem informações sobre o assunto, a erva permanecerá proibida para uso medicinal. Eu não me perdoaria se segurasse informações e favorecesse esse caminho.

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