Em artigo publicado no jornal mexicano La Jornada, e traduzido pelo DAR, antropólogo compara a fuga de Joaquim Guzman, conhecido como El Chapo, com a derrota de Napoleão Bonaparte na batalha de Waterloo: a escapada de Chapo seria o marco cultural e midiático de algo que já vem acontecendo há tempos, a derrota absoluta da guerra às drogas. Como aponta Lominitz, é hora de mudar de rumo!
Claudio Lominitz,
antropólogo e professor da Universidade de Columbia (EUA)
La Jornada
A fuga do Chapo foi o Waterloo midiático em que o Estado mexicano terminu de perder a guerra ao narco. A guerra está perdida já. Agora é preciso assimilar a tragédia dos últimos anos em toda sua dimensão, e mudar de estratégia. Quanto antes, melhor. Há que se passar de uma guerra que não se pôde ganhar a uma política orientada por especialista em saúde pública voltados à minimização dos danos das drogas, irmanada a uma política de sanação do sistema de justiça mexicano, que está ferido de morte.
Em artigo recente publicado em Milênio, Hector Aguilar Camín nos recorda que a guerra ao narco tem em seu “haver” mais mortos que a guerra dos Estados Unidos no Iraque. A um custo assim tão exagerado, há que somar um número desconhecido de feridos, outro enorme de mulheres estupradas, outro de pessoas sequestradas, elevadíssimos gastos em prisões, e muito sofrimento nelas, frequentemente por pessoas que podem ser inocentes, o que são culpados de crimes menores. Por outra parte, num artigo recente em El Financiero, Eduardo Guerrero menciona que o gasto com prisões de segurança máxima no México em 2013 foi de 17 bilhões de pesos [cerca de 3,4 bilhões de reais], o que se traduz em quase 750 mil pesos [150 mil reais] anuais por cada preso. Foi o que custou mandar ao Chapo preso enquanto construía seu túnel.
O preço da guerra contra o narco em seu conjunto não é menos exagerado. A revista Forbes publicou, em junho de 2014, que em 2013 a guerra havia custado mais de 172 bilhões de dólares [cerca de 538 bilhões de reais] – o dobro da dívida externa do México, e 9,4 por cento do PIB. Nesse mesmo ano o México gastou 6,2 por cento do PIB em educação, segundo a OCDE, e também um pouquinho acima de 6 por cento do PIB em saúde, segundo o Banco Mundial.
Mais de cem mil mortos (se damos os desaparecidos por mortos) e mais dinheiro anual que o que se dedica à saúde e à educação. E tudo para que? Em lugar de reduzir, o consumo de drogas aumentou no México, as vezes de maneira importante. Tampouco parece haver se detido a exportação de drogas como heroína e meta-anfetamina aos EUA. Ao contrário, hoje há no país vizinho uma epidemia de uso de heroína feita no México, e se calcula que 90% das meta-anfetaminas que se consomem lá venham do México (fabricadas com químicos precursores importados da China).
Por outra parte, os pobres que são usuários – e que são cada vez mais – estão sendo tratados em sua maioria em instituições semiclandestinas conhecidas como “anexos”, que não cumprem com a normativa da Secretaria de Saúde pela simples razão de que não têm recursos econômicos para cumpri-la: os anexos se mantém com doações de familiares dos usuários, que em sua maioria são pobres. Segundo estudiosos, há apenas 65 centros de tratamento residenciais certificados no Distrito Federal, e entre mil e quatro mil “anexos” (não certificados, mas necessariamente tolerados”, onde as famílias pobres ou de classe média baixa pagam para manter presos e em tratamento a seus dependentes. Que classe de apoio les brinda a política supostamente antidrogas do Estado mexicano? Nenhuma.
A guerra ao narco foi um fracasso. Mas, ademais, com o episódio do Chapo se pode falar já de uma franca derrota. Por que? Vejamos. Nos últimos meses as forças armadas do México receberam críticas, cada vez mais fortes, por abusos de direitos humanos. As matanças de Tlatlaya e de Tanhuato puseram as forças armadas na defensiva quanto a seus métodos.
No número de julho da revista Nexos, Catalina Pérez Correa, Carlos Silva e Rodrigo Gutiérrez apresentam cifras bastante perturbadoras sobre a letalidade dos enfrentamentos entre Exército e narcos. Os autores constroem um índice para medir a letalidade dos enfrentamentos entre 2008 e 2014 porque “em um contexto de impunidade generalizada, e à falta de instituições de procuração de justiça que detectem e investiguem esses casos eficazmente, surge a necessidade de construir indicadores que permitam a avaliação do uso legítimo e proporcional da força letal por parte dos distintos corpos de segurança”. Os autores mostram, a partir de dados oficiais, que a razão de feridos de morte nos enfrentamentos entre a Polícia Federal, o Exército e a Marinha e grupos de civis (supostamente narcotraficantes) preocupa: há muito mais mortos por enfrentamento que feridos. Essa situação coloca as forças armadas em uma situação de vulnerabilidade social e política – podem ser investigados ou submetidos a severas críticas por abusos de direitos humanos, ou por perpetrar matanças.
E é aqui onde entra, como estímulo, a fuga do Chapo – que segue, há que se recordar, a episódios em que juízes soltaram narcos tão importantes como Rafael Caro Quintero e El Menchito. Desde o ponto de vista das forças armadas, vale a pena entregar um narco ao braço civil da justiça? A fuga do Chapo não é acaso um aliciante para matar antes que entregar vivo a qualquer narco que se considere perigoso? A fuga do Chapo – que revela uma fratura de verdade profunda no sistema de procuração de justiça – coloca as forças armadas e a Polícia Federal em um verdadeiro dilema: estão agora mais que nunca sob atenção por episódios como Tlataya, Apatzningán e Tanhuato, mas ja sabem de sobre que a justiça civil é totalmente inútil. As forças armadas não poderão seguir matando sem pagar um custo político. Mas tampouco podem entregar suspeitos de genuína periculosidade sem que saiam pela porta da frente, como saiu Caro Quintero, ou por uma mais estreita, como saiu agora o Chapo. Não há base para crer em uma reforma no sistema judicial que funcione a curto prazo. Em outras palavras, a guerra já foi perdida.
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