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Agosto 03, 2015

A Caravana 43 Sudamérica de México à São Paulo

Le Monde Diplomatique

Depois de passar por Córdoba, Buenos Aires e Montevidéu, os familiares e sobrevivente chegaram à São Paulo onde se encontraram, entre outros, com o movimento Mães de Maio e os Guaranis da aldeia Tenondé Porã.

por Ernenek Mejía

 

Entre os meses de maio e junho de 2015, três pais e um aluno representantes dos  quatro estudantes assassinados e 43 desaparecidos no dia o 26 de setembro de 2014 pela polícia municipal de Iguala, Guerrero, realizaram na Argentina, Uruguai e Brasil a Caravana 43 Sudamérica. A mobilização ocorreu com o objetivo de divulgar sua luta pela aparição com vida de seus filhos e colegas, por justiça pelos assassinados, para denunciar o desprezo do governo mexicano e buscar laços com movimentos e pessoas que vivem na própria pele os crimes e a violência de Estado.¹

As caravanas no México, uma luta contra os números e o silêncio

A atual violência que vive o México começou em 2006 quando o então presidente Felipe Calderón aceitou a política antidrogas dos EUA e declarou a guerra contra o narcotráfico deixando, durante os seis anos do seu governo, aproximadamente 25 mil desaparecidos e 80 mil execuções.

O estado de sítio, os enfrentamentos armados, a falta de informação nos meios de comunicação, o ocultamento pelas autoridades de mortos e desaparecidos, a violência contra a população cometida tanto pelo narcotráfico como pelos policiais, criaram um ambiente de medo no qual a sociedade civil permaneceu imóvel. Até que, em março de 2011, assassinaram o filho do poeta e jornalista Javier Sicília que, devido ao acontecido, convocou a população para participar de uma caravana nacional pela paz porém, não era qualquer paz mas uma com justiça e dignidade.

A caravana organizada por Sicília conseguiu que as vítimas da violência se tornassem públicas, exigindo do governo o esclarecimento dos assassinatos, o fim das estratégias de guerra e da presença militar nas ruas, o combate a impunidade e a corrupção, a resolução da desigualdade que gera o narcotráfico e a criação de políticas emergenciais dirigidas aos jovens.

Assim, a empreitada de Sicília se transformou no Movimento pela Paz com Justiça e Dignidade e conseguiu, com o apoio de outros atores da sociedade civil, em 2012, a Lei Geral de Vítimas na qual se legislou para dar um trato digno às vítimas, evitar sua revitimização, garantir a participação nos processos judiciais, acesso a informação e a criação de um Registro Nacional de Vitimas. Ainda assim, Enrique Peña Nieto que substituiu Felipe Calderón no comando do país, manteve a política de segurança nacional, ampliando os números do governo anterior com 10 mil desaparecidos e 40 mil execuções.

Nesses 8 anos de violência inclusive os números oficiais são inquietantes. A Comissão Nacional de Direitos Humanos do México reconhece 2.443 casos de desaparições forçadas com evidência de participação de agentes do Estado, um número seis vezes maior do que o reconhecido oficialmente para a ditadura brasileira e bastante próximo à realidade da ditadura chilena.

 

Narcotráfico, Estado e desaparição forçada política

A morte de 4 estudantes e a desaparição de outros 43 da Escola Normal Rural Raúl Isidro Burgos de Ayotzinapa chocou o México. Era mais um exemplo da violência causada pela política de segurança nacional, que agora atingia aos estudantes de magistério de regiões rurais pobres do país, uma opção educativa para pessoas sem recursos, com uma longa tradição de formação crítica e onde estudaram personagens históricos da esquerda mexicana como Lucio Cabañas.

A complexidade dos fatos é percebida através dos relatos dos sobreviventes que identificam a polícia municipal e o exército como os agressores. As duas corporações são reconhecidas como corrompidas pelo narcotráfico, mas também como partícipes na região, entre as décadas de 1960 e 1980, da “Guerra Sucia” de contra insurgência e contra os movimentos de esquerda que deixou no país 700 casos de desaparições forçadas por motivos políticos em esse período.

As informações de que durante a desaparição dos estudantes eles estavam sendo monitorados por órgãos federais de inteligência ou que o último sinal do GPS de um dos telefones celulares dos estudantes desaparecidos foi desde dentro do 27 Batalhão de Infantaria parece apenas confirmar o que a população já sabe.

Mas o quadro aponta para um tema ainda mais relevante: a relação entre o narcotráfico e o Estado mexicano, denunciada pela Caravana 43 Sudamérica, por meio da qual o Estado opera para os interesses das corporações do narcotráfico enquanto que elas operam a violência que o Estado não pode mobilizar legalmente para aplicar seus projetos neoliberais. Assim é o narcotráfico quem expulsa, ameaça e assassina a quem se opõem ao governo. É por isso que a morte de 4 estudantes e a desaparição dos 43 configura, como tantos outros casos existentes no México atual, um crime de Estado, que já está sendo avaliado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

 

As caravanas dos 43, somar e compartilhar

Como a caravana zapatistas de 2001, que buscava pressionar o governo para cumprir os acordos assinados com os indígenas; a de Sicília, que visibilizou a violência da guerra contra o narcotráfico; e outras caravanas que foram levadas a cabo em território mexicano, os pais e colegas dos 43 alunos da escola de Ayotzinapa, frente a falta de respostas, reuniões canceladas, manipulação de informação e provas e intenção do governo de fechar o caso, saíram do estado de Guerrero em mais uma caravana, para se encontrar com pessoas e organizações no México e no mundo que se solidarizam nas Ações Globais por Ayotzinapa.

A primeira dessas mobilizações aconteceu em novembro de 2014 quando a Caravana Nacional pelos 43 saiu para visitar o norte e o sul do país e comunicar que mantinham o objetivo de encontrar com vida os desaparecidos.

Entre março e abril de 2015 estiveram nos Estados Unidos onde se encontraram com ativistas afro-americanos da cidade de Ferguson para falar sobre a violência de Estado; conversaram com mães indígenas americanas que como muitas das famílias dos 43, reivindicam seus direitos como populações originarias; em Nova York foram recebidos pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos e realizaram manifestações na ONU; em Washington, frente à Casa Branca, exigiram o fim do “Plan Merida” que obriga o México adotar a política norte-americana antidrogas.

Entre abril e maio, visitaram 19 países da Europa onde questionaram os acordos de cooperação em segurança e armamento entre a UE e o México e se manifestaram frente ao Instituto de Medicina Forense da Universidade de Innsbruck, para onde o governo mexicano enviou ossos encontrados em fossas clandestinas para verificar, sem êxito, se os restos eram dos estudantes.

Solidariedades na própria pele

No último mês de maio Hilda Hernández e Mario González, pais do desaparecido César González; Hilda Legideño, mãe do desaparecido Jorge Tizapa; e Francisco Sánchez, um dos sobreviventes do ataque policial, iniciaram a caravana pela América do Sul. Depois de passar por Córdoba, Buenos Aires e Montevidéu chegaram à São Paulo onde se encontraram, entre outros, com as Mães de Maio e os Guaranis da aldeia Tenondé Porã.

No evento realizado com o movimento Mães de Maio, a mãe de Ricardo Gama, Elvira da Silva, contou para os pais mexicanos como a polícia levou e torturou seu filho e dois dias depois voltou para assassiná-lo. Débora da Silva ressaltou a existência de uma “guerra não declarada contra a periferia” e uma “política de extermínio de Estado” no Brasil, a qual “é uma faxina étnica e da pobreza” que os levou a criar as Mães de Maio.

Os pais do México narraram como seus filhos foram atacados pela polícia municipal de Iguala em cumplicidade com o exército, reclamaram como o governo não quer procurá-los, e acusaram as autoridades de maltratá-los “por ser gente humilde.

O estudante Francisco Sánchez advertiu que “não é possível viver assim” e afirmou que o México se tornou “uma ditadura”. Débora da Silva acolheu a indignação e acusou o Estado como o causador do desparecimento desses jovens demandando “outro Estado, porque este não tem remédio”. Sobre isso a mãe Hilda Hernández se comprometeu “a lutar pelas Mães de Maio desde o México”, enquanto pediu que os brasileiros lembrassem sempre que “faltam 43”.

No dia seguinte, a Caravana se dirigiu para a aldeia Tenondé Porã, localizada no extremo sul da capital paulista, onde foram recebidos pelos Guarani para compartilhar a palavra na Casa de Reza. Os cantos e danças deram lugar a “falas” nas que Verá-Mirim, o cacique, disse aos pais que “compartilhava sua dor”. Hilda Legideño contou o difícil que era não saber o paradeiro de seu filho. O jovem Karaĩ Tataendy explicou aos pais estrangeiros que eles lutam por seus “direitos tradicionais baseados na terra” porque querem que seus “filhos e netos possam viver aqui por muitos anos”, afirmando que escultá-los o fez sentir um “momento de muita tristeza”. Mario González achava, antes da realização das viagens pela América do Sul: “que éramos os únicos aos que reprimiam, aos que deslocavam das terras, aos que desapareciam, mas não”.

O velho Karaĩ Mirĩ apreciou a chegada dos mexicanos à aldeia porque “os anciãos e até o mais novos compartilham sua dor” e afirmou que o acontecido era porque “os governantes fazem as coisas para seu benefício” e que “maltratam a terra, destroem a floresta, fazer estradas e abrem minas para seu proveito”. Por isso pedia para “Ñanderu dar força para vocês e seus filhos”.

Durante a despedida, Karaĩ Tataendy afirmou: “andamos juntos”, e disse que “uma das piores coisas que pode acontecer é não saber onde estão seus filhos. Se foram mortos, se foram torturados em algum lugar”, assim chamou seu pequeno filho para presentear aos pais mexicanos com uns colares que “fortalecem as lutas”, o que foi seguido da fumaça do cachimbo que Verá-Mirim espalho entre os pais para ajudar no seu caminho, reiterando que pediria na Casa de Reza para que Ñanderu “tome conta de vocês, e ajude na busca de seus familiares desaparecidos e no seu bem-estar”.

De São Paulo os pais foram para Rio de Janeiro onde se encontraram com outros coletivos e pessoas que vivem na própria pele os crimes de Estado. Uma caravana que buscava, como defendeu Francisco Sánchez em quase todas suas intervenções, “globalizar a luta”. No dia 13 de junho a Caravana 43 por Sul América voltou ao México para apoiar o boicote as eleições e aos partidos, pois acreditam que eles legitimam um Estado que dirige sua violência de forma seletiva aos mais pobres e aos de mais abaixo e não estão dispostos a que continue assim.

Ernenek Mejía

Ernenek Mejía é antropólogo mexicano, trabalha como a temática indígena no México e no Brasil. Atualmente é doutorando em antropologia pela UNICAMP, Brasil.
Foto: Ernenek Mejía

1 – Em colaboração com o Colectivo de Cobertura Caravana 43 Brasil e com informação de Armando Carmona.

http://movimientoporlapaz.mx

http://caravana43sudamerica.org/

http://www.caravana43.com

https://sulugarlosespera.wordpress.com/

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