O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta quinta-feira (20) a favor da descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal. O julgamento foi interrompido em seguida, com o pedido de vista do ministro Edson Fachin, e não há previsão para quando o tema voltará a ser analisado.
Ao votar a favor da descriminalização, Mendes considerou que o artigo da Lei Antidrogas que define o porte como crime contraria a Constituição, pois, além de afetar a intimidade do usuário, não garante a proteção da saúde coletiva e a segurança pública.
Relator da ação sobre o assunto no STF, Mendes foi o primeiro a votar num processo que pretende derrubar a condenação de um homem que assumiu a posse de 3 gramas de maconha. A decisão final, que será aplicada para todos os casos semelhantes, ainda depende do voto dos outros 10 ministros da Corte.
Ao pedir vista, o ministro Edson Fachin afirmou precisa de mais tempo para analisar a questão. Ainda não há previsão para retomada do julgamento.
Atualmente, embora não seja condenada à pena de prisão, uma pessoa considerada usuária ou dependente de drogas cumpre as chamadas “penas alternativas”: leva uma advertência, é obrigada a prestar serviços à comunidade por certo perÃodo ou a comparecer a programa ou curso educativo.
Medidas de natureza civil e administrativa
Em seu voto, Mendes propôs retirar a “natureza penal” dessas medidas, que teriam apenas “natureza civil e administrativa”. Assim, uma pessoa flagrada com drogas seria somente notificada a comparecer diante de um juiz para que ele determine quais dessas medidas que iria cumprir.
Já no caso de uma pessoa flagrada vendendo drogas, suspeita de tráfico, só poderia ficar presa preventivamente (antes da condenação, por tempo indeterminado) se for “imediatamente” apresentada ao juiz.
O STF (Supremo Tribunal Federal) adiou mais uma vez o julgamento da descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal. A sessão, retomada nesta quinta-feira (20), foi suspensa depois que o ministro Edson Fachin pediu vista do processo, alegando que precisava de mais tempo para analisar o caso.
O julgamento teve inÃcio hoje com a fala do ministro relator do caso, Gilmar Mendes, que votou pela inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343, de 2006. Segundo ele, a repressão ao consumo não se mostra eficiente como polÃtica de combate ao tráfico de drogas e paÃses que adotaram modelos menos rÃgidos não apresentaram aumento no consumo. “O dependente de drogas e até mesmo o usuário não dependente estão em situação de fragilidade e devem ser tratados com polÃticas de reinserção social”, afirma.
Além de Mendes, já haviam sido ouvidos 11 representantes de entidades que manifestaram interesse em se posicionar sobre o tema, além da Defensoria Pública, do Ministério Público de São Paulo e da Procuradoria-Geral da República.
O defensor público de São Paulo Rafael Munerati, que defendeu a descriminalização do porte, afirmou que o Brasil precisa buscar alternativas para combater as drogas para além do poder repressivo do Estado. Ele citou vários paÃses da América do Sul, como Uruguai e Argentina, que descriminalizaram o porte de droga com base na tese de que criminalização ofende o princÃpio da violação de intimidade. “Não se tem notÃcia de que a Argentina tenha se tornado um paÃs de drogados ou que tenha ocorrido movimentos migratórios para o consumo de drogas naquele paÃs”, afirmou.
Já o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, defendeu que o consumo de drogas não afeta apenas o usuário, mas a sociedade. Segundo ele, a descriminalização das drogas institucionalizará o “exército de formigas” de dependentes. “É preciso ter muito cuidado, porque estamos falando dos nossos jovens, da juventude brasileira.”
O caso foi levado até o tribunal pela Defensoria Pública de São Paulo, a partir do flagrante de um mecânico já preso que teve a pena ampliada por carregar consigo três gramas de maconha durante uma revista. No entender da Defensoria, o porte de drogas, tipificado no Artigo 28 da Lei 11.343, de 2006, não pode ser considerado crime por não prejudicar terceiros.
“O Direito Penal não pode ser ativado em casos de autolesão, em que a conduta pessoal não interfere em direitos alheios”, afirma o defensor Leandro Castro Gomes, 31, da Defensoria de Taubaté. “[A mudança na lei] vai conferir segurança jurÃdica ao determinar o quanto a pessoa pode portar sem ser crime, e isso deve ter um reflexo muito grande no encarceramento, que tem aumentando muito com relação ao tráfico de drogas.”
A mudança na Lei pode acarretar uma mudança no perfil dos presos no Brasil. Um estudo realizado pela socióloga Juliana Carlos com base no número de pessoas presas em flagrante em São Paulo por crimes relacionados à Lei Antidrogas defende que se fosse aplicado no paÃs o critério espanhol, 69% dos presos por tráfico de maconha estariam livres. Caso fosse aplicada a lei dos Estados Unidos, 34% dessas pessoas não teriam sido presas.
Segundo o Ministério da Justiça, de um total de 607 mil presos no paÃs, 27% estão relacionados à Lei Antidrogas.
Atualmente, 96 ações em todo o paÃs com teor semelhante aguardam uma definição do Supremo sobre o caso. O processo começou a tramitar em 2011.