Substituição de Vitore Maximiano por Luiz Guilherme Mendes de Paiva no comando da SENAD aparenta ser troca de “seis por meia dúzia” e sinaliza para permanência do lobby das comunidades terapêuticas
COLETIVO DAR
Após dois anos no comando da SENAD, Vitore Maximiano não é mais o Secretário Nacional de Políticas sobre Drogas, órgão ligado ao Ministério da Justiça. Escalado para resolver os problemas relacionados ao financiamento de comunidades terapêuticas, o defensor público realizou uma gestão pacificadora.
Desde que assumiu a função, Maximiano demonstrou estar em uma missão mediadora: convencer as comunidades terapêuticas e sua bancada parlamentar de que a parceria proposta pela então ministra da Casa Civil Gleisi Hoffman era real. Para isso disse claramente o que iria fazer e fez. Através de contratos e convênios destinou uma PUTA verba para estas entidades (os números não são fáceis de ler em relação a quanto já foi “empenhado”, “liquidado” e pago de fato para as comunidades terapêuticas – se alguém souber, nos avise =).
O agora ex-secretário assumiu uma gestão pressionada para realizar a tarefa. O compromisso era “de honra” segundo Mauro Roni, coordenador do Fundo Nacional Antidrogas (FUNAD) do início ao fim da gestão Vitore. Reportagens da época, em um episódio raro de esforço para a cobertura do tema, mostram em ordem cronológica um pouco o período em que Maximiliano assumiu:
De certa maneira é possível observar que o problema das parcerias com as comunidades terapêuticas estava arrastando-se desde o início da gestão anterior, da Secretária e médica Paulina Duarte. Mecanismos de controle dos repasses vinculados aos municípios dificultaram contratação de comunidades que não se enquadravam nos requisitos mínimos necessários dos Editais. A pressão em cima da Secretária durou bastante tempo e pode ser vista em uma audiência pública do Senado de 2011. A retenção da verba prometida virou um problema, outro secretário uma solução: Paulina Duarte deixou o caminho pavimentado, como se pode ver em apresentação ainda em 2013 ao Congresso Freemind ” um conclave de comunidades terapêuticas, federações, confederações…
Outras tarefas igualmente menos nobres apresentaram-se pelas circunstâncias do momento: a promessa de campanha de “combate ao crack” e um projeto de lei que corre no Legislativo que prometia alterações substanciais se aprovado, como a volta da criminalização do usuário e a internação compulsória. Maximiliano assumiu a SENAD em plena execução do Plano Crack é Possível Vencer. O Plano integrado previa a participação de um conjunto de Ministérios dedicados a “resolver” o problema do crack. Da SENAD esperou-se que cumprisse a missão dada de garantir essa parceria com as comunidades terapêuticas. A maior parte das outras ações do Plano foram realizadas pela Secretaria Nacional de Segurança Pública, também vinculada ao Ministério da Justiça, pelo Ministério da Saúde e pelo Ministério do Desenvolvimento Social.
Logo no início de sua gestão o acordo com as comunidades terapêuticas foi questionado pelos Centros Regionais de Referência sobre Drogas (CRRs). Em manifesto divulgado solicitando uma reunião com o Ministro Cardozo (não temos relatos se a solicitação foi atendida – outra informação que se for enviada para coletivodar@gmail.com completaremos), os CRRs cobraram investimento no sistema público de atendimento. O contrário do que a SENAD promovia.
Parte do problema em sustentar o financiamento de entidades privadas a partir de um Fundo de recolhimento nacional é encontrar as brechas corretas na Lei da Administração Pública e suas Leis de Licitações, eteceteras, para realizar tal manobra. O financiamento público direto como é realizado pela SENAD é uma exceção, digna de ser caracterizada como uma aberração.
A primeira avaliação do desempenho das ações planejadas para o Plano Crack é possível Vencer já aparece em 2012 crítica. O TCU avaliou em Auditoria diversos aspectos da Política de Drogas e chegou a algumas conclusões:
A SENAD apresentava, e apresenta até hoje, fragilidade institucional que ajuda a compreender o cenário crítico que se encontra. Desde 2011, passando por 2012, e até em 2013 é possível identificar que a Secretaria não conta com estrutura equiparável aos objetivos ditados pela Lei 11.343 que institui o Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas, por falta de planejamento e por falta de recursos humanos.
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A gestão de Maximiliano foi marcada pela consolidação das parcerias com as comunidades terapêuticas e pela habilidade em, diante de um ambiente hostil, pacificar as intensas críticas a esta opção política. Dentro do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (CONAD) Vitore conduziu o processo de Regulamentação destas entidades. Foi o responsável por ditar o ritmo do processo, por vezes recusando solicitações de outros Conselhos ou abrindo para “consulta pública” para coletar sugestões. Chamou diversos “setores” para “ouvir” as considerações. Houve até um Grupo de Trabalho responsável por elaborar uma Minuta. Porém as decisões foram tomadas no ambiente de seu gabinete, sem a participação do Conselho, mas com apoio do Ministro Cardozo. Apesar de publicada em Diário Oficial a Resolução do CONAD que regulamenta as comunidades terapêuticas é contestada inclusive pelo Ministério Público Federal. Veja as manifestações, pareceres e posicionamentos de entidades sobre a regulamentação das comunidades terapêuticas.
Os problemas e as violações de direitos encontrados com frequência em comunidades terapêuticas parecem não ter comovido os responsáveis pela fiscalização e monitoramento das ações da SENAD. Como vimos antes, desde 2012 já se sabe por conta do Relatório do TCU que tanto o modelo de repasse como a fiscalização eram pontos críticos, quiçá determinantes, para a continuidade ou não da parceria política. Incapaz de fiscalizar e monitorar a aplicação de seus recursos a SENAD e seus responsáveis apresentam fragilidade na capacidade de gestão, avaliação e monitoramento dos projetos que estão implementando.
Na tentativa de proteger-se no final de 2014 a SENAD lança uma portaria que indica objetivamente critérios de avaliação para controle dos repasses. É uma resposta esperada diante das determinações do TCU e representa a criação de controle mínimos para um sistema que era inexistente.
Em 2015 ocorreu o que se esperava diante de um cenário como este: uma comunidade terapêutica com contratos com a SENAD havia sido fiscalizada pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate a Tortura (MNPCT ) e diversas recomendações estavam direcionadas à Secretaria. Era o primeiro caso público de violação de direitos dentro de uma entidade que mantinha contrato vigente. Diversas outras comunidades foram denunciadas em outros momentos e os casos aumentam de acordo com novas denúncias, porém apresentam financiamentos próprios ou diretamente com municípios. Para este caso envolvendo a visita do MNPCT em comunidade no Distrito Federal, a SENAD rompeu o contrato.
Durante o período como Secretário, Vitore Maximiano participou de congressos, representações, reuniões, e deve ter participado de muito eventos públicos. Como figura pública ele sabe cumprir seu papel, tem fala articulada e frisa com propriedade os conceitos mais relevantes para a plateia ouvinte. Tem muitas características esperadas de um profissional da política, inclusive a discrição: sua gestão acabou e nada se sabe sobre o que motivou sua saída. A nota que informa a transição destaca que a secretaria manterá a mesma perspectiva, agora com Luiz Guilherme Mendes de Paiva. Saiu também Mauro Roni da Diretoria de Contencioso e Gestão do FUNAD, substituído por Maria Rosa Guimarães Loula.
Vitore deixa uma Secretaria cujas atribuições são confusas e como vimos conflitantes com atribuições realizadas por outras Secretarias e até Ministérios. De diversas maneiras as comunidades terapêuticas, financiadas e não financiadas pela SENAD, são reconhecidas como parte da Rede de Atendimento Psicocossial, uma das redes de atendimento oferecidas pelo SUS em conjunto com o SUAS. A RAPS tem como um dos seus objetivos articular diversos equipamentos. Encontra-se em Portarias, materiais didáticos oficiais e basta perguntar para qualquer trabalhadora desta Rede: as comunidades terapêuticas fazem parte da oferta pública de equipamentos para usuários com problemas relacionados ao uso de substâncias psicoativas.
Se na dimensão do vulgo “tratamento” a SENAD disputa espaço no ambiente do Ministério da Saúde, pouco sobra para ser disputado na dimensão “repressão”. Com implacável eficiência a repressão violenta à crimes relacionados às drogas – produção, transporte, venda – mantém-se sob a tutela da Polícia Federal, Policias militares, civis, rodoviárias, navais, milicos sanguinários em geral buscando invasores de fronteiras, inimigos internos, e todo o tipo de inadaptado à sociedade. Pretos e pobres, ao ~resistirem~, inclusos. A transformação das condutas hoje classificadas como ilegais e hediondas em condutas legais não é uma pauta da agenda política.
A gestão de Maximiano termina silenciosa. A SENAD continua financiando vagas em entidades privadas através de contratos diretos e convênios. As comunidades terapêuticas continuam, conquistam mais espaço e almejam Certificações Beneficentes, acessos a outros Fundos de financiamento, resultado de lobby de primeira. As violações permanecem.