• Home
  • Quem somos
  • A razão entorpecida
  • Chame o DAR pra sua quebrada ou escola
  • Fale com a gente
  • Podcast
  • Quem somos
  • A razão entorpecida
  • Podcast
  • Chame o DAR pra sua quebrada ou escola
  • Fale com a gente
Outubro 22, 2015

Sentença de morte para mulheres

Mariliz Pereira Jorge

Segurei a mão da mãe de Clara quando percebi que ela já não ouvia o que eu falava. Tentei por um tempo distraí-la com assuntos banais. Estávamos sentadas num café, enquanto sua filha fazia um aborto numa clínica ali perto. Então, ela chorou, nos abraçamos. “Não queria que ela passasse por isso”, disse.

Três horas depois, Clara saía da clínica, saudável, com a única recomendação de ficar em repouso por alguns dias. As enfermeiras foram gentis, o local era limpo, todo o procedimento seguro.

Isso aconteceu há mais de 10 anos. Isso aconteceu na Austrália, onde o aborto é legal desde os anos 1970. Clara passou os dias seguintes triste, mas aliviada por se libertar de um relacionamento com um homem que era doce e romântico e se revelou violento depois do casamento. “Ele jamais me deixaria ir embora se tivéssemos um filho. Ou tiraria a criança de mim. Foi difícil, mas não tinha outra opção.”

Lembrei-me dessa história ontem quando vi que a Comissão de Constituição e Justiça aprovou projeto que dificulta o aborto legal em todos os termos e também pune a venda de abortivos. Todos esses absurdos ainda têm que ser avalizados pelo plenário da Câmara e pelo Senado.

Se Clara, minha amiga, vivesse neste Brasil medieval com o que damos de cara em 2015, ela, a enfermeira, o médico, talvez sua mãe e até eu mesma fôssemos presas. Ela, por ter decidido interromper uma gravidez indesejada, e nós por termos apoiado e dado assistência a um mulher em seu pleno direito de decidir por sua vida e seu corpo.

No Brasil, para os nobres deputados, encabeçados por Eduardo Cunha, de quem (surpresa!) é o projeto, as mulheres não têm esses direitos. Elas têm que se submeter a leis criadas por pessoas que legislam baseadas em interesses e crenças próprias, que colocam sua vontade e suas ideias retrógradas acima do direito individual.

O que esperar de um deputado que está mais interessado em meter o bedelho em votar questões como a definição do que é família e se as mulheres podem ou não interromper uma gravidez, do que explicar como sua própria mulher gastou 60 mil dólares em aulas de tênis com dinheiro de propina?

Esse projeto é de uma imbecilidade por acreditar que criminalizando ainda mais a questão do aborto se resolverá a questão. Claro, senhor deputado, uma mulher que engravidar sem planejamento vai levar a gravidez adiante apenas por medo de ser presa. O senhor realmente acredita nisso?

Esse projeto é uma ameaça à sociedade e não uma lei para protegê-la. É uma imoralidade tirar dos profissionais de saúde o direito de dar informação a uma mulher que não quer gestar uma criança ou prestar atendimento a uma que corra risco de morte, sob ameaça de cana.

E o que dizer da obrigação de se provar por A + B que foi vítima de violência? Claro, deputado, o senhor deve imaginar que é muito simples uma mulher ser violentada, humilhada, machucada física e moralmente e ainda ter que se submeter a um exame de corpo delito, que nesse momento pode ser mais uma violência, e ainda entrar numa delegacia para provar que aconteceu tudo isso, pelo direito de não colocar no mundo a prova que o senhor quer.

Mulheres, em sua grande maioria, sonham em ter filhos. Nenhuma planeja um aborto como algo trivial em sua vida. É uma decisão difícil, dolorosa, que deixa marcas psicológicas, mas que pode evitar muito mais tristeza, dor e frustração no futuro.

O que esses deputados querem é marginalizar a mulher, principalmente a miserável. Para muitas delas, que vão continuar abortando sem segurança e assistência, essa lei é uma sentença de morte. Clínicas clandestinas sofisticadas vão continuar por aí. Quem tem dinheiro, deputado Cunha, sempre dá um jeito. O senhor deveria saber.

Independentemente da conta no banco, nenhuma mulher merece ser tratada como criminosa porque um bando de deputados dinossauros acha que sim. Uma mulher que se encontra numa situação dessa tem que ser cuidada, orientada, amparada em qualquer que seja sua decisão.

É o que dizem por aí: é contra o aborto? Não aborte. Digo mais: não se meta, não opine, não interfira na vida dos outros. Vocês deputados e todas as pessoas que se posicionam contra o aborto vão continuar com as mãos lavadas de sangue das milhares de mulheres que morrem todos anos por causa de abortos mal sucedidos.

Eu nunca fiz um aborto. Não sei se faria, mas não cabe a mim, nem a ninguém decidir por outros. Uma amiga me pediu apoio e eu estava lá apenas para confortá-la.

Hoje, Clara vive no Brasil, é casada, tem dois filhos e é feliz. “Tudo teria sido muito diferente e pior, se não tivesse a opção de abortar.”

Tudo é diferente e será ainda pior para milhares de Claras, Joanas, Marias, Carolinas que vivem no Brasil de 2015, se essa lei for aprovada. Por causa de deputados fundamentalistas, que são a cara de boa parte de um Brasil hipócrita, elas estão sujeitas a parar na cadeia ou morrer em açougues disfarçados de clínicas

Comments

comments

Nos ajude a melhorar o sítio! Caso repare um erro, notifique para nós!

Recent Posts

  • NOV 26 NÓS SOMOS OS 43 – Ação de solidariedade a Ayotzinapa
  • Quem foi a primeira mulher a usar LSD
  • Cloroquina, crack e tratamentos de morte
  • Polícia abre inquérito em perseguição política contra A Craco Resiste
  • Um jeito de plantar maconha (dentro de casa)

Recent Comments

  1. DAR – Desentorpecendo A Razão em Guerras às drogas: a consolidação de um Estado racista
  2. No Grajaú, polícia ainda não entendeu que falar de maconha não é crime em No Grajaú, polícia ainda não entendeu que falar de maconha não é crime
  3. DAR – Desentorpecendo A Razão – Um canceriano sem lar. em “Espetáculo de liberdade”: Marcha da Maconha SP deixou saudade!
  4. 10 motivos para legalizar a maconha – Verão da Lata em Visitei um clube canábico no Uruguai e devia ter ficado por lá
  5. Argyreia Nervosa e Redução de Danos – RD com Logan em Anvisa anuncia proibição da Sálvia Divinorum e do LSA

Archives

  • Março 2022
  • Dezembro 2021
  • Setembro 2021
  • Agosto 2021
  • Julho 2021
  • Maio 2021
  • Abril 2021
  • Março 2021
  • Fevereiro 2021
  • Janeiro 2021
  • Dezembro 2020
  • Novembro 2020
  • Outubro 2020
  • Setembro 2020
  • Agosto 2020
  • Julho 2020
  • Junho 2020
  • Março 2019
  • Setembro 2018
  • Junho 2018
  • Maio 2018
  • Abril 2018
  • Março 2018
  • Fevereiro 2018
  • Dezembro 2017
  • Novembro 2017
  • Outubro 2017
  • Agosto 2017
  • Julho 2017
  • Junho 2017
  • Maio 2017
  • Abril 2017
  • Março 2017
  • Janeiro 2017
  • Dezembro 2016
  • Novembro 2016
  • Setembro 2016
  • Agosto 2016
  • Julho 2016
  • Junho 2016
  • Maio 2016
  • Abril 2016
  • Março 2016
  • Fevereiro 2016
  • Janeiro 2016
  • Dezembro 2015
  • Novembro 2015
  • Outubro 2015
  • Setembro 2015
  • Agosto 2015
  • Julho 2015
  • Junho 2015
  • Maio 2015
  • Abril 2015
  • Março 2015
  • Fevereiro 2015
  • Janeiro 2015
  • Dezembro 2014
  • Novembro 2014
  • Outubro 2014
  • Setembro 2014
  • Agosto 2014
  • Julho 2014
  • Junho 2014
  • Maio 2014
  • Abril 2014
  • Março 2014
  • Fevereiro 2014
  • Janeiro 2014
  • Dezembro 2013
  • Novembro 2013
  • Outubro 2013
  • Setembro 2013
  • Agosto 2013
  • Julho 2013
  • Junho 2013
  • Maio 2013
  • Abril 2013
  • Março 2013
  • Fevereiro 2013
  • Janeiro 2013
  • Dezembro 2012
  • Novembro 2012
  • Outubro 2012
  • Setembro 2012
  • Agosto 2012
  • Julho 2012
  • Junho 2012
  • Maio 2012
  • Abril 2012
  • Março 2012
  • Fevereiro 2012
  • Janeiro 2012
  • Dezembro 2011
  • Novembro 2011
  • Outubro 2011
  • Setembro 2011
  • Agosto 2011
  • Julho 2011
  • Junho 2011
  • Maio 2011
  • Abril 2011
  • Março 2011
  • Fevereiro 2011
  • Janeiro 2011
  • Dezembro 2010
  • Novembro 2010
  • Outubro 2010
  • Setembro 2010
  • Agosto 2010
  • Julho 2010
  • Junho 2010
  • Maio 2010
  • Abril 2010
  • Março 2010
  • Fevereiro 2010
  • Janeiro 2010
  • Dezembro 2009
  • Novembro 2009
  • Outubro 2009
  • Setembro 2009
  • Agosto 2009
  • Julho 2009

Categories

  • Abre a roda
  • Abusos da polí­cia
  • Antiproibicionismo
  • Cartas na mesa
  • Criminalização da pobreza
  • Cultura
  • Cultura pra DAR
  • DAR – Conteúdo próprio
  • Destaque 01
  • Destaque 02
  • Dica Do DAR
  • Direitos Humanos
  • Entrevistas
  • Eventos
  • Galerias de fotos
  • História
  • Internacional
  • Justiça
  • Marcha da Maconha
  • Medicina
  • Mídia/Notí­cias
  • Mí­dia
  • Podcast
  • Polí­tica
  • Redução de Danos
  • Saúde
  • Saúde Mental
  • Segurança
  • Sem tema
  • Sistema Carcerário
  • Traduções
  • Uncategorized
  • Vídeos