Há 45 anos, Dock Ellis, o “Muhammed Ali do beisebol”, estava locão e imparável em um jogo do Pittsburgh Pirates: ninguém conseguiu rebater nenhum de seus arremessos
COLETIVO DAR
Quem conhece o mínimo da trajetória de Usain Bolt, Michael Phelps, Diego Maradona (já viram esse vídeo dele dando um tequinho depois de fazer um gol de pênalti?) ou do glorioso time de futebol da Marcha da Maconha SP, o MDMA FC, sabe que esse papo de que as drogas necessariamente prejudicam o desempenho esportivo é uma piada. Mas se alguém tem ainda alguma dúvida, é só procurar pelo nome de DOCK ELLIS, possivelmente o esportista profissional que mais usou drogas – e quase todas! – durante sua carreira e que tem como principal feito ter feito um jogo perfeito sob efeito de LSD. Sim, você leu certo, e a gente pode provar.
Nascido e criado no gueto de Compton, na Califórnia – o mesmo retratado no recém lançado filme Straight Outtta Compton, sobre o grupo de rap N.W.A. – Dock Ellis era uma figura carismática e midiática, sempre disposto a entrar em polêmicas, sobretudo raciais, em um tempo em que a Ku Klux Klan esperava os jogadores negros nas portas dos ônibus e dos hotéis após os jogos. Chegou a ser suspenso por usar bobs nos cabelos em treinos e jogos, pra deixar seu black power mais style e também pra molhar as bolas com suor antes de arremessar.
Essas e outras histórias estão pela internet e também no filme NO NO – A DOCKUMENTARY, disponível no Netflix, um documentário bem feito e cheio de boas imagens e entrevistas mas que descamba pro proibicionismo e pro moralismo no final de um jeito que nos impede de o indicar. Em todas essas fontes vemos que Dock Ellis curtia uma boa festa e uma boa droguinha, de álcool a cocaína, passando por mescalina, LSD, anfetamina. Anos 1970 né? Ele chega a dizer que, em 12 anos de carreira, jogou TODOS os seus jogos sob influência de alguma droga – mesmo assim jogou em grandes equipes, foi campeão em 1971 e também convocado para o All Star Game, o jogo das estrelas.
Segundo as entrevistas do filme, era um momento em que quase 100% dos jogadores da Major League Basebol (MLB), liga profissional dos EUA, tomavam comprimidos de anfetamina (Dexamyl) pra jogar, pois nem proibido era ainda, e uma boa parte também usava cocaína. Em entrevista Dock diz que chegava a fumar maconha e beber durante os treinos! Ah, anos 1970!
E eis que em 12 de junho de 1970 acontece o dia que o inscreveria de vez na história do esporte e dos psicodélicos. Os Pirates chegaram em San Diego no dia 11, e Ellis, dizendo que ia visitar um amigo, voou para Los Angeles, começando a dropar ácido já no voo de ida. Chegando lá, esqueceu da vida e dos problemas até que um membro da equipe liga e avisa que ele já devia estar em San Diego. “Hoje?!?! O que aconteceu com o ontem?”, ele diz ter se perguntado.
Dock pega um avião e chega no aeroporto de San Diego às 16h30, o jogo era às 18h. Ele diz não se lembrar muito do jogo, mas nem precisa, a história e os vídeos estão aí pra contar: Ellis fez um NO-HITTER nesse jogo, ou seja, nenhum jogador conseguiu rebater nenhum de seus arremessos, algo raro e o ponto alto do jogo para um arremessador, que era a posição dele – tanto que ao final da partida ele foi cercado por seus companheiros comemorando e o jogando pro alto como se fosse um título. Desde de 1876 isso aconteceu 294 vezes na liga, uma média de cerca de dois por ano – supõe-se que nenhuma outra vez junto com ácido lisérgico. Abaixo uma animação com ele mesmo narrando essa aventura, e também algumas imagens dele jogando.
Infelizmente durante o filme boa parte da simpatia que é inevitável ter por Ellis se desfaz quando se mostra um outro lado do jogador que não podemos ignorar: ele era um agressor de mulheres. Duas ex-companheiras suas confirmam isso em entrevistas, descrevendo as agressões. Também terminou sua vida – ele morreu aos 63 em 2008 – como militante anti-drogas, cumprindo aquele papel clássico de “ex viciado profissional”.
De fato Ellis teve problemas pessoais sérios pelo uso abusivo de drogas, sobretudo álcool. Além da luta anti-racista e do bom jogador que era, talvez sua trajetória seja rica exatamente por mostrar a complexidade do fenômeno do uso de drogas: pode te ajudar a chegar ao céu de um no-hitter no momento em que você está feliz e bem psicologicamente ou quem sabe agravar o inferno de seus demônios violentos e machistas. Afinal, nada está nas drogas que tomamos, e sim nas pessoas que somos, nos momentos que estamos, nas formas que os vivemos. Bem ou mal, Dock viveu muito, e intensamente. Ah, os anos 1970, que loucura!
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