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Fevereiro 22, 2016

Por que precisamos parar de usar casualmente palavras como ‘bipolar’ e ‘TOC’

Por Hannah Ewens

Vice

Se você disser canguru muitas vezes, isso para de ser um mamífero que tem bolsa e se torna um som. O ang se desconecta do uru, e os formatos que sua boca faz são território estrangeiro. Começa a parecer que você nunca havia dito canguru antes. Saciação semântica é o estudo da repetição — o fenômeno psicológico no qual o eco de uma palavra faz ela perder todo o significado. Há vários estudos curiosos que provam o poder de uma palavra ou a perda desse poder. A linguagem é estranha e instável, mas suas capacidades nunca podem ser subestimadas.

Não lembro a primeira vez que ouvi alguém dizer isso na minha frente. Mas acontece muito e sempre no mesmo tom: “Estou tendo um ataque de pânico sobre isso”, ou “aconteceu X e Y e fiquei louco, tive um ataque de pânico”. Analisando, é bem estranho dizer ter tido um episódio médico quando você está descrevendo um incidente moderadamente estressante do cotidiano. Por que você diria que está enfrentando uma ansiedade esmagadora e incapacitante, sentindo que está sufocando até a morte ou tendo um ataque cardíaco, com medo de desmaiar, quando não está? Se escuto isso em público, olho feio e tenho muita vontade de dizer: “Sério? Você se sente mesmo paralisado num cubículo, imaginando se vai morrer, vomitar ou se cagar — talvez as três coisas?”

Quando vejo esse tipo coisa na internet, onde esse chilique se manifesta com bastante frequência, quero retuitar e mostrar a mutação da linguagem pelo que ela é. Isso é só um exemplo relevante para mim e minha própria saúde mental, mas também é parte de um discurso maior que vem penetrando em 2016. Você deve estar familiarizado com ele. Tipo: “ai, sou muito obsessivo-compulsivo”, “ele é muito bipolar” e “estou tão deprimido agora”.

Mas como isso se infiltrou na fala? Isso é parte de uma catástrofe linguística crescente. Seja na mídia, propaganda ou anúncios de serviço público, todo mundo está exigindo sua atenção, e para consegui-la, a venda se torna exagerada. Na Inglaterra, acabamos absorvendo a insistência dos americanos na hipérbole. Amamos ou odiamos alguma coisa e não existe nada no meio disso. Caso alguém não perceba o quanto estamos sendo sinceros, repetimos “totalmente”, “sério” ou “literalmente” até funcionar. As apostas aumentam nas redes sociais entre as pessoas médias: Vamos nos matar, odiamos nossa vida, e dizemos “foda-se” para tudo. Claro, as marcas e empresas regurgitam nosso drama e as segundas-feiras geram vários memes de “depressão” que insistem que estamos todos juntos nessa, então continuamos assistindo os programas e afogando nossos sentimentos sombrios com o lixo que eles vendem. Somos uma geração que compartilha demais, e pra que existem emoções se não para serem compartilhadas?

Não há nada inerentemente errado nisso. Mas quando as pessoas dizem que estão tendo um ataque de pânico quando estão apenas estressadas, ou que têm transtorno obsessivo-compulsivo só porque gostam de limpeza, isso aponta para uma desconexão total entre a linguagem e o significado, ou um sintoma preocupante da cultura do autodiagnóstico. Ou, pior ainda, as duas coisas. Naturalmente, qualquer pessoa deveria poder descrever seus sentimentos e humores com suas próprias palavras. Mas a que custo e para quem?

A Dra. Zsofia Demjen é uma linguista que estuda as intersecções entre linguagem, mente e saúde. Ela explica por que essa tendência é problemática. “Usar bipolar, esquizofrênico ou qualquer outra palavra essencialmente técnica para descrever experiências mundanas ou cotidianas, significa que o sentido técnico original do termo se diluiu e agora é mais associado a essas experiências simples e passageiras. Isso normaliza a doença. O problema em potencial é que ‘estou deprimido’ significa agora ‘estou triste’. Então como alguém que realmente tem depressão vai descrever sua doença ou como se sente? Como as pessoas podem diferenciar coisas mais intensas e complexas dessa coisa que todo mundo diz ter?”

David Hartery, 25 anos, tem transtorno bipolar, e fica muito puto quando a palavra é usada do jeito errado. “Isso tem sempre a ver com indecisão ou mudar de opinião, ou mesmo para falar de mudanças de humor; isso sempre se torna algo leve. É bem difícil viver com bipolaridade, então acho isso irritante, e algo que espalha uma ideia falsa do que é ser bipolar, o que é prejudicial.”

Doug Thompson, que tem transtorno obsessivo-compulsivo, acha essa adoção da linguagem igualmente redutiva. “Dizer que algo ou alguém tem TOC está no nível ‘você está sendo babaca’ para mim. Acho que associo isso com ser infantil. Fico sentado lá pensando ‘Você não sabe do que está falando’ sempre que alguém usa isso para dizer que gosta de arrumação.”

“Linguagem capacitista como essa importa porque quando as pessoas aplicam uma doença para si mesmas, elas não têm que lidar com isso diariamente.”

E como as pessoas que realmente têm esses transtornos se sentem? Elas estão passando por algo estigmatizado e geralmente debilitante, enquanto outras pessoas estão só sendo irreverentes sobre a coisa toda. Emily Reynolds está trabalhando num livro sobre saúde mental. Mesmo ela sofre quando as pessoas usam mal esses termos. “Sei que as pessoas não têm más intenções e que isso é algo impensado, não desprezo, mas me machuca um pouco toda vez e me faz sentir que não posso confiar naquela pessoa”, ela explica. “Às vezes corrijo amigos e familiares, mas no trabalho, por exemplo, não posso fazer isso. Quando as pessoas soltam coisas como ‘eu estava maníaca’ ou ‘ele é tão bipolar’, me sinto estranha com o meu diagnóstico. Mesmo estando disposta a falar sobre isso, me sinto diminuída e constrangida.”

E a situação vai além de sentimentos individuais. “Se entendemos doenças mentais como algo que todo mundo tem uma vez por semana, isso facilita aquela atitude de ‘é só sair dessa'”, diz a Dra. Demjen. “Isso facilita o estigma porque se alguém realmente tem TOC, digamos, no sentido clínico — vê, mesmo eu tenho que especificar clínico aqui porque já temos essa diluição da linguagem — os sintomas da pessoa acabam não sendo levados a sério.”

A Dra. Demjen fala sobre algo chamado avaliação negativa, que acontece quando nos referimos a outra pessoa como bipolar ou obsessiva-compulsiva. “Quando as pessoas dizem isso, elas não querem dizer que a pessoa é clinicamente doente. Elas querem dizer que esse comportamento não é visto como positivo. E novamente, se você considera a ideia de que as palavras adquirem e mudam de significado, bipolar e TOC adquirem uma associação negativa. Aí as pessoas diagnosticadas com uma dessas doenças percebem isso como uma avaliação negativa e um julgamento delas, não um diagnóstico neutro. Isso facilita o estigma delas e também o estigma potencial que outros podem impor, porque também fazem as mesmas associações. Se alguém aborda seu empregador e diz ‘Tenho depressão’, o empregador também pode fazer essa associação.” É um círculo vicioso.

“Você nunca usaria uma doença física, como câncer, como um termo negativo qualquer para preguiçoso ou fraco. Mas como doenças mentais geralmente não são visíveis, isso permite que essa corrupção da linguagem aconteça.”

Exagerando esse conceito, as coisas começam a ficar ridículas. Você nunca usaria uma doença física, como câncer, como um termo negativo qualquer para preguiçoso ou fraco. Mas como doenças mentais geralmente não são visíveis, isso permite que essa corrupção da linguagem aconteça. É muito fácil confundir qualquer coisa com doença mental — com emoções e sentimentos — porque essas coisas também estão “na sua cabeça”. De todos esses termos, depressão é o usado casualmente há mais tempo. Dizer “deprimido” é quase que literalmente dizer triste, sombrio ou abatido, e como resultado, estamos acostumados a ouvir isso em seu próprio contexto. É aqui que a linguagem falha com seus múltiplos sentidos.

Mas como esses outros termos começaram a ser usados assim? A Dra. Demjen sugere que isso acontece porque os transtornos são cada vez mais parte do domínio público agora. “É positivo quando você fala sobre saúde mental no sentido verdadeiro, da doença em si, para reduzir o estigma.” Isso é algo que você consegue notar na internet — cada vez mais, jovens estão falando casualmente do dia em que precisaram sair do trabalho mais cedo por causa de sua doença mental, até fazendo piada às próprias custas. Isso é um desenvolvimento positivo. No entanto, como a Dra. Demjen aponta, isso leva a mais pessoas conhecerem os termos e contribui para o uso casual.

Felizmente, a linguagem pode mudar em semanas, até mesmo dias. “Tendências similares no passar, como usar ‘gay’ de modo depreciativo, hoje são desaprovadas e existe a consciência de que não é mais OK fazer isso.” Não faz tanto tempo, a mídia usava “psicopata” nas manchetes para se referir a qualquer criminoso ou doente mental. É muito mais difícil achar uma publicação disposta a fazer isso hoje.

Kate Nightingale da Time to Change, uma campanha que visa combater o estigma que cerca a saúde mental, diz que depende de cada indivíduo e das comunidades repensarem como usam as palavras. “Ter um problema com sua saúde mental já é difícil o suficiente — ouvir isso ser banalizado é desnecessariamente difícil. Você provavelmente não quer estigmatizar ou magoar pessoas com problemas mentais — então encorajamos todos a pensar duas vezes sobre o impacto de usar essa linguagem de maneira casual.” Quando falar sobre isso, diga o que você quer realmente dizer.

Não é uma questão de tomar a linguagem e decidir quem pode dizer o quê. É ter uma palavra para se expressar para pessoas que não entendem o que está nos afetando. Muitos acham ser diagnosticado e poder lidar apropriadamente com sua doença uma experiência empoderadora; as pessoas podem pesquisar sobre isso na internet, ver os fatos e a ciência por trás disso. Elas podem se apegar a isso quando estiverem num caminho ruim. Dentro da comunidade da saúde mental, as palavras têm um poder imenso. Saciar essas palavras vai torná-las insignificantes para todo mundo.
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