Gabriel Santos Elias
Cientista PolÃtico
A reforma da polÃtica de drogas é uma realidade cada vez mais forte em diversos paÃses do mundo. Em 2013, o nosso vizinho Uruguai desafiou os tratados internacionais e propôs a regulamentação da produção e comércio de maconha. O mesmo aconteceu em diversos estados do paÃs que mais influenciou a expansão da polÃtica de guerra à s drogas no mundo, os Estados Unidos. O primeiro-ministro eleito do Canadá já anunciou que fará o mesmo. Outros paÃses, como México e Colômbia já anunciaram que regulamentarão de forma ampla o uso medicinal da erva. Enquanto diversos paÃses do mundo avançam nesse sentido, o Brasil ainda permanece parado no tempo e os poucos avanços muito recentemente obtidos devem ser creditados à coragem e ousadia da marcha da maconha.
No nosso paÃs as instituições demoraram muito mais a incorporar reformas progressistas na polÃtica de drogas. A Lei de Drogas de 2006, que parecia trazer o avanço de despenalizar o consumo de drogas, ao aumentar outras penas, teve o efeito inverso de aumentar também o encarceramento, dessa vez em um ritmo inédito, especialmente da população feminina. Ainda em 2011 o STF teve que decidir pela constitucionalidade da realização das marchas da maconha, inaugurando simbolicamente a possibilidade de se debater publicamente polÃticas de legalização das drogas. Apenas em 2014 foi apresentado o primeiro Projeto de Lei que buscava regulamentar o comércio e a produção de drogas na Câmara dos Deputados. E em 2015 foi regulamentado, de forma ainda muito restritiva, o uso da maconha para fins medicinais, na forma do canabidiol.
Ao longo dessa história, a marcha da maconha foi o principal ator polÃtico a mobilizar a opinião pública para o debate sobre drogas, rompendo o silêncio existente sobre o tema. Embora personalidades e polÃticos de destaque tenham assumido maior protagonismo recentemente, foram os primeiros ativistas da Marcha da Maconha que enfrentaram a repressão e, com base em muita coragem para exercer até a desobediência civil, alertaram a sociedade para a existência das drogas no cotidiano e para os danos que a proibição causa – muito maiores que as drogas em si. A estigmatização dos usuários de drogas, impregnada na sociedade brasileira, muitas vezes serviu para, além de criminalizar seus militantes, restringir o impacto de seu discurso, taxando a mobilização como a de um grupo de jovens egoÃstas defendendo “apenas†seu direito individual de consumir drogas para seu prazer efêmero. Como se o direito individual, respaldado pela constituição, fosse pouco.
O problema da polÃtica de drogas é um problema urgente. Em todos os paÃses do mundo a proibição serve ao controle de populações vulneráveis. Sob a justificativa de “cuidar da saúde†dessas populações, se justifica a restrição de liberdade, tratamentos forçados e em casos extremos, como no Irã, pessoas que usam ou comercializam drogas recebem até a pena capital. Sim, se aplica a pena de morte para proteger a saúde das pessoas. Aqui no Brasil, como em outros paÃses da América Latina, a polÃtica de drogas tem uma caracterÃstica essencialmente violenta.
Apesar de não aplicar a pena capital, a guerra à s drogas legitima perante a sociedade a atuação violenta e de exceção do Estado, que obviamente resulta em muitas mortes. Claro que essa atuação de exceção é seletiva. Quando a polÃtica violenta e controle encontra o racismo e a desigualdade da sociedade brasileira, quem mais sofre são os negros e os pobres. Décimo paÃs mais violento do mundo, 70% dos jovens brasileiros vÃtimas de homicÃdio são negros. 30% dessa que é a quarta maior população carcerária do mundo, também. A urgência da reforma da polÃtica de drogas se conta em vidas que perdemos a cada dia que não atingimos nosso objetivo de retirar esse instrumento violento das mãos do Estado e das organizações criminosas. Cada vida que perdemos para a guerra à s drogas é de nossa responsabilidade.
A mudança polÃtica recente no Brasil nos leva a repensar estratégias polÃticas em diversos campos. As manifestações de junho de 2013 foram um marco na emergência das ruas emergiram como um espaço fundamental de ação polÃtica. A própria cultura institucional, burocrática e procedimental, passou a considerar as mobilizações de rua como algo mais relevante para a definição de polÃticas públicas. Até movimentos conservadores voltaram a tomar as ruas no paÃs. As últimas e terrÃveis movimentações da polÃtica institucional apenas reforçam as ruas como um caminho fundamental para polÃticas progressistas.
Considerando a urgência da mudança na polÃtica de drogas e a necessidade de se apostar mais nas ruas diante da atual conjuntura polÃtica, é necessário voltarmos nossos olhos com mais atenção à Marcha da Maconha. Apostar nessa mobilização como um caminho para a reforma da polÃtica de drogas. Se em algum momento se teve a ilusão de que a reforma da lei de drogas poderia ser feita somente através de um discurso técnico apresentado em gabinetes e alheio ao povo, agora mais do que nunca é hora de levantar bandeiras, desconstruir resistências e nos somar à s ruas mostrando nosso valor e força polÃtica para garantirmos as mudanças que tanto desejamos.
Gabriel Santos Elias é coordenador de Relações Institucionais da Plataforma Brasileira de PolÃtica de Drogas