“Me contem, me contem aonde eles se escondem?
atrás de leis que não favorecem vocês
então por que não resolvem de uma vez:
ponham as cartas na mesa e discutam essas leis”
Planet Hemp
A seção Cartas na mesa é composta por opiniões de leitores e membros do DAR acerca das drogas, de seus efeitos político-sociais e de sua proibição, e também de suas experiências pessoais e relatos sobre a forma com que se relacionam com elas. Vale tudo, em qualquer formato e tamanho, desde que você não esteja aqui para reforçar o proibicionismo! Caso queira ter seu desabafo desentorpecido publicado, envie seu texto para coletivodar@gmail.com e ponha as cartas na mesa para falar sobre drogas com o enfoque que quiser.
Nesta edição, o texto do cineasta Pedro Arantes discute a (não) cobertura da grande imprensa para a (gigante) Marcha da Maconha de São Paulo de 2016.
Por Pedro Arantes
Na tarde de sábado, dia 14/05, pelo menos 30 mil pessoas se juntaram para fumar maconha na Avenida Paulista. Você provavelmente vai achar que essa informação deve estar errada, ou que é uma notícia falsa mesmo, daquelas que circulam aos montes pelas redes sociais. Afinal, se fosse verdade, teria saído nos jornais e na televisão, certo?
Dado que fumar maconha é um crime no Brasil, não estamos falando apenas de 30 mil fãs de Bob Marley que resolveram ficar doidões no sábado à tarde. Tratam-se de 30 mil criminosos, a maior formação de quadrilha de que se tem notícia. Com o agravante de ter sido um crime premeditado – marcaram data, hora e local para cometer o ato criminoso.
Imagine se 30 mil pessoas combinassem abertamente para cometerem um arrastão na Paulista num sábado à tarde, e depois levassem esse plano à cabo. Ou se resolvessem unir-se para agredir um determinado grupo de pessoas num linchamento de proporções épicas. Certamente mereceria páginas e páginas no caderno policial. E uma chamada na capa. E uma matéria no noticiário noturno. E uma declaração do secretário de segurança. No mínimo.
Mas no caso do maconhaço, você nem ficou sabendo. E se você não ficou sabendo, provavelmente é porque o ato de fumar maconha, individualmente ou em massa, não causa nenhum efeito digno de nota. Além do aumento na venda de doces na região da Paulista, nada aconteceu por lá que tenha afetado o bem comum de alguma maneira. Portanto, a criminalização da maconha não passa de pura hipocrisia. Um ato que não gera dano não deve ser crime.
Por outro lado, se não gera nenhum abalo ao bem comum, 30 mil pessoas fumando maconha na Avenida Paulista em plena luz do dia é uma revolução nos costumes. Escancara e massifica um ato que, criminalizado, geralmente acontece às escondidas. Tal libelo, se não cabe nas páginas policiais, deveria estar nas páginas de cultura, não? Ou de política.
Se 30 mil pessoas resolvessem tirar a roupa e ficar completamente nuas na Avenida Paulista num sábado à tarde, certamente isso seria notícia. Se 30 mil mulheres resolvessem amamentar juntas na avenida, isso também seria notícia (embora nem valha a pena comentar o quão cretino é alguém achar “polêmico” o ato de amamentar em público).
Mas em se tratando de maconha, silêncio. Fora alguma nota tímida nas edições online dos grandes veículos, as vezes naquela sessão banal de “fotos do dia”, e algumas louváveis exceções de veículos “independentes”, o que se viu foi a grande imprensa decidir, de maneira homogênea e arbitrária, que 30 mil pessoas fumando maconha na Avenida Paulista numa tarde de sábado não é notícia.
Se o que sustenta a criminalização é a hipocrisia, dado que o ato em si não gera dano, o que sustenta a própria hipocrisia é a desinformação e o silêncio. Mais hipócrita do que dizer que fumar maconha deve ser um crime é dizer que 30 mil pessoas fumando juntas no coração da cidade no horário nobre da semana não é notícia. A primeira hipocrisia tem a ver com desconhecimento e má-fé. A segunda tem a ver com manipulação pura e simples. Manipulação comprometida em manter tudo sempre igual.
Porque se o grande público for informado que 30 mil pessoas (pelo menos!) fumaram maconha juntas no meio da rua e não aconteceu absolutamente nada – se perceber que uma multidão de proporções bíblicas fazendo uma defumação apócrifa do cartão postal da cidade é absolutamente de boa – a criminalização não para em pé.
Para que a produção, distribuição e uso da maconha continuem sendo crime, é preciso que as pessoas tenham medo da erva. E para incutir nas pessoas o medo absurdo de uma planta (medo de planta – hahaha), é preciso que as pessoas saibam o menos possível sobre ela. Se nos dermos conta de que 30 mil pessoas fumaram maconha juntas e absolutamente nada aconteceu, podemos concluir que a maconha é tão inofensiva quanto beterrabas e alfaces.
Mas certamente essa perspectiva está equivocada. A grande imprensa, sempre tão correta e imparcial, certamente adotou um critério puramente técnico para não noticiar o evento: se não aconteceu nada, não deve ser notícia mesmo. Eram apenas pessoas curtindo seu sábado da maneira que lhes convém, explorando seus corpos e suas consciências sem causar prejuízo a ninguém. O jornalismo dos grandes veículos com certeza está à frente de seu tempo, além de toda falsa polêmica em torno do assunto. Para a grande imprensa, se 30 mil pessoas resolveram fumar maconha na Avenida Paulista isso é apenas a escolha delas. Afinal, quem se importa?
Se é assim, retiro tudo o que eu disse.