• Home
  • Quem somos
  • A razão entorpecida
  • Chame o DAR pra sua quebrada ou escola
  • Fale com a gente
  • Podcast
  • Quem somos
  • A razão entorpecida
  • Podcast
  • Chame o DAR pra sua quebrada ou escola
  • Fale com a gente
Junho 30, 2016

Comunidades terapêuticas: a violência no lugar da cura

Carta Capital

Fiscalizações em centros de tratamento para dependentes de drogas em São Paulo revelam sérios casos de maus tratos

Em agosto de 2015, o Ministério da Justiça regulamentou o funcionamento das chamadas comunidades terapêuticas (CTs) como parte do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad). No papel, essas entidades oferecem tratamento, de modo voluntário, aos efeitos nocivos do vício em álcool e drogas e serviriam para ajudar as pessoas a reconstruir suas vidas. Na prática, há muitas denúncias de que as comunidades terapêuticas funcionam como manicômios disfarçados.

Uma fiscalização do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRPSP) realizada em 43 comunidades terapêuticas e clínicas para usuários de drogas no estado entre 2013 e 2015 mostrou que as críticas são, ao menos parte, baseadas em fatos.

Publicados em maio em forma de um dossiê, os resultados trazem à tona graves violações de direitos humanos nas CTs, que vão desde trabalho forçado e participação compulsiva em cultos religiosos a,medicalização excessiva, homofobia, transfobia e estupros. Há também relatos de mortes – quatro nas instituições inspecionadas durante as internações, sendo dois suicídios.

A equipe do Conselho afirma no dossiê que, apesar do mapeamento realizado, outras violações podem não ter sido narradas pelos usuários e psicólogos, nem foram passíveis de observação, porque muitos entrevistados se sentiram constrangidos e amedrontados de revelar maus tratos.

Em quase todos os relatos coletados surgem denúncias de monitoramento de correspondências, de visitas e de telefonemas, impedindo denúncias de maus tratos ou pedidos para deixar o tratamento.

CartaCapital procurou integrantes do CRPSP, mas a entidade preferiu não se pronunciar, pois responde a processos abertos após a publicação do dossiê pelos donos e responsáveis pelas comunidades terapêuticas denunciadas

Semíramis Vedovatto, coordenadora da Comissão de Saúde do Conselho Federal de Psicologia e representante da Autarquia no Conselho Nacional de Saúde, contextualiza o surgimento das Comunidades Terapêuticas: “A primeira foi instalada em Goiás, no ano de 1968, já imersa em uma lógica que prevalece até hoje, em que a drogadição é vista como um problema individual e moral, e não da sociedade, com a ideia proibicionista, punitiva e eugenista, de que ‘precisa higienizar’”.

A maioria dessas instituições de atendimento a usuários de álcool e drogas funciona em um ambiente isolado da sociedade, normalmente em chácaras, e recebem internações de usuários que decidiram parar de consumir drogas. O tratamento seria focado em um fortalecimento físico, psíquico e espiritual, na libertação pelo trabalho e na terapia coletiva, com orientação técnica e profissional, por um tempo que varia de 3 a 11 meses, e o objetivo final seria a cura.

Comunidades terapêuticas
Dilma Rousseff com representantes das comunidades terapêuticas em 2011: sob o governo dela, essas entidades foram regulamentadas

Vedovatto contraria toda essa descrição, começando pela internação voluntária: “algumas CTs inclusive mantêm uma equipe de remoção, que põe camisa de força, dá uma injeção e a pessoa acorda três dias depois já na comunidade. E outras vezes a família obriga, faz chantagem e ameaça. Também há quem aceite a internação para fugir de dívidas com traficantes”.

Além disso, algumas CTs mudam os internos de estado, causando dificuldades de adaptação, e os profissionais que os acompanham nem sempre são qualificados.

A legislação estabelece que deve haver um técnico de nível médio ou superior, mas não diz que técnico é esse, podendo ser de qualquer curso. Algumas comunidades também mantêm vínculos religiosos, principalmente de cunho católico e evangélico, e obrigam os internos a participar de cultos e outros rituais.

Para Vedovatto, um dos maiores problemas das comunidades está no fato de serem projetadas como um mundo falso em que não há um trabalho de reabilitação. “As CT são como um spa. Você até emagrece, mas não aprende a manter o peso quando voltar para a vida normal. O processo de reestabelecimento acontece em um mundo artificial, onde ninguém usa droga e todo mundo reza, mas a vida real não é assim, e alguns só conseguem viver em abstinência nesse modelo, tanto é que tem gente que passa a vida inteira indo e vindo de CT”.

A orientação da psicóloga é para que se tenha consciência de que nem todo uso de droga necessita de internação. “Um baseado na mochila do filho não significa que ele é viciado”.

Ela explica que a internação é recomendada quando a pessoa não consegue mais cuidar de si ou coloca a vida em risco. “É preciso também uma avaliação médica, e a maioria das CTs não fazem isso, como a rede Caps faz, eles não têm um critério e uma atenção para o tipo de tratamento que cada um precisa, além de não ter um plano pós-internação”.

A fiscalização das CTs é de responsabilidade do município, explica Vedovatto. Ocorre que muitas delas não permitem interação e, sem uma legislação apropriada, os municípios nem sempre conseguem fazer a fiscalização como deveriam a ponto de descobrir maus tratos.

“Precisamos tirar as comunidades do campo das práticas sociais invisíveis, porque acessar esses lugares não é uma tarefa simples. As denúncias só costumam surgir quando algum interno sai ou em casos de mortes estranhas, como ocorreu em São Paulo, Goiás e Minas Gerais”, afirma.

A especialista reforça que o Conselho Federal de Psicologia é totalmente contrário ao financiamento de comunidades terapêuticas e ressalta a necessidade de debate. “Enquanto estivermos nesse sistema proibicionista e punitivo, não vamos avançar com esse problema, que é multifatorial e de toda a sociedade”, diz.

Estupros, salmo 119 e trabalhos forçados, até para políticos

O dossiê do CRPSP traz diversos exemplos de violações cometidos dentro das comunidades terapêuticas visitadas. Em Artur Nogueira, a Comunidade Terapêutica Sunshine, abrigava, em 2013, 11 adolescentes, 17 mulheres e aproximadamente 60 homens. Lá foram colhidos relatos de violência sexual contra internas, o que ocorria após serem fortemente medicadas.

O Conselho Regional também recebeu a informação sobre uma ocasião em que a parede do quarto de contenção teve de ser pintada para esconder manchas de sangue decorrentes de violência física contra as pessoas internadas, que chegavam a ficar até 20 dias sem contato externo. Trabalho forçado e escrever o Salmo 119 de Bíblia estavam entre as punições.

Na Nova Vida Clínica Médica, em Piracicaba, que tinha convênio com prefeituras, o relato de 2013 colhido pela equipe do CRPSP conta que um interno foi enforcado por um funcionário ao tentar fugir e ficou preso durante dez dias em seu quarto. “…te tratam como bicho..”, diz no relatório.

Em Cajamar, o Centro Decisão Voltar a Viver, entidade privada que hoje não existe mais, recebeu a visita da equipe em 2013 na unidade masculina e na feminina. As informações coletadas mostram que internos ficavam trancados em quartos de contenção por quase um dia inteiro e, em alguns casos, foram “amarrados igual Jesus”. Foram relatados casos de punição coletiva e agressões físicas que levavam os internos a desmaiar.

Se a pessoa internada se recusasse a ingerir algum medicamento, era amarrada e forçada a tomá-lo, além de ser punida e trancada no quarto de contenção. Medicamentos eram pagos pela família, mesmo os fornecidos pelo SUS. Houve relatos de que houve falecimento por excesso de medicamento e de agressão física durante resgates: ter pés e braços amarrados para serem colocados no carro, no banco traseiro ou no porta-malas, e já houve situação de apanhar durante horas dentro do veículo.

Em Limeira, 2014, relatos da Comunidade Terapêutica Passos para Liberdade da unidade feminina, que tem convênio com prefeituras, apontavam para ausência de notificação ao Ministério Público sobre internações involuntárias e que cinco das seis adolescentes internadas não estavam matriculadas na rede de ensino.

Em um episódio descrito, uma das mulheres foi obrigada a escrever cinco mil vezes a frase “não devo agredir minha companheira” após uma briga no local. Um conjunto de medicação era usado quando havia agitação, brigas, ou para resgates.

Houve informação de que as mulheres internadas fizeram um trabalho para um candidato a deputado estadual, no qual tinham que colocar folhetos publicitários em envelopes, durante vários dias. O trabalho não foi remunerado.

Na Veredas Cheiro Da Terra, em Piedade, também privada, no ano de 2014 havia 62 internos homens entre 16 e 60 anos (1 interno de 16 anos). Internos relataram que a comunidade seguia a doutrina da Congregação Cristã do Brasil, sendo obrigados a cantar seus hinos e orações. Também descreveram que realizavam três horas de atividades de limpeza no local e que a manutenção da clínica era feita por eles, inclusive a pintura das paredes.

Lá, como relataram, quando havia tentativa de fuga, o residente ficava contido em um cômodo todo pintado de preto, com cama de concreto, só recebendo o colchonete e um cobertor entre 23h e 6h da manhã. Muitas vezes eram obrigados a ficar nesse espaço apenas com a roupa íntima, e sentiam frio porque a janela era um buraco com grade vazada.

Passos para Liberdade
A fachada de uma das instituições em que o CRPSP encontrou violações de direitos humanos (Foto: Reprodução/Facebook)

Outro lado

A redação de CartaCapital tentou contato com todas as comunidades citadas. Até a publicação desta reportagem, somente a Passos para a Liberdade respondeu:

A princípio cabe no presente enfatizar que a correta identificação da Instituição não é Comunidade Terapêutica Passos para Liberdade [como designado no Dossiê], e sim, Clínica Terapêutica de Serviços Médicos Passos para Liberdade – LTDA, havendo tanto esta uma única unidade de atendimento a que foca o público feminino.

Quanto às informações relatadas sobre a prescrição e acompanhamento de ingestão de medicamentos, esclarecemos que contamos de médico e enfermeiro para administração destes desde a abertura da instituição, e que toda medicação administrada aos pacientes, é receitada pelo profissional médico e prescrita em prontuário, não havendo qualquer irregularidade diante tal tópico.

Destarte que a Clínica conta com corpo clínico completo em suas dependências o que enseja em uma psicóloga, um enfermeiro, uma psiquiatra, uma nutricionista, um assistente social, um professor de educação física, um professor de português e um terapeuta ocupacional, dispondo ainda de um professor de português que acompanha as adolescentes, durante o período de internação, desenvolvendo com as mesmas atividades enviadas pelas escolas da rede regular de ensino, visando assim atendimento eficiente e de qualidade, usando métodos clínicos aptos procurando atingir resultado satisfatório juntamente com o bem estar das mesmas, dispondo inclusive de várias atividades neste cronograma, sendo sua maioria de livre participação, sendo que nenhuma paciente de nossa instituição realizar atividades que possam ser caracterizadas como obrigatório ou mesmo comparado a qualquer tarefa que seja confundida como trabalho, por final deste acompanhamento as respectivas pacientes podem realizar ligações para seus familiares semanalmente, visando a manutenção do vínculo familiar e a progressão do tratamento.

Já ao que concerne as supostas violações de direitos humanos tomadas ao conhecimento por denúncias, serve a presente para refutar qualquer menção quanto a veracidade de tais informações, pois a título de informação e esclarecimento todas as internações involuntárias são comunicadas ao Ministério Público, o que em ocasião equivocada fora comunicado de forma diversa em que a psicóloga encarregada haveria relatado contrário, por não se tratar de departamento e informação a que estar venha conter, onde também ocorreu a má interpretação por parte da mesma com relação ao questionamento atribuído em ocasião, ficando assim por melhor esclarecimento que todas as internações involuntárias são sim comunicadas ao Ministério Público local, e procedidas de forma digna e respeitosa, sendo categoricamente todos os casos analisados e tratados diante suas particularidades.

Por último informa que a presente instituição nos últimos dois anos passou por diversas fiscalizações e que todas as adequações exigidas atendidas prontamente, buscando sempre a melhoria do atendimento prestado aos pacientes, a qual ratifica por meio da presente que tais denúncias não condizem com a verdade e realidade do serviço prestado, cujo mesmo reflete de significante sucesso.

Comments

comments

Nos ajude a melhorar o sítio! Caso repare um erro, notifique para nós!

Recent Posts

  • NOV 26 NÓS SOMOS OS 43 – Ação de solidariedade a Ayotzinapa
  • Quem foi a primeira mulher a usar LSD
  • Cloroquina, crack e tratamentos de morte
  • Polícia abre inquérito em perseguição política contra A Craco Resiste
  • Um jeito de plantar maconha (dentro de casa)

Recent Comments

  1. DAR – Desentorpecendo A Razão em Guerras às drogas: a consolidação de um Estado racista
  2. No Grajaú, polícia ainda não entendeu que falar de maconha não é crime em No Grajaú, polícia ainda não entendeu que falar de maconha não é crime
  3. DAR – Desentorpecendo A Razão – Um canceriano sem lar. em “Espetáculo de liberdade”: Marcha da Maconha SP deixou saudade!
  4. 10 motivos para legalizar a maconha – Verão da Lata em Visitei um clube canábico no Uruguai e devia ter ficado por lá
  5. Argyreia Nervosa e Redução de Danos – RD com Logan em Anvisa anuncia proibição da Sálvia Divinorum e do LSA

Archives

  • Março 2022
  • Dezembro 2021
  • Setembro 2021
  • Agosto 2021
  • Julho 2021
  • Maio 2021
  • Abril 2021
  • Março 2021
  • Fevereiro 2021
  • Janeiro 2021
  • Dezembro 2020
  • Novembro 2020
  • Outubro 2020
  • Setembro 2020
  • Agosto 2020
  • Julho 2020
  • Junho 2020
  • Março 2019
  • Setembro 2018
  • Junho 2018
  • Maio 2018
  • Abril 2018
  • Março 2018
  • Fevereiro 2018
  • Dezembro 2017
  • Novembro 2017
  • Outubro 2017
  • Agosto 2017
  • Julho 2017
  • Junho 2017
  • Maio 2017
  • Abril 2017
  • Março 2017
  • Janeiro 2017
  • Dezembro 2016
  • Novembro 2016
  • Setembro 2016
  • Agosto 2016
  • Julho 2016
  • Junho 2016
  • Maio 2016
  • Abril 2016
  • Março 2016
  • Fevereiro 2016
  • Janeiro 2016
  • Dezembro 2015
  • Novembro 2015
  • Outubro 2015
  • Setembro 2015
  • Agosto 2015
  • Julho 2015
  • Junho 2015
  • Maio 2015
  • Abril 2015
  • Março 2015
  • Fevereiro 2015
  • Janeiro 2015
  • Dezembro 2014
  • Novembro 2014
  • Outubro 2014
  • Setembro 2014
  • Agosto 2014
  • Julho 2014
  • Junho 2014
  • Maio 2014
  • Abril 2014
  • Março 2014
  • Fevereiro 2014
  • Janeiro 2014
  • Dezembro 2013
  • Novembro 2013
  • Outubro 2013
  • Setembro 2013
  • Agosto 2013
  • Julho 2013
  • Junho 2013
  • Maio 2013
  • Abril 2013
  • Março 2013
  • Fevereiro 2013
  • Janeiro 2013
  • Dezembro 2012
  • Novembro 2012
  • Outubro 2012
  • Setembro 2012
  • Agosto 2012
  • Julho 2012
  • Junho 2012
  • Maio 2012
  • Abril 2012
  • Março 2012
  • Fevereiro 2012
  • Janeiro 2012
  • Dezembro 2011
  • Novembro 2011
  • Outubro 2011
  • Setembro 2011
  • Agosto 2011
  • Julho 2011
  • Junho 2011
  • Maio 2011
  • Abril 2011
  • Março 2011
  • Fevereiro 2011
  • Janeiro 2011
  • Dezembro 2010
  • Novembro 2010
  • Outubro 2010
  • Setembro 2010
  • Agosto 2010
  • Julho 2010
  • Junho 2010
  • Maio 2010
  • Abril 2010
  • Março 2010
  • Fevereiro 2010
  • Janeiro 2010
  • Dezembro 2009
  • Novembro 2009
  • Outubro 2009
  • Setembro 2009
  • Agosto 2009
  • Julho 2009

Categories

  • Abre a roda
  • Abusos da polí­cia
  • Antiproibicionismo
  • Cartas na mesa
  • Criminalização da pobreza
  • Cultura
  • Cultura pra DAR
  • DAR – Conteúdo próprio
  • Destaque 01
  • Destaque 02
  • Dica Do DAR
  • Direitos Humanos
  • Entrevistas
  • Eventos
  • Galerias de fotos
  • História
  • Internacional
  • Justiça
  • Marcha da Maconha
  • Medicina
  • Mídia/Notí­cias
  • Mí­dia
  • Podcast
  • Polí­tica
  • Redução de Danos
  • Saúde
  • Saúde Mental
  • Segurança
  • Sem tema
  • Sistema Carcerário
  • Traduções
  • Uncategorized
  • Vídeos