por Júlio Delmanto (Coletivo DAR)
O grupo de pesquisa GPOPAI , que tem sede na USP-Leste, entrevistou 557 dos cerca de 30 mil participantes da Marcha da Maconha de São Paulo, realizada no dia 14 de maio de 2016, a fim de conhecer o perfil dos manifestantes que defendem o fim da guerra às drogas. Por já ter realizado esse tipo de pesquisa em outros movimentos políticos que acontecem na nossa capital, esses dados se tornam ainda mais interessantes, uma vez que nos permitem não só conhecer um pouco do perfil da Marcha mas também compará-lo com o de outras formas recentes de intervenção política nas ruas.
Em resumo, os dados indicam uma manifestação de maioria masculina (bem mais do que as outras pesquisadas), branca (bem menos do que as outras), jovem, de renda não muito alta e com considerável rechaço a partidos e políticos. Segundo seus autores, a pesquisa – cujos resultados divulgados estão aqui – tinha como objetivo mapear a “confiança nas instituições, soluções para a crise e relação com partidos políticos”, e as entrevistas foram realizadas ao longo da manifestação, entre 13h e 19h – a margem de erro máxima seria (COINCIDENTEMENTE?) de 4,2% – #gostamos.
Um primeiro dado que chama à atenção é a predominância masculina na manifestação: 64,3% se identificaram como sendo do sexo masculino, contra apenas 33,4% do feminino e 2,3% não respondendo ou dizendo não ter nenhum sexo. Se mesmo com o trabalho pesado que o Bloco Feminista vem fazendo na Marcha e no antiproibicionismo em geral desde 2012 a situação é assim, é válido supor que a situação era ainda pior nos outros anos. Essa disparidade fica ainda mais chocante quando olhamos a composição dos outros atos pesquisados pelo GPOPAI: no que diz respeito a esse aspecto, a Marcha da Maconha tem de longe os piores resultados entre os eventos pesquisados. Na manifestação de 12 de abril de 2015, eram 54,6% de homens e 45% de mulheres; na de 16 de agosto de 2015, 57,3% de homens e 42,7% de mulheres (essas duas eram contra o governo de Dilma Rousseff); na de 31 de março de 2016, contra o impeachment, eram 52,7% de homens e 47% de mulheres; e no ato secundarista por melhorias na educação, em 18 de maio de 2016, a maioria era feminina, com 51,5% de mulheres e 47,5% de homens.
Em relação à idade dos participantes, a Marcha da Maconha se aproxima dos secundaristas, sendo inquestionavelmente uma manifestação composta na maioria por jovens: 84,7% dos participantes tinha menos de 30 anos (sendo 43% com até 20 anos) e somente pouco mais de 1% tinham mais de 50 anos. A diferença é grande em relação aos atos contra Dilma de abril de 2015, por exemplo, nos quais apenas 6,3% das pessoas tinha menos de 20 anos e 47,1% tinha mais de 50 anos! Nos atos contra o impeachment de 31 de março de 2016 a média de idade também era muito mais alta do que a da Marcha: apenas 30,3% dos entrevistados era menor de 30 anos (com só 7,9% com menos de 20) e 27% eram maiores de 50 anos. Já no protesto dos secundaristas, 68% das pessoas tinha menos de 20 anos com mais 21,9% estando entre 20 e 30 anos, num total de 89,9% de jovens: apenas 2% tinham mais de 50 anos.
Em relação à cor dos manifestantes, a Marcha da Maconha é majoritariamente branca: 57,1%. 22,7% dos participantes se declararam pardos, 13,7% negros, 4% asiáticos e 1,6% indígenas. Esse número de 36,4% de negros e pardos é próximo ao de pesquisa realizada pelo IBGE em 2010 na cidade, na qual 37% se declararam negros ou pardos – dados nacionais também do IBGE, de 2014, indicam que 51,2% dos brasileiros se consideram negro ou pardo.
Essa predominância branca não é exclusividade da Marcha da Maconha, tendo sido observada em todos os atos pesquisados, o que nos leva a concluir o que todo mundo sabe, a de que protestos políticos nas regiões centrais de São Paulo são na sua maioria compostos por brancos. Os protestos contra Dilma de abril e agosto de 2015 tinham, respectivamente, 77% e 73,6% de brancos; os contra o “golpe” de março de 2016 tinham 60,2% de brancos e 34,9% de negros ou pardos e o dos secundaristas tinha 58, 2% de brancos, 33,6% de negros ou pardos e 2,6% de indígenas, o maior índice entre os eventos pesquisados.
Em relação à escolaridade, 27,5% dos participantes da Marcha da Maconha têm curso superior incompleto, e 21,2% têm superior completo. Nos dois atos contra Dilma Rousseff mais de 65% dos entrevistados tinha superior completo; já nos a favor dela, eram 58,1% com superior completo. Segundo o Censo de 2010 do IBGE, apenas 11,3% da população adulta do Brasil tem uma faculdade concluída. Já no tocante à renda familiar, também há diferença entre os atos: 41,3% dos participantes da Marcha da Maconha declararam ter renda familiar de até R$ 2,640,00, ou seja, três salários mínimos, e apenas 15,6% disseram que a renda familiar é superior a oito mil reais. Nos atos contra Dilma de abril de 2015, apenas 9% ficava abaixo dos três salários mínimos, e 49,6% estavam na faixa acima dos oito mil reais por mês; nos protestos contra o impeachment de março de 2016, 23% tinham renda de até três salários, 21,8% ficavam acima dos oito mil e oitocentos reais. Na manifestação dos secundaristas, 44% tinham renda familiar de até três salários e 12,6% estavam acima dos oito mil e oitocentos reais.
Agora passemos a uma outra parte da pesquisa, que trata não da “caracterização social” dos atos mas das opiniões políticas de seus componentes, ou, como diz a própria pesquisa, seu grau de “confiança no sistema político”. Esses dados indicam o que membros do GPOPAI apontaram também em um artigo: há entre os participantes da Marcha da Maconha uma “desconfiança intensa e generalizada” em relação a partidos políticos e imprensa. Uma pergunta questionava se o entrevistado “confia nos políticos” e dava três opções: confia muito, confia pouco ou não confia. Apenas 1,6% confia muito, 28,9% confiam pouco e 65,5% não confiam. No caso dos partidos esse índice é ainda maior: 70,6% não confiam e só 0,9% confiam muito. Pra imprensa também os antiproibicionistas não dão muita bola: só 1,1% confia muito, 35,9% confia pouco e 62,8% não confia. Em relação a ONG’s e movimentos sociais a situação muda: 32,9% confiam muito nas organizações não governamentais e 62,7% confiam muito nos movimentos sociais.
Apesar de mais acentuada no caso da Marcha da Maconha, essa desconfiança com os políticos é generalizada entre os protestos analisados, sendo um pouco menor no caso dos que foram às ruas contra o impeachment de Dilma Rousseff: 7,1% dos participantes do ato de março de 2016 confiam muito nos políticos e 7,9% confiam muito nos partidos políticos. No protesto contra Dilma de abril de 2015, apenas 0,4% confia muito nos políticos e 1,1% confia muito nos partidos; já no ato dos secundaristas só 0,8% confia muito nos políticos e 1,6% nos partidos. Como era de se esperar, os protestantes contra Dilma, mais ligados aos ideais de direita, confiam menos nos movimentos sociais do que os outros pesquisados.
A pesquisa depois perguntou especificamente sobre cada partido político, e os resultados indicam tanto a confiança dos participantes nesses grupos como talvez principalmente em qual ato havia mais militantes e/ou eleitores de cada agremiação, uma vez que vimos que a opinião geral sobre essas organizações é de rechaço, na maioria das vezes cabendo a seus próprios componentes defendê-las ou elogiá-las. Na Marcha da Maconha, 5% dos entrevistados confia muito no PT e 60,4% não confiam nada, 0% confiam muito no PMDB, 0,5% confiam muito no PSDB, 0,9% na Rede, 16,4% no PSOL e 4,7% no PSTU. O PSOL tem o menor índice de não confiança, sendo o único a ficar com menos de 50% nesse quesito – 44,3% dos entrevistados não confia em nada no partido, no caso do PSTU esse número é de 53,7%.
Na manifestação a favor do impeachment de Dilma Rousseff, realizada e pesquisada em abril de 2015, a situação encontrada foi diferente: apenas 1,9% dos entrevistados “confia muito” no PSOL, enquanto esse índice sobe para 11% no caso do PSDB e cai aos quase zero (0,2%) em relação ao PT. Já no ato pró Dilma de março de 2016, 40% das pessoas afirmou confirmar muito no PT e 32,5% no PSOL, com só 0,6% e 0,2% dizendo confiar em PSDB e PMDB, respectivamente. O protesto dos secundaristas teve números parecidos com os da Marcha, mas pendendo ainda mais para a desconfiança: apenas 2,6% de confiança no PT, 7,7% no PSTU e 15,1% no PSOL.
Na Marcha e no ato dos secundaristas, a pesquisa questionou também em quem os manifestantes votaram para presidente em 2014 e suas opiniões sobre o impeachment de Dilma Rousseff, que naquele momento ainda não estava consumado. Na Marcha da Maconha, as candidatas mais votadas foram Dilma (29,2%) e Luciana Genro (20%), com o terceiro lugar sendo ocupado pelos votos nulos (13,6%), e 27,5% eram a favor do impeachment, com 65% contra. Já entre os componentes do ato dos secundaristas que votaram para presidente em 2014 (apenas 38,3% dos entrevistados votaram nessa eleição, afinal boa parte não tinha a idade suficiente) há uma pequena vantagem para Luciana Genro (31,8%) frente a Dilma (31,3%), com os nulos atingindo 11,8%. Sobre o impeachment, a posição dos componentes desse protesto era bem mais incisiva do que na Marcha, com 92,1% sendo contra e apenas 4,3% a favor.
Ainda na comparação entre o ato dos secundaristas e a Marcha, esta mostra maior concordância com as afirmativas “O PT é um partido corrupto” e “Não há grande diferença entre um governo de esquerda e um de direita” do que os componentes do protesto secunda. Entre os participantes da Marcha também havia mais gente que havia comparecido a ao menos uma manifestação a favor do impeachment (14,2% a 5,1%) e menos que foram a atos contra a deposição da presidente (27,8% e 45,8%).