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Dezembro 01, 2016

As pedradas de Deborah Peterson Small, ativista norte-americana que luta contra a ‘guerra às drogas’

por Danilo Mekari (Coletivo DAR)

Faz quase uma centena de dias que a ativista norte-americana Deborah Small visitou o Brasil para um ciclo de palestras e debates em Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo. Suas reflexões sobre a relação do racismo com a guerra às drogas, no entanto, são atemporais e certamente ainda chacoalham a mente de quem a ouviu. Como a minha.

Escutei atentamente cada frase proferida por Deborah em um inglês muitas vezes difícil de ser compreendido sem o fone de tradução disponibilizado pela organização do evento, realizado no Centro Cultural São Paulo. Afinal, o assunto que tratou era complexo demais. Duro demais. A cada pedrada que Deborah soltava o coração acelerava, as anotações à mão saíam tremidas. O clima pesava. Água nos olhos.

As arquibancadas da Sala Adoniram Barbosa lotaram de pessoas interessadas em ver e ouvir de perto a ativista, graduada em Direito e Políticas Públicas pela Universidade de Harvard. Depois de atuar no New York Civil Liberties Union defendendo os direitos de pobres e presos, Deborah ocupou o cargo de Diretora de Políticas Públicas e Articulação Comunitária da Drug Policy Alliance, lutando para demonstrar os impactos desiguais que a política de drogas gera na comunidade negra.

Há cerca de dez anos, Deborah Small criou a organização Break the Chains, sensibilizando lideranças e a própria comunidade negra para os efeitos perversos que a guerra às drogas gera sobre essa parcela da população. Organizações de defesa dos direitos humanos revelaram que, nos EUA, uma pessoa é presa a cada 25 segundos por posse de drogas. É isso mesmo: vinte e cinco SEGUNDOS.

Mesmo com leitura dinâmica, é capaz que três pessoas tenham sido presas enquanto você lê esse texto (só até aqui). O mesmo levantamento mostra a desproporção entre as detenções de negros e brancos nos EUA: os de pele escura têm 2,5 vezes mais chances de serem presos por porte de drogas do que os de pele clara. Em estados como Montana, Iowa e Vermont, o índice sobe para um branco detido a cada seis prisões de negros (!!!!!).

É esse contexto que torna as flechas lançadas por Deborah Small tão impactantes e de difícil digestão. Por isso, decidi deixa-las soltas, lancinantes, agudas. Um pouco para dividir a angústia com quem não estava lá; outro pouco para deixar registrado as buchas de verdade descascadas por essa impressionante mulher.

Abre aspas para Deborah Small.

Crédito: Naiane Mello

Crédito: Naiane Mello

“Vejo uma distinção racial no Brasil diferente do que acontece nos EUA, que em geral fica entre negros e brancos. Tenho clareza de que no Brasil a diferença é entre negros e não negros. Aqui, as pessoas sentem liberdade de se colocar em qualquer lugar nesse espectro, já que muitas não são brancas mas evitam o fardo de ser negro.”

“Não é novidade que o início da história dos EUA e do Brasil foi feito com base em genocídio e escravidão. A nossa fundação é estabelecida em exterminar os povos que já estavam aqui, e escravizar um grupo de pessoas como parte do desenvolvimento dos colonizadores. São raízes da doença estranha da supremacia masculina e branca, que continua tomando conta dos nossos países. Quando você sai vitorioso da colonização, não é difícil você explorar ainda mais essas pessoas em busca de poder.”

“A população negra é fonte de lucro para a classe dominante.”

“Uma das consequências de ter uma sociedade construída sobre a escravidão é que as pessoas se viciam nos rituais desse sistema: perseguem e prendem e algemam e colocam as pessoas em caixas, celas, em controle restrito por períodos longos, rotulam as pessoas com números. O resultado é o mesmo. Embora nos livramos da escravidão, nem começamos a falar sobre as maneiras como os países continuam encontrando maneira de recriar esses rituais.”

Exposição sobre memória da escravidão na África, em cartaz na Caixa Cultural do Rio de Janeiro até 22/12. Crédito: Fernando Frazão/Agência Brasil

Exposição sobre memória da escravidão na África, em cartaz na Caixa Cultural do Rio de Janeiro até 22/12. Crédito: Fernando Frazão/Agência Brasil

“O racismo desumanizou as pessoas a tal ponto que muitas acreditam que elas não merecem os mesmos direitos dos outros.”

“No Rio de Janeiro tem tanta droga nas áreas nobres como nas favelas, mas a polícia se concentra em certas áreas, pois a população abastada não tolera a sua presença. Faz parte da psicologia do racismo fazer com que a pessoa acredite que merece punição. A escravidão e domínio racial não podem acontecer sem a punição, violência prolongada e continuada e excessiva. Quando penso no nível de violência que há em nossos países fico chocada.”

“Ás vésperas dos Jogos Olímpicos, é impressionante pensar que haverá centenas de milhares de pessoas que vão ao Rio de Janeiro e milhões vendo pela televisão um evento onde muitas das estrelas serão atletas negros. É a celebração deles em um país que está participando do extermínio da população negra.”

“Escravos eram forçados a baterem uns nos outros, serem violentos entre si e ignorar a dor entre eles. Um mecanismo para normalizar a dor. Ninguém pode fazer isso durante centenas de anos sem deixar uma cicatriz e efeitos diretos nas comunidades negras. Assim como isso impacta a população negra, impacta também a população branca, que tolerou a violência. Seria bom que as pessoas conhecessem esse dado e não o negassem, dizendo que a escravidão ficou passado e que não acontece hoje em dia.”

“Racismo é o conjunto de políticas e práticas criadas por um grupo de pessoas para impor sobre outro grupo de pessoas e que resulte em sua morte prematura. Esse é o produto final do racismo. É um genocídio lento: não levam os negros para campos de concentração nem câmaras de gás, mas para prisões e favelas. Ao invés de Gestapo, tem a polícia sempre atrás do negro – há inclusive um auto genocídio, pois policiais negros perseguem a população negra. O sistema racista as considera pessoas supérfluas e mais úteis mortas do que vivas. Os mecanismos de morte estão sendo acelerados, e a guerra às drogas é o principal deles.”

Crédito: Cláudia Regina

Crédito: Cláudia Regina

“Além da morte prematura, o resultado é tirar o potencial humano de grandes comunidades de pessoas antes mesmo de elas perceberem o que está acontecendo, tudo em nome do lucro e da produtividade. Não dá pra minimizar o genocídio: podemos confrontá-lo e enfrentá-lo, lutar pelo direito de todos os negros no mundo. Nossas vidas são importantes e cabe aos países em que vivemos protegê-las.”

“Espero que, através desse diálogo, pessoas passem a se unir com outros ativistas negros para criarmos um movimento e atuarmos num nível global. A opressão racial requer um nível de cooperação. Hoje meu foco está na mudança da mentalidade, para pararmos de apoiar sistemas que causam nossa morte prematura e passarmos a exigir políticas e práticas que apoiem a nossa vida – e não acabem com ela.”

“A razão pela qual os negros ainda vivem é que os negros sobrevivem. Somos sobreviventes, e vai chegar o momento em que vamos nos erguer e vamos responder de maneiras que as pessoas não vão gostar. Deixaremos de ser dóceis frente ao extermínio que sofremos.”

“No curto prazo, acabar com a proibição das drogas reduziria o encarceramento em massa. No entanto, o objetivo do racismo é manter um sistema de submissão racial e dominação, e o movimento negro precisa lutar para que o sistema não encontre outra base para criminalizar e matar negros.”

Monumento em Senegal celebra a libertação (libertação?) dos escravos africanos. Crédito: Moises.on

Monumento em Senegal celebra a libertação (libertação?) dos escravos africanos. Crédito: Moises.on

“Considerando que foram os EUA que inventaram a guerra às drogas, é interessante a perspectiva de que três em cada quatro norte-americanos vai viver em um estado que legalizou a maconha.”

“O mito da democracia racial ganhou força com a eleição de Barack Obama. Muitos acreditaram que o racismo havia sido superado. Isso é um pesadelo. A recente onda de assassinatos de garotos negros por policiais brancos mostra que os EUA jamais superou o racismo.”

“Parei de defender mais serviços públicos direcionados à comunidade negra. Nos EUA, os serviços para negros e pobres costumam ser um programa de empregos para brancos. Eu defendo a reparação que seja de fato uma indenização, em dinheiro: eu resolvo o meu problema, deixe a comunidade ter acesso aos recursos que elas precisam, mas vivo em um país capitalista que não acredita em dar dinheiro para as pessoas, pois isso soa socialista demais.”

“Para que haja a cura é preciso reconhecer o dano. Senão, o que acontecerá é o espaço da dor permanecer.”

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