Coluna da Ju Paula*
Esse texto é um convite. Na verdade, é uma convocação. Para a revolução, que já está acontecendo há dez anos pelo menos, aqui em São Paulo, e você precisa fazer parte dela.
A Marcha da Maconha é um movimento global que já ocorre há uma penca de anos em diversas partes do mundo. Aqui em essipê, ela começou dez anos atrás, pequenininha mas promissora, cheia de vontade de crescer e sair arrastando tudo a sua frente.
Uma coisa que a Marcha nunca foi é tímida: já fez semana canábica, já fez maio verde, já chamou geral pra distribuição de drogas, já colocou saia na estátua e baseadão na boca do José Bonifácio, já bateu com o baseadão na cara dos PM, tomou bomba da PM e não arregou.Nesse ano, 2011, rolaram mais duas marchas e uma liberação do STF pra gente lutar contra a guerra às drogas e pelos nossos direitos. De tudo ela já fez e muito mais ela fará.
É, não estamos falando de pouca história. A Marcha da Maconha de São Paulo não existe há dez dias. E você pode estar se perguntando “como eu não fiquei sabendo de tanta história?”
De fato, não é de hoje que estão tentando nos ocultar. Muito antes de existir a marcha, muito antes dela ser proibida e reprimida pela PM e pelo Estado, a discussão do antiproibicionismo já era tabu nos espaços sociais, inclusive os de militância de esquerda, que, em meados dos anos 80, ainda pautavam discussões sobre “as drogas como instrumento de desmoralização da classe trabalhadora” (Delmanto, 2015).
A proibição das drogas é muito mais recente do que o uso delas.Em se tratando da cannabis, temos aí relatos de uns 10 mil anos de uso. Tipo, muito antes de Cristo e de uma pá de figurão da história antiga, geral já usava maconha, cânhamo, haxixe. Não apenas pra chapar, mas também pra produzir muita coisa útil de maneira mais barata e menos prejudicial ao meio ambiente. O cânhamo, por exemplo, tem um monte de possibilidades de utilização: dá pra fazer papel, tecido, sapato, concreto, tijolo, madeira, ele pode substituir até o famoso – cobiçado e “causador” de guerras – PETRÓLEO.
Se liga nessas 10 maneiras de usar a cannabis!
Não é a toa que a proibição chegou, né?!
Outra finalidade da proibição e da guerra às drogas é promover a segregação e, juntamente com as drogas, “proibir” alguns grupos sociais, associar certas populações ao consumo de certas substâncias, que foram tornadas proibidas, aumentando o estigma social e promovendo a agressão, violação de direitos, prisão, internação e morte dos “indesejados sociais”.
No filme A 13ª emenda (disponível na Netflix), vemos a declaração explícita desse projeto genocida, nas palavras de John Ehrlichman, assessor do ex-presidente americano Richard Nixon, aquele que declarou a guerra às drogas:
“Com relação ao início da guerra contra as drogas no início dos anos 70, você quer saber o que realmente foi isso? A campanha de Nixon em 1968 e a Casa Branca depois disso tiveram dois inimigos: pessoas negras e a esquerda antiguerra. Você entende o que estou dizendo? Sabíamos que não podíamos tornar ilegal ser contra a guerra ou negros, mas ao conseguir que o público associasse os hippies com maconha e os negros com heroína e depois criminalizando ambos fortemente, poderíamos despedaçar essas comunidades. Nós poderíamos prender seus líderes, invadir suas casas, dividir suas reuniões e difamar noite após noite no noticiário. Sabíamos que estávamos mentindo sobre as drogas? Claro que sim.”
Porém, mesmo com esses fortes argumentos, que relacionam explicitamente a guerra às drogas ao propósito racista-capitalista e evidenciam que sobre elas muitas mentiras foram ditas, a discussão antiproibicionista sempre foi barrada em diversos espaços de esquerda, progressistas, conforme mencionamos. Essa luta foi tratada como uma questão menos importante, uma pauta de branco burguês que quer usar droga de boa, ou por puro moralismo de uma esquerda tradicionalmente cristã.
Mas pera.
Primeiramente, a gente tá vendo aqui que a questão das drogas é também uma questão de vida ou morte, especialmente pras populações que são diretamente atingidas por ela. No Brasil, por exemplo, quando a gente fala de guerra às drogas, tá falando da vida e, sobretudo, também da morte de uma população bem específica: a pobre, preta e periférica.
Segundamente, se a conversa for sobre nosso direito de usar droga porque isso faz a gente se sentir bem, seja por saúde ou seja por prazer, isso não torna essa discussão menor, muito pelo contrário.
Lembrando que, a cada dia, são descobertos mais usos medicinais possíveis da cannabis e que só não sabemos mais ainda sobre essas possíveis aplicações terapêuticas justamente por causa da maldita proibição, que barra pesquisas e refreia avanços científicos nessa área, chegando a criminalizar pessoas como o dr. Elisaldo Carlini, que tem contribuído grandemente para o avanço da pesquisa do uso medicinal de cannabis, a despeito da proibição e do tabu que se impõem ao tema.
Ainda nessa pauta, se a discussão é sobre nosso prazer, isso a torna secundária? Mais uma hipocrisia. Vivemos numa sociedade hedonista, que preza o prazer acima de todas as coisas. Vivemos em um dos países que mais consome benzodiazepínicos (diazepan, rivotril e afins) no mundo, com a maior taxa de ansiedade do globo terrestre, a gente tá sempre pronto a tomar mais droga legalizada e pra quê? Pra se sentir bem, pra ter prazer, pra ter alegria, mesmo que ela seja artificial e cheia de efeitos colaterais pesados.
É nesse país e nesse contexto que a discussão da legalização das drogas é reprimida como sendo uma discussão menor; é nessa cidade adoecedora e babilônica que o maior ato de desobediência civil do país é ocultado pela grande mídia e tratado como “pequeno grupo reunido na Paulista”.Só que em 2016, ano em que a Marcha bombou, tinha pelo menos 40 mil pessoas nas ruas. Contando assim, por baixo. E a polícia? Nem foi! Por isso que não tem violência e repressão na marcha desde 2014.
Você, sendo maconheira/o ou não, fumando, plantando, vendendo, comendo, vestindo ou cuidando da sua saúde com cannabis. Ou não. Não pode se omitir mais. Sai do armário, bixo! VEM PRA RUA com a Marcha da Maconha de São Paulo!
Ano passado tomamos a Paulista e descemos a Brigadeiro, que ficou ocupada de cabo a rabo, numa estimativa de 70 a 100 mil participantes. Esse ano, a gente pode ser muito mais: você pode e deve fazer parte dessa luta e celebração dos 10 anos desse ato que só cresce, mesmo em meio a um panorama político binário, mesmo em meio a descrença dos movimentos sociais, mesmo com o enfraquecimento de várias frentes e com as crescentes ações esdrúxulas da PM e do Estado, que tem promovido cada vez mais chacinas, genocídio e queima de arquivo.
O mar não tá pra peixe, mas a Marcha da Maconha segue crescendo e mostrando a cara. Falando do que afeta a gente logo ali na esquina. Sem arrego! Tomando os quatro cantos da cidade, todas as periferias e ampliando esse debate com quem mais precisa dele. Mostrando pra todo mundo que essa luta é de todas as pessoas e é urgente.
A revolução será feminista, será preta e periférica e será antiproibicionista, ou não será!
Vem com a gente, fumar um, tirar uma onda, botar fogo no sistema e fazer parte dessa revolução, que ao bom e velho estilo anarquista, vai crescendo silenciosa e organizada pelos debaixo pra derrubar de vez os de cima. “Que tiro foi esse?” vão se perguntar, sem saber direito o que os atingiu, mas vão cair, com certeza vão cair!
Paz e fumaça entre nós! Guerra aos senhores!
#aglomerôLegalizô
*Juliana Paula é psicóloga e integrante do Coletivo DAR.