“Não são plantas de consumo, são plantas de protesto”
Por Júlio Delmanto, do Coletivo DAR
No cruzamento entre duas das principais avenidas da Cidade do México – Insurgentes e Reforma – funciona o Senado federal do país, num bairro que ironicamente se chama Tabacalera. Pois é ali mesmo, em uma praça de nome Luis Pasteur que fica bem na frente do prédio legislativo, que se instalou um espaço de informação e protesto, mas também de livre consumo e plantio, isso mesmo, PLANTIO, de maconha. Uma zona canábica autônoma!
Proposto por Hakim Bey, o conceito de Zona Autônoma Temporária, TAZ na sigla em inglês, define “uma operação de guerrilha que libera uma área (de terra, de tempo, de imaginação) e se dissolve para se refazer em outro lugar e outro momento, antes que o Estado possa esmagá-la”. Marcadas pela metamorfose e pela velocidade, as TAZ teriam também como vantagem sua quase invisibilidade e invulnerabilidade, resultado exatamente desse movimento e rapidez. No caso do “plantón” realizado na praça Pasteur, não há invisibilidade, pelo contrário, já que o movimento tem conseguido cada vez mais atenção e adesão, e também a velocidade parece ter dado lugar à paciência do cultivo. Eles não querem sair dali nem são invisíveis, mas constituíram certamente uma zona autônoma ” canábica e talvez nem tão temporária assim.
O movimento não começou do nada, é óbvio. Há anos que os ativistas e coletivos mexicanos trabalham pela mudança em diversas frentes e formas de atuação, e no campo jurídico os avanços foram simbolizados por uma decisão da Suprema Corte, que declarou inconstitucional a punição ao uso “recreativo” de maconha. Com essa decisão, sacramentada em 2019, cabe ao Senado propor uma modificação na lei – o que ainda não foi feito.
Foi pra pressionar os senadores que começaram as primeiras atividades na praça Pasteur, em setembro de 2019. Inicialmente eram encontros semanais, todas as quintas, em que se protestava de formas mais “tradicionais”, com cartazes, debates, informação, música ao vivo, fumetagem. O passo além foi dado quando se começou o cultivo – hoje os ativistas já contabilizam mais de mil plantas, uma delas com cerca de três metros de altura!
De espaço de debates e protesto, o local foi se transformando em uma zona liberada para consumo e cultivo. Com a pandemia, algumas poucas pessoas decidiram ficar por lá de vez, inclusive para cuidar e proteger as plantas, e montaram barracas. Amparados pela decisão da Suprema Corte, não são reprimidos pela polícia (que no entanto, aborda as pessoas nos arredores, rato é rato em qualquer país né), e a prefeitura chegou a instalar grades no local – mas não pra expulsar ninguém.
O espaço foi ficando mais organizado e usuários de diversos locais da cidade passaram a frequentar, e também muita gente que vai lá por curiosidade, pra tirar fotos e ver as plantas. “Não são plantas de consumo, são plantas de protesto”, disse o ativista José Rivera num dos vídeos que segue ao final. Ele é membro de um dos muitos coletivos que compõem o Movimento Canábico Mexicano, uma espécie de frente de coletivos e ativistas pela legalização.
Em um comunicado recente, o MCM declarou defender os direitos humanos, respeitar outras lutas sociais (como o feminismo que tá incendiando, literalmente, as ruas de lá), querer romper estigmas e preconceitos e convida para o trabalho em comunidade. Eles também têm 4 demandas principais, expressadas em outros comunicados: Cultivo, pessoal ou em associações, sem fins de lucro e sem limites de plantas; Não criminalizar a posse; Espaços públicos de uso com redução de danos; e “sobretudo ter um tratamento digno, ter uma lei baseada em ética, ciência e sobretudo direitos humanos, não somos criminosos nem crianças, só queremos respeito”.
O movimento estabeleceu regras para o plantón. Entrada e permanência são controladas: só são permitidas a maiores de 18 anos, e a venda de maconha é proibida. Por conta da pandemia, também está vetado compartilhar os baseados e permanecer por mais de meia hora na praça. Quando deu sua meia hora, a pessoa é avisada no megafone e precisa começar a pensar onde vai comer seus tacos de larica.
“Se você não tem onde consumir maconha com segurança, pode vir sem problemas para o plantón”, convidaram os ativistas participantes do podcast Al margen de lo privado. Atraídas por diferentes motivações, as pessoas que chegam lá tem mais do que um ambiente seguro pra fumar, tendo contato com muita informação sobre ativismo, guerra às drogas e também sobre as próprias plantas, sobre como cultivar essas dádivas da natureza.
Outro aspecto destacado no programa foi a possibilidade de mulheres terem um espaço seguro para consumir e conversar sobre drogas, situação que nem sempre é fácil num país machista como o México, que vive no momento uma onda forte de protestos feministas. Em várias dessas manifestações há presença das “mujeres canábicas”, ativistas e coletivas de mulheres que compõem o plantón e o MCM, como no último 26 de setembro, dia pela legalização do aborto, ou no próximo 2 de outubro, data em que é lembrado o massacre de Tlateloco.
Vejam os vídeos abaixo e sintam o clima do plantón. Dá uma invejinha né, minha filha! O jeito é espalhar muitos desses por aqui”