Artigo de Manjeet Kaur, publicado originalmente em The Appeal
Tradução de Gabriela Moncau, do Coletivo DAR
A maioria das cidades nos Estados Unidos finalizou o planejamento orçamentário para 2021 de um jeito usual, com prefeitos, vereadores e membros de conselhos municipais discutindo os detalhes. Mas em Seattle, a coisa não tem sido bem assim. Os residentes é que vão decidir, nos próximos meses, como vão gastar os milhões de dólares que até então iriam para os departamentos de polícia.
Na esteira dos protestos contra os assassinatos de George Floyd, Breonna Taylor e tantas outras pessoas negras assassinadas por policiais brancos, um movimento com a palavra de ordem “defund the police”, defendendo o esvaziamento do financiamento a essas forças estatais, ganhou corpo em todos os Estados Unidos. No ano passado, participantes das manifestações em muitas cidades criaram “orçamentos populares” que mostraram ser possível cortar os gastos públicos com a polícia e, ao invés disso, investir em habitação, saúde e outros serviços sociais.
Foram poucas as cidades que cortaram os orçamentos dos seus departamentos de polícia em resposta à pressão pública, mas daquelas que o fizeram, Seattle deu um passo adiante. Em novembro do ano passado o município definiu que 30 milhões de dólares serão alocados em um processo de orçamento participativo que dará às pessoas comuns a palavra para dizer como o dinheiro deve ser usado. Doze milhões de dólares foram tirados diretamente do Departamento de Polícia de Seattle, enquanto os US$18 milhões restantes vêm do Fundo de Iniciativa de Comunidades Equitativas da prefeita Jenny Durkan, que é proveniente de cortes em vários departamentos e novos impostos.
“Quem está mais perto dos problemas está mais perto das soluções”, diz um comunicado assinado por 75 organizações locais que defenderam o que chamam de orçamento solidário. “Comunidades negras, pardas, indígenas e imigrantes são as mais prejudicadas pela Covid-19, injustiça climática, racismo e criminalização, e devem ser fundamentais para o processo de transformação do orçamento de Seattle em um que sirva a todas as pessoas”.
Ao longo do verão e do outono de 2020, os grupos pediram um orçamento que se isentasse do policiamento e usasse o orçamento participativo ” um modelo de governança com raízes no Brasil ” para investir em “prioridades que podem gerar saúde e segurança públicas verdadeiras para todos os residentes de Seattle”.
“Isso realmente trouxe uma visão para a cidade que poderia então ser fortalecida e reiterada por pessoas que estavam nas ruas protestando, que estavam se reunindo com os políticos eleitos e buscando responsabilizar as pessoas”, disse Kristania de Leon, diretora de parcerias e estratégia do Projeto de Orçamento Participativo, organização nacional que apoia campanhas locais.
Duas coalizões em particular, a King County Equity Now e a Decriminalize Seattle, trabalharam para canalizar o ímpeto das ruas para o processo orçamentário da cidade, exigindo que a Câmara Municipal diminuísse o financiamento do Departamento de Polícia de Seattle em pelo menos 50% e “reinvestisse esse dinheiro nas comunidades negras e em sistemas de saúde e segurança liderados pela comunidade”.
“Sem as demandas das ruas, isso não teria sido possível”, disse Angélica Cházaro, integrante do Descriminalize Seattle e professora assistente da Escola de Direito da Universidade de Washington.
Em 23 de novembro de 2020, depois de oito semanas de reuniões da Câmara de vereadores, mais de 160 emendas e vetos da prefeita Jenny Durkan, o orçamento final incluiu um corte de 18% no departamento de polícia.
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O grupo King County Equity está fazendo uma pesquisa que informará como o processo de orçamento participativo realmente funcionará. Cházaro disse que pretende envolver grupos comunitários de toda a cidade, incluindo muitas organizações do movimento negro que lutam por justiça racial há muito tempo. “Esse ativismo é construído há anos e anos de organização abolicionista em Seattle”, disse ela.
O grupo reuniu uma equipe de mais de 100 pesquisadores baseados na comunidade, “incluindo jovens, idosas/os, pessoas com diferentes níveis de experiência no sistema legal criminal, artistas, curandeiras/os e educadores”. Os membros desta equipe estão conduzindo pesquisas online (disponíveis em vários idiomas) e conversas pessoais em comunidades negras para identificar as necessidades e potenciais barreiras para pessoas se envolverem no orçamento participativo.
O objetivo é desenvolver estratégias que tornem o processo acessível ao maior número de pessoas, incluindo aqueles que vivenciam a falta de moradia e a instabilidade habitacional, pessoas com deficiência e pessoas que já estiveram encarceradas. Eles também estão tratando de criar um sistema de participação online para garantir os cuidados durante a pandemia, o que pode exigir estratégias para ampliar o acesso à Internet.
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Kristania de Leon, do Projeto de Orçamento Participativo, disse que o objetivo não é criar projetos e esperar que daí se dê automaticamente a equidade social, mas que seja dado um passo como parte de uma visão de justiça mais ampla. “Estamos vendo isso como uma mudança no sistema. E precisamos que seja um compromisso profundo e de longo prazo”.