Em nota pública, ativistas, organizações e pesquisadores denunciam tentativa de criminalização de movimentos de mães que lutam contra a violência do Estado
As polêmicas envolvendo o recente julgamento de agentes do Estado acusados de envolvimento na chacina de Osasco e Barueri, que tirou a vida de 17 pessoas em agosto de 2015, não se encerraram com a absolvição dos réus, no último 26 de fevereiro. Poucos dias depois que o ex-policial militar Victor Cristilder Silva dos Santos e o guarda civil de Barueri Sergio Manhanhã ganharam a liberdade, cerca de 200 organizações nacionais e internacionais, além de centenas de pessoas, tornaram pública uma nota em apoio aos movimentos de mães que lutam contra a violência estatal, denunciando o julgamento e as estratégias do advogado de defesa, João Carlos Campanini.
Com o título “Pela afirmação da vida, pela liberdade e contra a brutalidade policial”, a nota já foi traduzida para o espanhol, o inglês e o francês e contém assinaturas de entidades de diversas partes do Brasil e do mundo, entre as quais do México, da Colômbia e da França. Nas assinaturas de organizações constam órgãos institucionais, movimentos sociais, setores religiosos, institutos de pesquisa, ONGs, coletivos autônomos, organizações sindicais, associações de moradores, conselhos e federações de classe, cooperativas, mandatos de parlamentares e associações culturais. Entre as assinaturas individuais, estão nomes como o de Milton Barbosa, histórico ativista do movimento negro brasileiro; Fábio Konder Comparato, jurista e professor emérito da Faculdade de Direito da USP; o antropólogo mexicano Gilberto López y Rivas, pesquisadoras/es e docentes como Flávia Rios, Sônia Hotimsky e Virgínia Fontes.
Em apoio ao grupo 13 de Agosto ” Mães de Osasco e Barueri (que reúne familiares das vítimas da chacina em questão), ao Movimento Independente Mães de Maio (citado nominalmente durante o julgamento) e outros coletivos que se organizam em oposição a violência estatal, a nota denuncia que a estratégia da defesa dos policiais construiu um discurso de inversão, tratando as mães dos jovens assassinados como criminalizáveis.
Em plenário, as peças usadas por Campanini incluíram um pdf com 122 páginas de print do Facebook de Zilda Maria de Paula, mãe de uma das vítimas da chacina e integrante do grupo 13 de Agosto, além de um vídeo antigo e calunioso ao Movimento Mães de Maio, que inclusive já foi censurado judicialmente na imprensa. Por conta da afirmação grave e sem qualquer tipo de prova, a ex-promotora Ana Maria Frigério Molinari, que aparece no vídeo afirmando existir relação entre grupos de Direitos Humanos e o PCC, já foi alvo de ação judicial por parte das Mães de Maio.
No sentido oposto de discursos como o de Molinari, em 2019 a Promotoria de Justiça de Direitos Humanos do Ministério Público Estadual oficializou a petição de uma ação civil pública que aponta o Estado de São Paulo como o responsável por todas as mortes dos crimes de maio de 2006. Na petição, os promotores pedem à Justiça que condene o governo paulista a pedir desculpas publicamente por suas violações e a indenizar as famílias das 564 vítimas.
As mais de mil assinaturas da nota em apoio aos movimentos de mães se tornam públicas em momento em que o Congresso Nacional se prepara para apreciar, mais uma vez, a chamada excludente de ilicitude, que isenta de investigação os policiais que cometerem assassinato durante o exercício da atividade profissional.
Julgamento a portas fechadas
O júri popular da matança de Osasco e Barueri, registrada como a maior chacina da história do estado de São Paulo, aconteceu entre os dias 22 e 26 de fevereiro de 2021, depois de outros dois julgamentos anulados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Em 2017, Sergio Manhanhã havia sido condenado a 110 anos de prisão pela participação em 11 mortes e duas tentativas de assassinato. Em 2018, Victor Cristilder havia sido sentenciado a cumprir 119 anos de prisão por 12 mortes e quatro tentativas de homicídio. Os desembargadores do TJ-SP anularam as sentenças por entenderam que os jurados haviam feito o julgamento de forma contrária à prova produzida nos autos.
O novo julgamento aconteceu a portas fechadas. Com a justificativa da pandemia do novo Coronavírus, nem mesmo a imprensa foi autorizada a entrar no Fórum Criminal de Osasco.
As familiares das vítimas da chacina questionam a estratégia da defesa, o encerramento das investigações e estudam levar o caso para órgãos internacionais. Em 2015 a Organização dos Estados Americanos (OEA) condenou a chacina de Osasco e Barueri, instando o Estado brasileiro a investigar, identificar e processar os responsáveis.