Foto de Larissa Zaidan /Vice Brasil
Por Malou Brito, do Coletivo DAR
…Pai, afasta de mim esse cale-se
De vinho tinto de sangue…
Chico Buarque
Áh meu povo! Parece que nossa conjuntura atual traz à tona a retórica da lei de Murphy:”Nada é tão ruim que não possa piorar”. Prova disso temos tido todos esses dias onde direta ou indiretamente somos bombardeados e afetados por notícias que tiram o sossego de qualquer ser humano (meu país me obriga a me drogar!). Se ligue que o projeto bolsonarista de retroceder ainda mais o nosso país segue em curso. Me sinto vivendo na idade média onde os ogros, monstros, caça às bruxas, até cavalo de tróia podemos referenciar em meio a esse circo de horrores que estamos vivenciando.
Questões já desmistificadas e que já haviam ficado no passado estamos tendo que rediscutir (se é que é possível algum diálogo nesse momento). Áh povo que gosta de um “mito” viu, váh te caçar o que fazer! Direitos conquistados a custa de vidas e muito sangue derramado estão sendo não só questionados, mas invalidados. Mas como o genocida que está no poder não consegue entender coisas simples como usar uma máscara, parece ser demais cobrar que ele entenda sobre direitos humanos. A única coisa que passa naquela cabeça podre é o poder que hoje ele detém sobre nossa sociedade já massacrada.
Desta vez Lira aprovou uma comissão especial para reeditar a lei antiterrorismo e assim acelerar o processo de tramitação que arrocha ainda mais o nó que nos aprisiona. Lembrando que essa lei foi sancionada no governo Dilma por conta da copa do mundo e olimpíadas que estavam para acontecer, na “intenção de evitar possíveis ataques a patrimônios públicos, entre outros atentados durante os eventos”. Um ataque à democracia, pois me parece que existe uma dificuldade por parte do braço armado do estado em ponderar sobre essas e outras questões quanto ao uso da força e do poder. A bala e o cárcere parecem ser as únicas soluções possíveis ao limite de entendimento não só dos verme, mas também de nossos governantes e sistema de justiça. Mas eles não estão preparados pra essa conversa e assim a “ordem” policialesca segue com suas barbáries sem o menor pudor.
Antes de falar sobre essa lei que é o próprio terror para os movimentos sociais, precisamos falar da importância dos movimentos para os avanços humanitários. Os movimentos sociais geralmente surgem de iniciativas populares revolucionárias, mas que também podem ser pacíficas, motivadas por alguma injustiça social. E essa ação coletiva de desobediência tem o propósito de buscar mudanças na sociedade num contexto geral. À uma forma de luta política, uma ferramenta necessária contra uma ordem que geralmente é constituída de cima pra baixo, ignorando as reais necessidades do povo. Por isso é comum os conflitos entre esses movimentos e o Estado: justamente por não se conformarem com a forma como é composto esse CIStema comandado por uma elite que detém o poder estatal, mas não entende, nem reconhece, muito menos se preocupa com as demandas de grande parte da sociedade que sofre diuturnamente com seus desmandos. São reivindicações que buscam tornar nossa sociedade igualitária.
Mas o motivo todo mundo já conhece
é que o de cima sobe e o de baixo desce…
As meninas
Justamente por saber quantos dos meus ancestrais morreram e foram torturados na luta por igualdade de direitos eu não posso deixar esse legado morrer, por eles, por mim, por nós e pelos que virão. É importante entender de onde nós partimos, é preciso olhar pra trás e reconhecer essas trajetórias e entender que nada que estamos propondo é novidade. É uma releitura dos passos, dos processos e dos acúmulos que esses movimentos trouxeram e trazem nessa luta por igualdade de direitos.
Parece estar em voga uma ideia de que toda ideologia que vá de encontro aos desmandos do poder dominante está intimamente ligada ao comunismo e o comunismo sempre foi o terror da política neoliberal. E nesse contexto acontece um fenômeno no mínimo curioso onde a sociedade sente a necessidade de uma liderança, nossa psiquê de alguma forma segue infantilizada, com esse clamor pelo grande pai, essa ordem simbólica, as regras “necessárias”, quem é que vai colocar ordem no puteiro? Essa visão abre espaço para a ascensão desses “redentores” que surgem por aí. É também quando a gente vê e entende a problemática que o discurso de Lula traz, dizendo que quem tem que ter arma é a polícia e o exército. Por essa ideia de redenção ignoramos o discurso punitivista e o impacto que isso tem não só sobre nossas vidas, mas também sobre o poder do braço armado do Estado seguir torturando, matando e encarcerando pessoas de acordo com seu próprio julgamento do que é certo ou errado.
Mais um salvador da pátria ARMADA Brasil para o nosso álbum de figurinhas. Sabe quando a gente colava figurinha no lugar errado e depois descolava e rasurava o álbum?Outras vezes a gente não tinha cola e fazia um angu com farinha que lambuzava tudo e tinha um fedor horrível de azedo, me parece que as desculpas usadas para o Estado seguir matando e encarcerando os nossos é como o angu, às vezes até cola, mas deixa aqueles bololô que se formam embaixo da figurinha deixando nosso álbum feio, fedido e sujo e que não garante que esteja completo. Mesmo quando ganhávamos aqueles brindes furrecos que era uma alegria que durava pouco porque logo começa a dar problema ou nem funcionava mais, assim são as ingratas surpresas que vem nesse kinder ovo do capiroto que é a nossa “democracia”. Já que é pra “infantilizar” que assim seja…
A gente não sabemos escolher presidente,
A gente não sabemos tomar conta da gente…
Ultraje a rigor
Mas voltemos à pauta dessa nova reconfiguração da lei antiterror que parece estabelecer mais modalidades de controle social. A censura já ta aí. O genocida não aceita ser chamado de genocida, mas como a lei da liberdade de expressão ainda está em voga, posso utilizar do adjetivo mais adequado para se referir a #elenão nesse momento. Mas isso significa que estão acatando a proposta feita pelo (inominável) em 2016, que criminaliza lideranças e os movimentos sociais.
Essa comissão especial seria para dar um parecer sobre o projeto de lei nº1595/2019, coisa que Rodrigo Maia não fez e acabou não sendo tramitada em 2019 por uma série de questões, inclusive por conta da pandemia. Agora foi tornado possível, através de manobras regimentais protocoladas por Vitor Hugo, faz com que várias etapas necessárias sejam ignoradas nesse processo de tramitação nas comissões. Com isso, as duas leis antiterrorismo de 1999 e 2001 são alteradas, ampliando também a lei de nº 13.260 de2016. Acho que nem preciso dizer que essa “comissão especial” nada mais é do que um grupo de aliados do governo com interesses por trás, na frente e acima de nós. (Aproveito para justificar que não pretendo ficar dando nome aos bois aqui pra não dar ibope pra essa gente ruim).
Essas novas ações repressoras conduzidas pelas forças armadas, pelos órgãos de segurança pública e até agentes de inteligência serão acionadas (vamos ter que cuidar ainda mais dessa coisa de compartilhamento de dados na internet, mas não só isso). Além disso, são criadas mais possibilidades de enquadrar certas características aos atos considerados hipoteticamente como terrorismo, dando espaço para que agentes públicos infiltrados em operações sigilosas possam distinguir e determinar o que é considerado crime.
É o nosso direito de livre manifestação e reunião, enquanto sociedade civil organizada, conquistado justamente pelos movimentos que vieram antes de nós, que está sob ataque. É visível que esse projeto se configura como mais uma ferramenta de controle e punição a quem vá de encontro aos desmandos desse desgoverno porque nesse novo formato não especificam como qualificar o “ato terrorista”. Distinção que, como sempre, fica acargo da “segurança pública”.
Vai levar muito tempo pra gente reconstruir essas políticas que estão sendo desmontadas nesse momento, mas é importante que a gente faça uma desintoxicação moral. É urgente que estejamos articulados, informados e conscientes, que nossas construções sejam via coletivo, luta política, debates, organizações enraizadas e conscientes nas comunidades. Se depois de tudo o que vem acontecendo você ainda não conseguiu se coletivizar e se mobilizar, encontre um grupo que pense como você, ajude a fazer a luta, pensar estratégias, comunicação, fazer frente, fazer luta, demandar, fazer pressão porque enquanto a gente continua nessa dinâmica de esperar o salvador da pátria a gente nunca vai conseguirficar bem. “Pra ser ouvida o grito tem que ser potente”, já deu a letra Mc Carol.
Os assassinos estão livres,
nós não estamos…
Legião Urbana
#ditaduranuncamais