Por Júlio Delmanto, do Coletivo DAR
Há poucos vestígios documentando a vida da suíça Susi Ramstein. Mas dá pra saber pelo menos um baita fato: ela foi a primeira mulher a usar LSD na história. De quebra, tendo 21 anos, foi também naquele momento a pessoa mais jovem a ter provado essa maravilha recém descoberta.
A primeira viagem lisérgica feminina aconteceu em Basel (Basileia), na Suíça, no dia 12 de junho de 1943 – fica a dica pro dia dos namorados, namoradas e namorades, na moral. Cerca de dois meses depois do pai do LSD, o químico Albert Hofmann, ter retomado as moléculas que pesquisara, e deixara de lado, em 1938.
Susi Ramstein era assistente de Hofmann. Trabalhava na empresa farmacêutica Sandoz (que hoje, depois de fusões e tal, é a multinacional Novartis). Mais do que isso, era a única mulher em toda a equipe de químicos da firma então dirigida por Arthur Stoll – ele mesmo um pesquisador pioneiro da ergotamina, que pelo nada que sei de química é um alcaloide que está presente no mesmo fungo de onde saiu o LSD, o esporão do centeio (ou cravagem). O filho de Arthur, Werner Stoll, publicou o primeiro estudo científico sobre possíveis usos medicinais do ácido lisérgico.
Depois de ter descoberto e nomeado o LSD em 1938, Hofmann só retomou as pesquisas em 1943. No dia 16 de abril, ingeriu acidentalmente um pouco da droga, e diante dos efeitos resolveu repetir a experiência em 19 de abril de 1943, data da primeira viagem voluntária de LSD na humanidade. É o famoso dia do passeio de bike: em seu livro LSD: My problem child [LSD: Minha criança problema], o químico relata como, depois de provar a substância no laboratório, foi acompanhado até em casa de bicicleta por um assistente nesse rolê histórico. O que poucos sabem é que “esse” assistente era UMA assistente: Susi. Talvez pelo livro ter se difundido em inglês, língua em que se fala apenas “an assistant” para qualquer gênero.
Assustado com a brisa, Hofmann chegou a se questionar se estaria morrendo. Pediu para Susi ligar para seu médico e para sua esposa, que logo foram encontrá-lo em casa, quando constataram que os efeitos eram meramente psíquicos, não havia riscos.
A primeira vez de Susi, com dose de 100 microgramas, foi bem diferente. Segundo texto de Susane Seiler, que conversou com Susi aos 84 anos por telefone, ela descreveu a viagem como “uma boa experiência”, tendo tido visões e sentimentos agradáveis. Como Hofmann, também voltou ainda brilhando do laboratório para casa, mas não só não achou isso nada desagradável como o fez de bonde (“tram”) e não de bicicleta. O cobrador do bonde parecia ter um nariz gigante e as pessoas terem rostos engraçados, relatou. Todos conhecem as muitas variações de imagens do Hofmann andando de bike: o bonde da Susi também merecia seu lugar nos blotters 🙂
Ela ainda provaria o LSD mais duas vezes antes de se casar e deixar a Sandoz, um ano depois. Não achei outras informações do que aconteceu entre 1944 e 2011, data da sua morte ” três anos depois de Hofmann, que morreu aos 102 anos. Nenhuma foto dela também. O texto de Seiler conta apenas um pouco sobre sua vida antes: ela tinha dois irmãos, seu pai era optometrista (um profissional que não é médico mas trabalha com problemas de visão) e entre seus antepassados houve farmacêuticos e fotógrafos. Apesar de ter sido uma boa estudante, não foi para a faculdade porque essa possibilidade não era comum para mulheres naquele período. Aos 16 anos, passou um ano estudando etiqueta e o trabalho de camareira, para depois entrar aos 17 na Sandoz como uma espécie de estagiária.
A primeira viagem de Susi entrou não só para a História mas também para a Literatura. O escritor estadunidense T.C. Boyle publicou, em 2019, o romance Outside Looking In, infelizmente por enquanto sem tradução para o português. A história é centrada numa personagem fictícia que se envolve com Timothy Leary no começo dos anos 1960, quando ele ainda dava aulas em Harvard, mas aparentemente (não li o livro) há também partes que recriam as primeiras viagens de Hofmann – inclusive com ele assediando Susi durante o auge dos efeitos.
Isso não dá pra saber se aconteceu (e mesmo que não tenha acontecido, sabemos que é bem possível ainda hoje, imagina naquela época). Já o pioneirismo de Susi Ramstein é inquestionável: ajudou a colocar os trilhos dos bondes que seguimos alegremente tomando.