Documento da ONU relata crescimento na dependência de drogas permitidas
Nos EUA, abuso de remédios já é maior do que o uso de cocaÃna, ecstasy e heroÃna; muitos medicamentos são obtidos de forma ilegal
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FLÃVIA MANTOVANI
EDITORA-ASSISTENTE DO EQUILÃBRIO
GABRIELA CUPANI
DA REPORTAGEM LOCAL
Um relatório com dados de 2009 divulgado ontem pela Junta Internacional de Fiscalização a Entorpecentes, ligada à ONU, revela que houve um crescimento no abuso de medicamentos, que, em alguns paÃses, tornou-se mais comum do que o consumo excessivo de drogas ilÃcitas como heroÃna, cocaÃna e ecstasy juntas.
Remédios como benzodiazepÃnicos (tranquilizantes), analgésicos opioides e anfetaminas (como os inibidores de apetite) estão entre os mais usados para esse fim -em doses acima ou para fins diferentes do recomendado. Muitos são de tarja preta, mas podem ser comprados na internet, contrabandeados ou falsificados.
Nos EUA, esse tipo de abuso é o segundo mais comum, perdendo para o vÃcio em maconha -a principal no mundo. Segundo o relatório, naquele paÃs 6,2 milhões de pessoas abusaram de drogas legais em 2008.
Elisaldo Carlini, diretor do Cebrid (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas), afirma que, apesar de não haver dados que mostrem o crescimento do abuso de drogas lÃcitas no Brasil, na prática isso é notado. “É um fenômeno muito perigoso porque não se pode simplesmente abolir a produção desses medicamentos. São substâncias úteis para tratar doenças, o problema é o mau uso”, diz.
Carlini explica que esses remédios causam dependência e tolerância -com o tempo, é preciso aumentar a dose para ter o mesmo efeito.
Apesar de serem lÃcitos, esses remédios, quando usados inadequadamente, podem trazer problemas como taquicardia, hipertensão, convulsões, tremores intensos e até levar à morte. “Não é pequeno o número de overdoses por opioides”, exemplifica Carlini.
“Esse abuso é reflexo do mundo em que vivemos, que valoriza a cultura do corpo, a magreza, em que as frustrações devem ser evitadas. Isso tudo combina com uso excessivo de remédios”, diz o psiquiatra Arthur Guerra, do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Ãlcool e Drogas do Hospital das ClÃnicas de São Paulo.
Golpe
O documento da ONU indica ainda que tem crescido no mundo o uso de drogas conhecidas como “boa noite, Cinderela” -ou “date-rape drugs”, em inglês. Trata-se de sedativos adicionados secretamente em altas doses à comida ou bebida de uma pessoa para reduzir sua habilidade de resistir à violência e de se lembrar do ocorrido depois.
Segundo a instituição, o uso dessas drogas por criminosos não é novo, mas tem evoluÃdo à medida que eles vêm substituindo a substância mais comum -o flunitrazepam (Rohypnol), restrito por convenções internacionais- por outras mais facilmente obtidas, como o GHB e a ketamina. A ONU diz que os governos devem reunir esforços para limitar o acesso a esse tipo de droga.
O flunitrazepam, por exemplo, pode fazer a pessoa dormir por dois ou três dias seguidos e há risco de grave hipoglicemia e até de morte. O GHB provoca um coma superficial que pode durar oito horas.
Segundo Anthony Wong, chefe do Ceatox (Centro de Assistência Toxicológica), do Instituto da Criança do HC de São Paulo, o serviço recebe, em média, um caso de vÃtima desse golpe por semana, mas o número de afetados deve ser muito maior. “A maioria tem vergonha e não conta.”
Os principais alvos são os jovens. O toxicologista recomenda jamais aceitar bebidas de desconhecidos, mas diz que muitos casos envolvem amigos e até parentes do paciente.