Além de um cara bacana, Leonardo Sica é advogado do escritório Ruiz Filho e Kauffman – advogados associados. É ele quem desde o ano passado defende a Marcha da Maconha de sua absurda proibição em São Paulo, que sequer foi julgada. Em entrevista ao DAR, Sica apontou como a proibição da Marcha viola direitos constitucionais e esclareceu questões como a possibilidade de liberação através do STF e o que constitui um crime de apologia. Confiram!
DAR – Como está hoje o processo contra a Marcha da Maconha em São Paulo, proibida em 2009 e ainda não julgada? Qual é a acusação e quais os argumentos da defesa? Â
Leonardo Sica – Existe um mandado de segurança impetrado pelo MP com liminar concedida para proibir a Marcha. Estamos lutando para o TJ analisar o mérito do pedido e cassar a liminar. Os argumentos do MP, adotados pelo Desembargador Di Rissio Barbosa, não têm cunho jurÃdico, são de nÃtido fundo moral: a Marcha seria agressiva à s famÃlias, aos cidadãos “de bem”, estimularia o uso de drogas, etc. A moldura jurÃdica utilizada seria o aludido cunho apologético do movimento. Mas o formato é mero pretexto, vejam, o mandado de segurança exige a violação de direito lÃquido e certo para ser concedido e a petição do MP sequer aponta qual seria esse direito supostamente atingido pela “Marcha.
DAR – Como é possÃvel a proibição da realização de uma manifestação pacÃfica, isso não é anti-constitucional? Em diversos estados a Marcha ocorreu sem problemas com a Justiça, como se explica o fato de diferentes estados procederem de maneira distinta quanto a uma lei federal? Qual a possibilidade do processo chegar ao Supremo Tribunal Federal? Â
LS – A proibição, flagrantemente, viola dois direitos constitucionais fundamentais: o direito de reunião e a livre manifestação do pensamento.
A permissão num Estado e proibição noutro é possÃvel dentro da estrutura federativa do paÃs. São as justiças estaduais decidindo, daà a importância de uma Corte Superior enfrentar o tema.Há uma ADPF no STF abordando a proibição, proposta pelo próprio Ministério Público Federal.
DAR – Há chance dela ser definitivamente liberada, em todos os estados, nessa instância? No caso da Marcha ser novamente proibida neste ano, qual deve ser a melhor atitude? Â
LS – Há chances de ser liberada, embora a resistência ainda seja grande, estimo que seja menor do que nos anos passados. Se a Marcha for novamente proibida, como advogado, só posso defender a continuidade da luta nos tribunais.
DAR – O que aconteceria no caso dos manifestantes contestarem a proibição e marcharem, numa desobediência civil? O que caracteriza, concretamente, uma apologia ao crime? Em que medida esse delito é conflitante com a livre expressão? Existe o “crime” de “apologia à s drogas”? Â
LS – Eles poderiam responder pelo crime de desobediência, e só.
A apologia se caracteriza com a defesa pública de um fato criminoso (que só ser considerado como aquele que a lei prevê como tal) ou de autor de crime (que só pode ser considerado aquele já condenado em definitivo pela justiça). Manifestar-se em prol do uso da maconha ou de sua legalização, não caracteriza defesa nem de fato criminoso, nem de autor de crime.
Logo, qualquer interpretação ampliativa do significado literal do crime de apologia pode afrontar a liberdade de expressão, que é exatamente o que ocorre em SP com a Marcha.Não existe o crime especÃfico de apologia “à s drogas”.
DAR – Recentemente, a Suprema Corte argentina emitiu parecer que exclui a posse para consumo pessoal da criminalização. Há possibilidade de uma descriminalização ocorrer via judiciário no Brasil? Â
LS – Acho muito difÃcil. A possibilidade legal existe, mas não vejo condições polÃticas e institucionais para a descriminalização judicial das drogas no Brasil, nem acho esse o melhor caminho. Acredito, ainda, no Parlamento como arena mais apropriada para essa discussão.
DAR – Em termos teóricos, como se justifica juridicamente a proibição das drogas? Em que casos, se é que há algum, o Estado pode interferir sobre condutas privadas dos cidadãos, na circunstância destas não causarem mal a ninguém?Â
LS – A proibição é uma opção polÃtica, sem maior justificação teórica. O Estado decidiu ampliar seu poder de controle para a esfera do uso de substâncias e assim o fez. A conjuntura internacional, especialmente a partir da deflagração do war on drugs nos EUA, indica claramente isso.
DAR – Por que no caso do combate à s drogas o direito penal se dá ao direito de supostamente zelar pela saúde pública e não zela por ela quanto a drogas legais e principalmente quanto aos impactos da guerra à s drogas? Â
LS – Essa é uma questão mais complexa, que toca na própria discussão da identidade do direito penal: meio de pacificação social ou de manutenção do status quo? E por aà vai… Essa conversa é longa, precisarÃamos de mais tempo para desenvolvê-la!