Ciranda Internacional da Comunicação Compartilhada
Foto: Gabriela Moncau
segunda-feira 24 de Maio de 2010, por Terezinha Vicente
Mais uma vez o Governo do Estado de São Paulo, por meio do Grupo de Repressão e Prevenção aos Crimes da Lei Antitóxico (Gaerpa), recorre ao Tribunal de Justiça para proibir a Marcha da Maconha, que já aconteceu pacificamente em vários estados brasileiros. No Rio de Janeiro, a última reuniu mais de quatro mil pessoas. O coletivo Marcha da Maconha foi criado em 1999, em Nova York, e costuma organizar ações simultâneas em vários paÃses.
Fui chegando junto com a polÃcia. Já havia uma grande roda de pessoas – a maioria jovens homens – utilizando um megafone para a comunicação. Vários cartazes, a maioria ilustrados com a folha da cannabis, estavam expostos no chão no meio da roda – Plante seus direitos / Usuário saia do armário / Não compre. Plante! / Não é prejuÃzo, legaliza, que vira paraÃso!
Muitas pessoas também se juntavam ao longe, vários grupos olhando, muita gente com vontade e medo de chegar… Foi quando chegou o Rafinha Cortez do CQC que as pessoas tiveram a “desculpa†para aproximar-se, as rodas cresceram, porque o repórter transitava entre os vários agrupamentos que se formavam. Muitas palavras de ordem foram cantadas para os microfones e câmeras do CQC, e para os policiais que se movimentavam cada vez mais e cada vez em maior número.
“Não sou anônimo, não tô armado; esse debate tem que ser legalizado!â€
Essa palavra de ordem (criada em Fortaleza) foi trazida à s pessoas, que agora aumentavam a aglomeração, pelo sociólogo Renato Cinco, coordenador do Movimento Nacional pela Legalização das Drogas. Do Rio veio também o advogado André Barros, que trouxe a notÃcia da liminar impetrada contra a marcha em São Paulo, pelo terceiro ano consecutivo. Naquela linguagem do direito, explicou que a decisão de proibir foi de um Desembargador (Edson Ribas, soube depois), e que a PM só estava ali cumprindo ordens. Mas a maioria que crescia não estava a fim de aceitar a proibição. E cantava-se cada vez em maior número de vozes: “eu sou maconheiro/a com muito orgulho, com muito amor…â€
A interferência parlamentar
Além do advogado, que já negociava com a PM, mostraram presença o deputado federal Paulo Teixeira (PT/SP) e Soninha Francine, do PPS. “Temos que desinterditar esse debateâ€, iniciou Paulo Teixeira. Ele contou o caso de um pai de famÃlia, no interior de Minas Gerais, que por ter plantado alguns pés de cannabis para consumo próprio e de seu filho, está preso há cem dias, “só porque ele não quer convivência com o crime organizado. É a ilegalidade que gera a violência e o crimeâ€.
As intervenções do deputado foram fundamentais nas discussões com o comando da PM. “A polÃtica atual é ininteligÃvel, o Judiciário se manifesta contra a liberdade de expressão, garantida pela Constituição e proibir o debate impede a manifestação legislativaâ€, declarou Paulo Teixeira. “É um absurdo impedir as pessoas de discutirâ€, continuou Soninha Francine no megafone, “ e discutir a mudança numa legislação que mais causa danos do que evitaâ€. Ela também defendeu o direito de manifestação e de opinião, inclusive na imprensa, na internet.
A liminar emitida na sexta à tarde, rasgou o art. 5° da Constituição, que garante o direito de reunião pacÃfica, sem armas, em locais abertos e públicos. Negociação feita permitiu que a Marcha andasse e se manifestasse “Pela Liberdade de Expressãoâ€, desde que se recolhessem as faixas e se tirasse as camisetas com alusão à maconha e sua legalização, ou qualquer tipo de “apologia”. Vai saber lá o que é isso? A galera tava revoltada com a proibição de se manifestar, mas entendeu e aderiu à defesa da liberdade de expressão. Cartazes eram dobrados, faixas enroladas, camisetas trocadas. Em algumas rasgava-se um pedaço para aproveitar o resto, outras ficariam pois não falavam as palavras proibidas.
Hipocrisia X Democracia
A caminhada começou e daà pudemos ver que provavelmente chegávamos a 500 pessoas, fora as que ficavam olhando de fora. As palavras de ordem não paravam de ser cantadas, agregadas agora por uma maior e refrão entre as outras: Pela liberdade de expressão! Não demorou nada para os PMs entrarem no meio da passeata para recolher diversos cartazes que consideraram “apologiaâ€. Organizados, como sempre nas manifestações populares, os PMs dividiam-se entre os que comandam e negociam, os que não largam os cassetetes prontos para bater, e aqueles que carregam espingardas de gás e um bornal cheio. Os dois últimos grupos mantem escondida sua identificação.
“Abaixo a ditadura†e “Abaixo a repressão†foram então cantadas por todos e todas, identificadas rapidamente com a falta de liberdade de expressão. Afinal, o ano é de eleição presidencial e todos os temas devem estar em discussão, os candidatos têm obrigação de se manifestar sobre todas as reivindicações da sociedade. Assim como na questão da legalização do aborto, a hipocrisia presente nessa criminalização, logo é questionada em ondas pelos maconheiros marchantes, “é hipocrisia ou é democracia?â€
As conversas que tive com pessoas de diversas idades mostram que a maioria quer o direito de plantar, não quer alimentar o tráfico, por isso pedem a legalização, ou pelo menos a descriminalização. “Eles prendem a gente se tiver uma barangaâ€, disse-me um jovem, “mas se tiver uma arma, uma faca, não vai presoâ€. Uma mãe, que estava com sua filha adolescente e mais duas jovens, manifestou-se preocupada com o consumo excessivo de álcool pela moçadinha. “Na idade deles a gente não bebia, eu acho que hoje as crianças bebem demais e muito cedoâ€.
Vitória apimentada
Palavras de ordem criativas começaram a surgir – “onha, onha, onha, eu quero debater!â€, “ia, ia, ia, abaixo a hipocrisia!â€, “ão, ão, ão, é o remédio do povão†– e a marcha ia abraçando os atrasados, ganhando alguns desavisados. A polÃcia resolveu dar o ar da graça novamente. E desta vez foi bem difÃcil convencê-los a liberar o cabeludo oriental, de saia, parecido com John Lennon, a princÃpio assustado e que abria a faixa: NÃO FUMO. NÃO PLANTO. NÃO COMPRO. NÃO VENDO. E NÃO CONDENO. O 2° Tenente Marinho insistia que o ativista trazia sob o braço outro cartaz, que alternava com o apresentado agora. Deputado, jornalistas, nós, enfim, depois de muita discussão, conseguimos convencer o PM a não levá-lo para o Distrito, e a marcha já estava longe.
“ Só queremos PAZâ€, na cartolina levantada. “Vegetariana†na camiseta. “A Justiça só se mexe quando a gente se mexeâ€, no grito do ativista. Começa o ato de encerramento, numa grande roda cheia de caras alegres, pois todos nos sentÃamos vitorios@s depois de mais de duas horas de pacÃfica e alegre manifestação. “Conseguimos mostrar que nosso movimento é digno, vamos encerrá-lo sem violênciaâ€, avaliava ao megafone Renato Cinco. “Se aceitarmos provocações vamos por tudo a perderâ€.
Quando vimos, os policiais estavam levando um ciclista e para impedir que novamente jornalistas se aproximassem, soltaram uma bomba de gás pimenta. Soube depois por Marco Magri, da organização, que o detido chama-se L., aquele que segurava um cartaz dizendo “não compre, plante”. Onde está a apologia???!!! Quantos cartazes existiam na Marcha? Quantos foram recolhidos? Porque só L. foi detido? O processo de apologia pode interferir negativamente na vida de uma pessoa. O pessoal vai acompanhar.
Para @s manifestantes, o saldo foi positivo, o debate público está lançado em São Paulo. A discussão sobre a legalização da maconha esbarra, assim como tantas outras lutas, na falta de liberdade de expressão. A desinformação sobre a cannabis sustenta as teses defendidas pela moral mercantil vigente, enquanto o alcool e o crack se propagam entre a juventude, sobretudo entre a parcela mais pobre. Hipocrisia, criminalização da pobreza. Afinal, assim como na questão da legalização do aborto, o direito não vai obrigar ninguém a fumar. E pode ajudar muito a diminuir a violência, afinal os maconheiros só querem alegria, paz e amor