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Junho 05, 2010

Crack/Cocaína

José Marcelo Zacchi

Blog Conversas Públicas

De volta ao tema das drogas, é pelo menos irônico que enquanto os Estados Unidos discutem a revisão da sua legislação sobre crack no sentido da redução das penas associadas ao seu tráfico e consumo, o Brasil o faça na direção da ampliação delas.

Por lá, a legislação em vigor foi adotada na década de 80, em resposta à expansão do consumo de crack nas grandes cidades do país e à disseminação de informações de que ele seria muito mais aditivo do que outras drogas, provocaria comportamentos violentos, causaria danos sem paralelo à saúde dos seus usuários e aos filhos de gestantes que o consomem, levando ao abandono de crianças e ao risco de criação de uma geração de “crack babies” espalhados pelo país. Os medos coletivos despertados e o tratamento dado pela mídia ao assunto levaram à percepção do crack como principal responsável pelo crescimento da criminalidade urbana também em curso, e à aprovação em 1986 e 1988 de uma distinção severa entre os tratamentos legais ao crack e à cocaína em pó: a venda ou a mera posse de 5g de crack impõem hoje nos EUA uma pena mínima de 5 anos de prisão, enquanto são necessárias 500g vendidas para provocar a mesma pena no caso da cocaína em pó e a posse desta ou de qualquer outra droga implica uma pena máxima de 1 ano. Por aqui, a vivência, 25 anos depois, do mesmo fenômeno experimentado pelos EUA naquele período nos conduz ao mesmo caminho, com a tramitação no Congresso de projetos do deputado Paulo Pimenta (PT-RS) e do senador Sérgio Zambiasi (PTB-RS) propondo a adoção de penas por tráfico de crack de 2/3 a 2 vezes maiores em relação a outras drogas.

Estamos sempre aprendendo quando se trata de quebrar tabus e explorar assuntos até então interditados. Fiz o teste: indagando casualmente alguns conhecidos, muitos não souberam dizer que crack e cocaína em pó são formas diferentes da mesma substância, e todos acreditavam que o crack é em si bastante mais perigoso e letal do que a forma em pó. Vale portanto o esclarecimento prévio: quando falamos em crack, estamos falando rigorosamente da mesma substância ativa contida na cocaína em pó. Daí usar-se em inglês, com mais precisão, os termos “crack cocaine” e “powder cocaine”. A sensação e os danos provocados à saúde pelas 2 variantes são assim os mesmos. As diferenças estão no tempo de absorção, na duração da sensação e no preço. Tragada, a cocaína presente no crack atinge a corrente sanguínea e o cérebro mais rápido do que quando inalada, o que torna seus efeitos praticamente instantâneos, enquanto a versão em pó leva até 30 minutos para produzi-los. Por outro lado, a permanência desses efeitos é bastante menor no caso do crack. E por conter menos cocaína na sua composição, o crack é também bem mais barato.

Tudo isso se aprende verificando as informações disponíveis nos sites de instituições de pesquisa dedicadas ao assunto: aqui os exemplos da Escola Paulista de Medicina, da UNIAD e da Drug Policy Alliance, nos EUA. Daí para frente é lidar com as hipóteses de que o crack seja necessariamente mais aditivo, mais devastador ou mais associado à prática de violência, a ponto de justificar a distinção no tratamento legal. Nova pesquisa e descobre-se que todas elas são, para ser prudente, pelo menos controversas.

É justamente isso que está em questão hoje nos EUA. Duas décadas depois da aprovação da legislação em vigor, muitas das evidências científicas acumuladas refutam essas suposições, e indicam que o tratamento penal mais severo ao crack serviu apenas para reforçar a atuação seletiva do sistema de justiça sobre negros pobres, por serem estes os varejistas preferenciais do crack e seus consumidores mais visíveis (embora não, ao menos por lá, a maioria deles). A diferença essencial não seria assim farmacológica, mas econômica. O menor preço e a venda fragmentada ampliam as oportunidades de acesso à droga e expõem a ela um universo de pessoas mais vulnerável e com menos meios de proteção e recuperação – em termos sociais, médicos e legais. E colocam em movimento a reiteração de engrenagens discriminatórias bem conhecidas por todos.

Ainda em 2006, a American Civil Liberties Union cumpriu o papel de fazer o balanço e reunir essas evidências, além de ecoar o seu acolhimento por sucessivas instâncias judiciais e políticas do país. Este relatório faz o ponto de forma notável, elencando dados e fontes, enquanto esta carta de apoio à revisão da legislação sintetiza seu conteúdo. Valem a leitura. Bem além deles, a avaliação é respaldada hoje por um número crescente de vozes respeitáveis (valendo entre elas o exemplo emblemático deste editorial recente do New York Times, referindo-se à associação do crack a maior adição ou violência como “mitos” e definindo a distinção como “científica e moralmente indefensável”), e foi isso que levou o Senado norte-americano a aprovar por unanimidade no último dia 17 a redução de 100:1 para 18:1 da disparidade no tratamento entre as 2 formas da droga. As organizações dedicadas ao tema mantém a defesa da eliminação plena da diferenciação, mas saúdam o avanço.

Acompanhar a história ajuda a não repeti-la, e abordagens comparativas permitem aproveitar acertos e descartar equívocos. Quando se lê os relatos, a semelhança entre a história norte-americana dos anos 80 e a nossa de agora é realmente impressionante. Tanto, talvez, quanto os 180 graus de diferença nas rotas atuais das sociedades e parlamentos dos 2 países. Será que não há como escapar de cumprir os mesmos 20 anos de desmandos punitivos para chegar às mesmas conclusões a que chegam eles agora?

A história é antiga, mas vale também a visita a essa passagem de John Merriman em “Uma História da Europa Moderna”, sobre os dramas sociais do continente na segunda metade do séc. XIX:

“O alcoolismo estava devastando muitos países na Europa. Na Inglaterra, a “bebedeira habitual” de trabalhadores com cerveja preocupava reformistas. Um pesquisador da época invocou que não era incomum para muitos trabalhadores gastar um quarto dos seus salários em bebida. O crescimento dramático da produção de vinho na França, Itália, Espanha e Portugal inundou os mercados, reduzindo significativamente seu preço. Em partes da França, o consumo médio de vinho por pessoa (e portanto a taxa para adultos deveria ser ainda maior) era de mais de 227 litros por ano, sem falar em cerveja, brandies e absinto, uma bebida com gosto de alcaçuz e feita de anis ou outras ervas, que é altamente aditiva. […] Movimentos franceses em favor do abstencionismo foram varridos do mapa como diques frágeis pela torrente de bebidas. Nacionalistas, preocupados com as quedas na taxa de natalidade, somaram-se a alguns médicos e reformistas no alerta de que a França corria o risco de “degeneração racial” uma vez que a sua população parasse de reproduzir-se em função da devastação pelo alcoolismo. Somente mobilizando-se em torno de valores nacionalistas o país poderia, argumentavam eles, evitar o colapso total. Na Inglaterra, os movimentos abstencionistas começaram mais cedo e foram bastante mais fortes do que na França, e muito mais ligados às igrejas, do mesmo modo que na Suécia, onde em 1909 sociedades de abstinência tinham quase meio milhão de integrantes, que assumiam compromissos de parar completamente de beber.”

A Inglaterra daquela época criou, além de serviços religiosos, “casas de trabalho” para o abrigo compulsório de pobres espalhados por suas cidades, com condições deliberadamente rígidas e precárias. Os Estados Unidos do final do século XX criaram um sistema prisional de largo alcance e sofisticadamente seletivo, que mantém hoje atrás das grades 1% de sua população total, 1 em cada 36 hispânicos e 1 em cada 15 negros, a grande maioria por delitos de drogas. O Brasil de hoje já segue este segundo caminho, conforme demonstram os estudos disponíveis sobre a aplicação da legislação de drogas em vigor no país, e flerta perigosamente com o primeiro, como sugerem relatos recentes vindos de São Paulo e de outras “cracolândias” pelo país.

Nós vivemos hoje, sim, uma epidemia de crack no Brasil e isso é um problema sério. Mas uma observação do assunto para além das informações mais apressadas indica que tudo que não precisamos diante dele é de mais paranóia. Além de atentar para as armadilhas discriminatórias contidas na hipervisibilidade social do fenômeno, a opção pela sobriedade sugere que também aqui o melhor caminho pode não se distanciar tanto daquele recomendável para outras drogas. Aumentar a dose de ciência envolvida nos diagnósticos e soluções. Reconhecer características e males com sobriedade e comunicá-los sem mistificações. Livrar-se da tentação de respostas punitivas rápidas, atraentes e ineficazes, cujos únicos efeitos visíveis são o reforço de marginalizações e o aumento dos incentivos econômicos ao mercado ilegal, com seus subprodutos em violência e corrupção. Criar alternativas lícitas e publicamente controladas de acesso às drogas por parte ao menos dos dependentes crônicos, como forma de minar o poder deste mesmo mercado ilegal. Expandir políticas de prevenção baseadas na difusão de informações com transparência e honestidade, livres das sombras e da desconfiança causadas pela interdição do assunto. Multiplicar os meios de acolhimento e tratamento às vítimas de dependência, sobretudo enquanto não formos capazes de produzir uma sociedade apta a gerá-las em menor quantidade.

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