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Junho 22, 2010

Cara a cara com o crack

Comunidade Segura

As operações policiais realizadas recentemente nas chamadas cracolândias de São Paulo e Rio de Janeiro, quando as autoridades detiveram e enviaram para abrigos e delegacias cerca de cem pessoas, refletem a falta de planejamento na abordagem ao uso de crack nas ruas das capitais brasileiras.

As ações foram criticadas pelo próprio coordenador da Área Técnica de Saúde Mental do Ministério da Saúde, Pedro Gabriel Delgado, durante o seminário “Crack: repensando as estratégias de atenção à saúde”, realizado pelo Viva Rio. Rubem César Fernandes, diretor-executivo da organização, explicou que remover os usuários de crack de um determinado ponto não soluciona o problema pois eles acabam voltando. “Precisamos de uma estratégia de saúde baseada em uma aproximação com aqueles que usam a droga. Se não se cria confiança, os usuários simplesmente se escondem mas o problema continua”, disse.

Além de criticar a abordagem policial, os participantes do seminário concordaram em que a existência das tais cracolândias é um sintoma grave das condições insalubres e perigosas em que os moradores de rua – entre eles, crianças e adolescentes – estão usando a droga.

Orlando Zaccone, coordenador-geral do Controle de Presos da Polícia Civil do Rio de Janeiro, explicou que existem 36 pontos de venda e consumo da droga no Rio e que as características desses espaços são favoráveis ao abuso sexual, exploração de menores e contágio de HIV/Aids, tuberculose, entre outras doenças.

A própria existência do termo cracolândia causou mal-estar entre os convidados de fora do Brasil pois, segundo eles, reflete uma visão excludente e simplista com que a sociedade está tratando o tema.

Partindo do pressuposto que o usuário de crack é reconhecido como um paciente do sistema de saúde e não como um delinquente, os debates durante o seminário trataram de uma questão básica: como atender aos usuários de crack das regiões mais vulneráveis das cidades na rede pública de saúde?

As diversas exposições conduziram a propostas como aproximar-se dos usuários e estabelecer relações de confiança com eles; integrar os diversos setores do sistema de saúde para que abordem os casos de forma multidisciplinar mas integrada e fazer uso mais eficiente dos recursos disponíveis; ter objetivos realistas como diminuir a frequência de uso da droga ou melhorar as condições de consumo, ao invés de pregar a abstinência total.

A representante do Ministério da Justiça, Suelen da Silva, lembrou que o governo federal acabou de lançar o Plano de Enfrentamento ao Crack, que tem um forte componente punitivo e cujo foco está na redução da oferta através de um melhor controle das fronteiras com países fornecedores da droga. No entanto, o plano também reconhece a importância da abordagem da saúde. O governo destinou R$ 410 milhões para a atenção ao crack em 2010.

A voz da experiência

Países que no passado enfrentaram um consumo de crack em proporções similares, como Canadá e Estados Unidos, têm muito a acrescentar, ainda que as soluções locais devam responder às particularidades locais. Mas, de qualquer maneira, como reconheceu Delgado e os demais presentes ao seminário, perseguir e castigar os usuários não rende bons frutos.

Kevin_Irwin.jpgKevin Irwin (foto), da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, passou oito anos pesquisando sobre prevenção de HIV/Aids e depois se dedicou a colocar em prática programas de prevenção de contágio nos Estados Unidos, Rússia e Índia. Além de trabalhar com usuários de drogas, Irwin também estuda saúde comunitária e sua experiência o levou a concluir que a proibição punitiva, utilizada nos anos de 1980 para combater o boom do crack em seu país foi nefasta para as comunidades que enfrentaram o fenômeno.

“Nos Estados Unidos, foram criadas penas mais severas para usuários de crack do que para usuários de cocaína o que institucionalizou uma diferença entre usuários”, afirmou. A mídia, segundo ele, estigmatizou os que consumiam a droga, o que alimentou o enfoque punitivo evitando o acesso à saúde, e isso se refletiu num número maior de prisões de pessoas das comunidades de baixa renda, mais vulneráveis à droga.

“Não estávamos preparados para a chegada do crack, não tínhamos um sistema de saúde integrado e a única área que funcionava bem era a de segurança. Como consequência, a resposta foi uma forte repressão policial. Quando começou a expansão do HIV/Aids, foram implementados programas de redução de danos, como a troca de seringas entre usuários de heroína. Mas para o crack não havia nenhuma política,” afirmou Irwin.

Ele sugeriu aproveitar os bons resultados da experiência brasileira em combater a propagação do HIV/Aids através de campanhas como distribuição de preservativos e de seringas para ajudar os usuários de todas as drogas, legais e ilegais.

A experiência canadense foi outro exemplo importante. Walter Cavalieri, fundador da Força Tarefa de Redução de Danos de Toronto, trabalhou com usuários de drogas durante 20 anos e explica que, depois de um longo período de repressão, o Canadá adotou uma política que tem sido mais eficiente. “De uma sociedade livre de drogas, o país passou a desejar uma sociedade livre dos danos produzidos pelas drogas, pois entendeu que uma sociedade livre das drogas não existe”, afirmou.

O programa de atenção aos usuários de crack em Toronto, por exemplo, tem como objetivo principal estabelecer uma relação com os usuários e ajudá-los a ter acesso aos serviços sociais e de saúde, bem como reduzir o contágio de doenças como a aids e a hepatite.

Walter_Cavalieri.jpg“As melhores práticas no Canadá têm em comum a distribuição de instrumentos usados para o consumo da droga; educação sobre comportamentos de risco; desenvolvimento de atividades entre provedores de serviços e identificação e resposta a assuntos relacionados à droga”, contou Cavalieri (foto).

Irwin sugere que qualquer que seja o plano que o Brasil adote, deve buscar metas realistas. “A abstinência não é uma meta realista. Nos Estados Unidos funcionou melhor buscar objetivos concretos como diminuir a freqüência de uso da droga, aumentar o uso seguro, construir uma relação de confiança entre os profissionais de saúde e os usuários; gerar condições de vida digna para as pessoas expostas à droga e responder com propostas particulares às necessidades de cada comunidade”, completa.

Realidade brasileira

Teoricamente, o usuário de crack no Brasil está coberto pelo sistema de saúde mas, na prática, os preconceito, a falta de formação e o medo dominam as relações entre quem utiliza a droga e os que oferecem assistência médica.

A campanha lançada recentemente pelo Ministério da Saúde “O crack mata” é um exemplo da ambiguidade entre acolher e descriminar os usuários da droga. Pedro Gabriel Delgado reconheceu que a campanha reflete a dificuldade do debate em torno do tema, inclusive dentro do sistema de saúde. “Uma mensagem como essas deixa a todos impotentes e confunde muito mais do que ajuda”, admitiu Delgado.

Por isso, entre suas propostas, está a capacitação dos agentes comunitários do programa Saúde da Família, que tem 30 mil equipes em todo o país e que é a unidade mínima de todo o sistema de saúde – e a mais próxima da comunidade. “As campanhas de formação com os agentes comunitários, que são parte das equipes de saúde e parte da comunidade onde se apresenta o consumo e a venda do crack, têm que ter dois componentes: primeiro, devemos trabalhar os estigmas sobre as drogas; segundo, temos que instruí-los para que possam lidar com o impacto da droga em sua comunidade e também com o impacto do seu trabalho como agente de saúde”, explicou.

Pedro_Gabriel_Delgado.jpgDelgado ressaltou a importância de ativar os diferentes níveis do Sistema Único de Saúde (SUS) para que os usuários sejam enviados ao setor que realmente pode lhes ajudar. Isto se resume a integrar e coordenar os setores de serviço social, saúde física e mental e a comunidade. Delgado criticou, por exemplo, o uso e o abuso de leitos hospitalares para internação de usuários de drogas porque, por um lado, um tratamento efetivo para um problema de vício não passa por internação e abstinência obrigatórias. Por outro, existem instâncias mais apropriadas para relacionar-se com o usuário.

Delgado explicou que dentro das comunidades, existem os Centros de Atenção Psicosocial (Caps) e que esta infraestrutura está desenhada para atender os pacientes em seu entorno e estabelecendo uma relação entre paciente e profissional. Além disso, ele enfatizou a importância de se integrar o trabalho entre os Caps e as unidades do Programa Saúde da Família.

“A atenção básica primária tem grande potencial. Se não chegamos perto das pessoas, se não trabalhamos onde elas vivem, não vamos conseguir nada. Claro que, para conseguirmos, temos pela frente o enorme desafio de capacitar os agentes de saúde em relação às drogas. Precisamos entender que os agentes comunitários estão dentro das comunidades, convivem com o problema da tráfico e do consumo da droga e que devemos oferecer-lhes respaldo e informação, para que sintam que não estão agindo sozinhos”, pontuou Delgado.

Outras instâncias, mais além dos centros de atenção nas comunidades e dos hospitais gerais, são os consultórios de rua e os pontos de acolhimento. Em ambos, o objetivo é oferecer um ponto de contato com pessoas que usam drogas, estão nas ruas e não querem ou não podem ir para suas casas. Os abrigos oferecem um entorno digno, mas nunca se fazem internações obrigatórias ou se impõe a abstinência.

Um exemplo deste tipo de abrigo é a Embaixada da Liberdade, um centro de acolhimento que funciona há 6 meses no Jacarezinho, zona norte da cidade do Rio de Janeiro. Como explicou Fernando Willam, secretário municipal de Assistência Social da cidade do Rio, este é um modelo que vai ser repetido em outras partes do município. Ele está baseado sobretudo no respeito às decisões do usuário de crack.

“É um lugar que está com as portas abertas para os menores de idade 24 horas por dia. Eles podem entrar e sair quando querem. A idéia é oferecer-lhes abrigo, comida, banho, orientação e acolhimento, criando um vínculo com ele na medida em que surja, por parte dos próprios, o desejo de receber um tratamento, de deixar de usar a droga. Assim podemos encaminhá-los à rede de saúde pública”, explica William.

Andrea_Domanico.jpgA psicóloga Andrea Domanico, especializada em psicanálise, psicologia social e ciências sociais e bolsista da Fulbright e do Hospital John Hopkins para pesquisas em saúde pública, defende que a sociedade brasileira deve mobilizar uma discussão honesta, que comece por derrubar os mitos que segregam os usuários de crack do resto da sociedade.

“A campanha oficial baseada na mensagem ‘crack mata’ ou ‘crack, nem pensar’ é um atropelo contro os usuários de crack e suas famílias. Nos mesmos serviços de saúde, quando chega um usuário de crack, ele é visto como um rato, um ser que se vive na sujeira, na imundice. Nossa função, como trabalhadores da saúde, é fazer com que esse meninos deixem de ser ratos para a sociedade. E o governo tem que se esforçar para que o SUS, do qual o Brasil se orgulha tanto por ser o ‘maior sistema de saúde pública’ do mundo realmente garanta seus princípios de universalidade e equidade”, argumentou Domanico.

Fotos: Walter Mesquita

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