Retirado da Folhaonline
“A planta Cannabis sativa, popularmente conhecida como maconha, é utilizada de forma recreativa, religiosa e medicinal há séculos mas só há poucos anos a ciência começou a explicar seus mecanismos de ação.
Na década de 1990, pesquisadores identificaram receptores capazes de responder ao tetrahidrocanabinol (THC), princÃpio ativo da maconha, na superfÃcie das células do cérebro. Essa descoberta revelou que substâncias muito semelhantes existem naturalmente em nosso organismo, permitiu avaliar em detalhes seus efeitos terapêuticos e abriu perspectivas para o tratamento da obesidade, esclerose múltipla, doença de Parkinson, ansiedade, depressão, dor crônica, alcoolismo, epilepsia, dependência de nicotina etc. A importância dos canabinóides para a sobrevivência de células-tronco foi descrita recentemente pela equipe de um dos signatários, sugerindo sua utilização também em terapia celular.
Em virtude dos avanços da ciência que descrevem os efeitos da maconha no corpo humano e o entendimento de que a polÃtica proibicionista é mais deletéria que o consumo da substância, vários paÃses alteraram, ou estão revendo, suas legislações no sentido de liberar o uso medicinal e recreativo da maconha. Em época de desfecho da Copa do Mundo, é oportuno mencionar que os dois paÃses finalistas, Espanha e Holanda, permitem em seus territórios o consumo e cultivo da maconha para uso próprio.
Ainda que sem realizar uma descriminalização franca do uso e do cultivo, como nestes paÃses, o Brasil, através do artigo 28 da lei 11.343 de 2006, veta a prisão pelo cultivo de maconha para consumo pessoal, e impõe apenas sanções de caráter socializante e educativo.
Infelizmente interpretações variadas sobre esta lei ainda existem. Um exemplo disto está no equÃvoco da prisão do músico Pedro Caetano, integrante da banda carioca Ponto de EquilÃbrio. Pedro está há uma semana numa cela comum acusado de tráfico de drogas. O enquadramento incorreto como traficante impede a obtenção de um habeas corpus para que o músico possa responder ao processo em liberdade. A discussão ampla do tema é necessária e urgente para evitar a prisão daqueles usuários que, ao cultivarem a maconha para uso próprio, optam por não mais alimentar o poderio dos traficantes de drogas.
A Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento (SBNeC) irá contribuir na discussão deste tema ainda desconhecido da população brasileira. Em seu congresso, em setembro próximo, um painel de discussões a respeito da influência da maconha sobre a aprendizagem e memória e também sobre as polÃticas públicas para os usuários será realizado sob o ponto de vista da neurociência. É preciso rapidamente encontrar um novo ponto de equilÃbrio.”
CecÃlia Hedin-Pereira (UFRJ, diretora da SBNeC)
João Menezes (UFRJ)
Stevens Rehen (UFRJ, diretor da SBNeC)
Sidarta Ribeiro (UFRN, diretor da SBNeC)