Em entrevista exclusiva ao DAR, presidente da Associação da Parada Gay de São Paulo fala sobre atual situação do movimento LGBT e a relação deste com o antiproibicionismo e com a redução de danos
Alexandre dos Santos Peixe (Xande) é presidente da Associação da Parada do Orgulho GLBT de São Paulo no biênio 2008/2010. Também foi membro do conselho que administra a ONG nos anos de 2006 e 2007, trabalhando como secretário. Xande é o primeiro Homem Trans presidente da Parada do Orgulho GLBT do Brasil, e antes do trabalho na parada já foi funcionário público da secretaria de educação da cidade de Araraquara e Redutor de Danos da ONG É de Lei.
Nesta entrevista exclusiva concedida ao DAR no mês de julho, Xande opinou sobre a atual situação do movimento LGBT e as relações entre o debate travado ali e o antiproibicionismo. Com a experiencia de quem já trabalhou como redutor de danos, Xande insiste na necessidade de uma articulação entre as lutas dos dois movimentos, mas vê muita dificuldade em discutir a questão das drogas com os homossexuais, bissexuais, travestis e transsexuais: para ele, é menos difÃcil “sair do armário†quanto a sexualidade do que quanto ao uso de drogas.
Como você vê o momento em que se encontra o movimento LGBT atualmente?
Eu acho que partidarizou muito. Todo movimento vem de alguma coisa partidária, algo assim, uma luta partidária, mas ficou uma coisa muito pesada: ou você esta com este partido ou está contra o movimento. Isto está muito claro pra mim. Tanto que eu não tenho participado mais de nada, estou militando praticamente sozinho. Sozinho não, com pessoas que não querem estar vinculadas a nenhum partido. Mas o movimento cresceu muito. Acho que a gente conseguiu coisas aà que são muito importantes, independente de ter um partido por trás.
Eu acho que a questão que eu mais luto é a que o movimento como um todo não está dando muita conta, que é a questão dos homens transsexuais. É uma questão que mundialmente fala-se muito e aqui no Brasil ela fica meio perdida. Ainda continua muito invisÃvel apesar de eu já estar há 3 anos defendendo esta questão dentro do movimento.
De que partido você está falando?
É o PT. O movimento tá muito ligado, a maioria das pessoas do movimento está ligada ao PT. Isso pra mim não é legal. Não acho interessante.
Não seria o caso de ter um partido homossexual?
Não, acho que isso nem seria bom. A gente fala tanto em não segregação, e ter um partido seria uma coisa ridÃcula, eu acho. Mas é aquela coisa que eu falei agora há pouco, se você não é a favor… Me perguntaram em uma entrevista em quem eu votaria. Eu falei que não sabia, que precisava conhecer as propostas, os planos de trabalho deste pessoal. Aà eu fui cobrado por não ter dito que votaria na Dilma, porque todas as lideranças do movimento LGBT falaram que iam votar na Dilma. E eu não disse nem que votaria na Dilma nem que não votaria. Existe uma briga colocada nas listas etc. de que quem não está a favor, está contra. E isso é muito ruim. Eu valorizo o que aquele partido fez. O PT fez muito? Fez. Mas teve outros partidos que também fizeram. Então não estou dizendo que vou votar no Serra, na Marina, ainda não tenho candidato. Mas somente porque sou do movimento LGBT sou obrigado a dizer que tenho partido?
Aproveitando que estamos falando de partido e candidatos, querÃamos que você falasse da postura destes candidatos em relação ao tema da sexualidade e das drogas. Você percebe alguma mudança nesta postura em épocas de eleição?
Em épocas de eleição todo mundo é a favor de tudo! Na Parada deste ano o tema foi “Vote contra a homofobia, defenda a cidadania”. Colocamos o tema para 3 milhões de pessoas que não adianta nada votar em candidato que não tem plataforma LGBT. Aà começou a aparecer, se eu abrir o e-mail aqui tem uns 15: “ah, queria que vocês apoiassem, a gente tem aqui uma plataforma”. Mas a gente sabe que não é assim. Na hora de pedir o voto eles falam, mas na hora de realmente fazer alguma coisa a gente vê que eles não fazem. O PL 122/06 está lá ainda [lei que criminaliza a homofobia]. Tem a questão da bancada religiosa, é muito forte, mas tem que fazer como os religiosos fazem. Não é “gay vota em gay”, mas votar em quem realmente teria alguma coisa em prol LGBT. Independendo da sexualidade do candidato. Mas nessa época o que mais surge é gente a favor.
Vem à cabeça o caso do FHC, no tema de drogas. Discutiu, apareceu na mÃdia dizendo que é contra a criminalização da maconha, por exemplo, e agora em época de eleição o PSDB determinou que ele não dê declaração nenhuma, aà não se toca nesse assunto, ou por exemplo o caso do Sérgio Cabral no RJ, que na época de eleição tirou o projeto de união estável entre homossexuais para ganhar voto dos evangélicos…
Essas manobras rolam. Uma experiencia que tive foi no Fórum Nacional Sobre Drogas. Tinha um monte de militante a favor da descriminalização das drogas, uns 50. Ai você vai numa sala e tem 80, 100 policiais. Você vê uma sala que fala de Redução de Danos com 15 gatos pingados e você vê uma sala que fala de repressão com 200, 300 pessoas. Então ninguém quer assumir essa questão, é uma questão de voto. O que é errado para uma comunidade? Drogas, aborto, gays: “Isso não é natural, é contra as normasâ€. Então os caras não vão assumir, principalmente nessa época. Quando o Vanucchi [Paulo Vanucchi, Ministro de Direitos Humanos] entrou com o Programa dos Direitos Humanos, ele foi achincalhado, nessa questão mesmo, união homossexual, aborto. Aà vem o Sr. Presidente e fica assim… Não deu uma declaração: “estou com Vanucchi”… É complicado.
Como você vê a aproximação do movimento LGBT com o movimento que luta contra a proibição das drogas?
Uma coisa que tenho cobrado muito no movimento LGBT é que não se discute questão de drogas dentro do movimento. Eu comecei a discutir isso quando teve um problema sério quando fizemos, pela Parada, um material de Redução de Danos e a Folha pegou e tal. “Parada ensina a cheirar cocaÃna”, deu tudo aquilo, fomos parar no DENARC e tudo mais. Então hoje nem é mencionado um programa nacional. O Ministério da Saúde reconhece como um problema de saúde pública, mas a gente não pode tocar nesse assunto. A gente não pode ser viado e drogado. Usando pejorativamente a coisa, “seja viado mas não seja drogadoâ€. Fica lá na boate se entupindo de bala, mas o movimento não quer discutir isso não. Digo tranquilamente: o movimento não quer discutir a questão da droga.
Você acha que é uma bandeira que deveria voltar?
Eu acho que tem que ter culhão para voltar. Tem aquela coisa: “se eu falar disso vou prejudicar aquilo”. Não é por aÃ, eu acho que a coisa caminha junto. Você vai numa boate aqui em São Paulo e vê neguinho tomando Gisele direto. Você vê um vÃdeo no youtube, o cara parou: tomou Gisele e apagou. E aÃ? E se acontece alguma coisa? Eu acho que a bandeira da descriminalização das drogas, ou a questão da Redução de Danos, que é uma bandeira que eu defendo muito, tem que ser discutida. Vira e mexe aparece uma palestrinha aÃ, um congresso, que tem uma oficina. Mas tá lá o palestrante e mais 4 pessoas, as pessoas não querem discutir a questão das drogas.
E está cada vez mais difÃcil. Você vai na República o que tem de travestis morando na rua e consumindo cocaÃna e crack! E você não tem pra onde mandar. E assim o movimento não faz, e também não tem o que fazer, não temos um edital que fale sobre isso, a Secretaria de Direitos Humanos não vai falar de droga. Direitos Humanos não é só para quem é espancado. Eu acho que cada um sabe o que faz. Usei drogas durante muito tempo, de vez em quando dou uns tapinhas aÃ. Acho que isso não influencia em nada minha sexualidade, meu movimento politico e tal. Mas é uma coisa que ninguém quer discutir. Por exemplo se eu falar sobre drogas, vão me acusar: “Você usa”. O mesmo acontece se você é heterossexual e defende questão de viado, “Você é viado”. Entendeu? Essas coisas têm que acabar. O movimento tem que discutir essa questão. A droga está dentro da população LGBT. Isso é claro, somente andar pelas boates e pelas ruas.
Além disso tem mais algum ponto que distancia esses dois movimentos?
Acho que é isso mesmo. “Já é foda ser viado. Se for viado e drogado a gente não vai conseguir nada”. Até a questão do aborto o movimento não abraça com afinco. Fica meio “se eu falar sobre isso vai queimar meu filme”.
E estamos falando de questão de direito ao próprio corpo, de moralismo e de preconceito…
Fazendo o inverso. O movimento de droga, quer discutir a questão de LGBT? Existe isso também. O movimento negro não quer discutir LGBT. Negro é viril! Imagina negro viado? Tô falando pejorativo porque é o que a gente escuta por aÃ.
A iniciativa dessa entrevista é trazer à tona essas aproximações, e falar dessa dificuldade. Às vezes a gente acha que pode ser uma armadilha de alguns poderes, de se apoiarem em movimento de identidade que trazem questões supostamente identitárias e segregar. Mas aproveitando a questão da identidade, tem um coletivo no RS, Principio Ativo, que tem usado como estrategia polÃtica a bandeira de “sair do armário”. Principalmente com relação ao uso da maconha. É uma estrategia de levantar uma visibilidade, fazer camisetas e tal. Fazer com que as pessoas assumam publicamente esse uso de drogas. O movimento LGBT também tem isso…
Essa questão de sair do armário é de cada um. Sair do armário é com você mesmo. Não é mais fácil sair do armário para o LGBT, e você sabe as dificuldades. Colocando numa pirâmide de dificuldade, eu sair do armário com minha sexualidade é muito menos julgado pela sociedade do que eu sair do armário para a questão das drogas. Entendeu? Já aconteceu comigo de estar num lugar, congresso, a gente sabe que rola, existem pessoas que usam drogas, não é publicamente mas todos sabem. E isso ser motivo de ameaça pra mim, querendo me queimar politicamente, porque para ser liderança LGBT você tem que ser certinho, é errado usar drogas. A gente sabe que tem muita gente que usa, dentro do armário.
E você acha sair do armário politicamente efetivo?
Da mesma forma que acho que é de cada um sair do armário na questão da sexualidade, acho que também é na questão da droga. Há pessoas que são mais próximas, que sabem do que eu gosto, ou não gosto. Maneirei, parei, isso é problema meu. Mas acho que é de mim assumir isso publicamente, acho que tem que partir de mim assumir, não do movimento.
Por exemplo no nosso caso, não que isso seja uma condição, mas às vezes é interessante que a pessoa assuma que é usuária.
Eu já assumi aqui, é tranquilo. É uma coisa que minha famÃlia sabe, meus amigos sabem, é uma coisa minha. Não tenho problema nenhum em dizer que já fui, que sou ou que vou ser usuário de drogas. Porque eu bebo minha cerveja todo dia, acabei de tomar dois copos de café… a questão maior é a da droga ilÃcita né, porque ninguém fala que eu bebi horrores e dei bafão numa festa. Fala bebeu, mas não fala que está drogado; quando a coisa é outra é mais complicado. Mas eu não tenho problema nenhum em falar, porque todo mundo sabe e ninguém tem nada a ver com isso. Quando se tornou problema eu pratiquei o que aprendi, a redução de danos.
Como você vê a Redução de Danos nestes dois movimentos: entre drogas e sexualidade? Parece que a RD comporta um ponto de encontro, queria saber se você concorda, inclusive a partir da sua experiência própria.
Tem uma diferença entre a gente discutir dentro de um grupo onde tem pessoas que participaram desse movimento, é diferente a discussão de Redução de Danos aqui dentro, porque ou somos ou viemos desse movimento, do que lá fora, onde pouco se discute. É fácil falar de Redução de Danos aqui na Associação, tanto que a gente teve aquele problema com os panfletos – dinheiro público que foi investido no material que foi queimado e incinerado porque não podia mais distribuir aquele material. Fomos parar no Denarc porque estávamos incentivando o uso de drogas. A mÃdia derrubou e ninguém segurou, tenho uma decepção muito grande com o Ministério da Saúde nessa época. Ninguém segurou a onda pra gente, a gente mostrou uma questão nacionalmente conhecida e ficamos sozinhos. Então tem isso também, o movimento também é preocupado com isso. O que aconteceu em 2007 acho que afetou muito a discussão da Redução de Danos dentro do movimento. Presidente e vice presidente da Associação da Parada da época estão respondendo ou responderam um processo do Denarc.
Foi um golpe duro?
Foi. E influenciou muito esta questão, teve gente até que colocava no seu material “não use drogaâ€, com a mãozinha lá e o pare. Mexeu muito. A sexualidade está em mim, mas eu não nasci usuário de droga, eu me tornei usuário de droga, tem isso também. Não vou dizer que nenhum grupo discuta isso, mas essa questão de 2007 influenciou muito, muito. Ficamos sozinhos.
Na época algumas organizações soltaram notas de apoio, a Aborda inclusive ne?
Sim, mas morreu. Bastaram três materiais para chegar a Folha, a mÃdia desgraçada, pra fazer isso, no quarto material não se mencionava nada sobre droga.
Esses materiais eram em relação a que?
Não era só sobre droga, tinha Direitos Humanos, cidadania, prevenção a DST, AIDS e redução de danos, no mesmo material. E aà o que acontece, só porque a Folha divulgou isso, os caras vieram em cima, e depois já não pudemos fazer nenhuma menção a droga, nem falar de redução de danos. E assim, não era nada, era tipo compartilhe a droga mas não compartilhe os instrumentos. Na época eu não era presidente, mas po, detonou totalmente. Foi complicado, ninguém tava fazendo nada de errado.
Com relação aos danos desse barulho todo, como você pensa os efeitos nocivos dessa criminalização do uso de drogas no meio LGBT?
O pessoal continua usando, não parou. O pessoal usa, e usa indiscriminadamente. É que nem o uso do hormônio, eu tive dois AVC’s usando hormônio, porque ninguém libera hormônio pra eu tomar. E é isso que tá rolando. A questão da droga no movimento LGBT, um exemplo muito claro: toda travesti, entre aspas, que faz programa usa droga e rouba. Já tá associando travesti com droga. Ah, roubou o cliente pra usar droga, é só isso que você ouve. Isso porque o segmento de travestis é estigmatizado. O gayzinho bonitinho riquinho usa droga lá no quarto de hotel.
Você falou da questão do hormônio. Pensando em travestis e trans, como é que você vê essa relação de controle que a medicina exerce sobre a liberação e o fluxo desses medicamentos e o uso por esse segmento…
A própria medicina me leva pra marginalidade. Eu não tenho direito a tomar hormônio, eu vou lá e arrumo hormônio. Eu me ferro e eles vão ter que consertar, porque eu tenho direito à saúde. Eu tomei meu hormônio, sem acompanhamento, porque ninguém quis me dar esse acompanhamento, e era uma necessidade minha, quando me deu o piripaque, quando me ferrou, a medicina me ajudou. É uma faca de dois gumes. Ela não previne, ela te manda pra marginalidade e depois ela conserta, porque é obrigada a consertar. E aà tem o estigma também. Então é a própria medicina nos levando para a marginalidade. Essa questão de que eu tenho que passar por observação por dois anos, fazer hormônio-terapia e bla bla bla, me afasta. Tem que ter um acompanhamento, claro, qualquer coisa tem que ter, a Redução de Danos pra mim é isso. A questão da medicina com relação a isso é que ela também é religiosa as vezes. A partir do momento da despatologização de tudo isso as coisas ficam mais sossegadas.
Uma questão também muito próxima do movimento que discute drogas é pensar o impacto do estigma. Então, é muito comum você ver, por exemplo, usuários de maconha falando assim: “Não, mas se é pra liberar é só maconha! Porque outras…†, ou mesmo o caso do crack…
Mas aà tem a influência da mÃdia, gente. A mÃdia detona. É a questão da mÃdia.
Talvez a gente possa pensar isso do estigma em relação aos homens gays, bis, lésbicas e aos trans/travestis também, né?
“Homem gay-Barbie” e “Homem gay Poc-Poc”. Tem isso também. No movimento gay, gay muito afeminado também é discriminado. Parece que foi desenhado lá ó: “Cê pode ser gay assimâ€. ‘Eu tenho um amigo gay, mas ele não parece ser gay'”, “Ele respeita!”, né? Já vai o estigma de que “gay Poc-Poc” ou afeminado faz barraco. Não precisa ser assim, não precisa mostra pra todo mundo… Pô,num tem mulher toda certinha e num tem mulher perua?
Realmente, até você falou a questão do “certo”, né? Tem um pessoal na área da Antropologia que tem feito um debate, eles falam do binarismo de gênero, falam dessa questão de você pensar pra além só de “homem-mulher”. A questão não necessariamente pára nisso, as pessoas não precisam se identificar necessariamente com isso.
Não. Uma discussão que tá entrando aÃ, que tá sendo muito debatida, é a questão “queerâ€. Visualmente ele já não é previamente encaixado numa concepção sua. Então por exemplo, à s vezes, cê vê Fulano e cê fala: “Fulano é homem ou mulher?”. Androgenia. Então, na verdade o movimento “Queer†é desconstruir isso, fazer com que o desejo opere por outros caminhos que não só o papel social.
Eu vejo o movimento como uma coisa limÃtrofe. “Eu to desconstruindo essa questão da heteronormatividade, mas eu não quero passar também. É até aqui que eu vou!”. Tem isso, né? Eu to desconstruindo a heteronormatividade, mas eu não quero avançar pra uma questão, por exemplo, tipo Queer. Porque aà é a mesma coisa na cirurgia: “Eu vou lutar pelo que?”. Tem que ter uma bandeira. É isso: gay é isso, lésbica é isso e travestis é isso. Eu não vou discutir além disso. Eu acho que tem muito isso, a questão do limite da discussão.
O próprio movimento, LGBT, ele é um espelho dessas categorizações, se fosse uma coisa mais Queer, mais diluÃda..
Não… Eu acho que tem que ter, quando você fala das especificidades. Gay e lésbica não vão discutir hormônio-terapia. Então, tem que ter a letrinha. Quem vai discutir hormônio-terapia é “TT” – Travesti e Transsexual, não é? Quem vai discutir a questão do aborto? LGBT! Tem que ser todo mundo. É questão de direitos humanos. Mas não acontece isso.
Como diz aquela campanha lá do Chile: “Nem do Estado, nem da Igreja. Este corpo é meu!”. Entendeu? Mas isso fica pro movimento TT discutir. Parece que, na questão de limite, também, o que é direito humano é uma coisa muito fechada. Direito a andar tranquilamente, beijar, não apanhar… tal, tal, tal. Quando passa disso… a questão da cirurgia: gay e lésbica e bissexual não discute isso, entendeu? Joga pro movimento TT discutir, lutar por isso. Até luta ali, dá uma força, uma carta de apoio…A questão da representatividade: Pô,quem pode falar de transsexual? Eu acho que transsexual. Eu acho! Ai eu até vou contra algumas pessoas que dizem que qualquer pessoa LGBT pode falar disso. Mas quem sabe das minhas infelicidades sou eu, entendeu? Acho que a vivência também influencia muito.
Voltamos ao debate de Direitos Humanos, que seguem desrespeitados…
A lei 122/016 não passa no congresso porque os evangélicos dizem q eles tem o direito de me chamar de aberração. Mas ao mesmo tempo em que eles falam de aberração eles tao incentivando que vai me bater na rua, ou acham que vão me converter a alguma coisa? A lei está sendo revista, revista, revista, e não vai passar. É mais fácil aprovar a união civil de homossexuais do que a criminalização da homofobia.
E depois nós que fazemos apologia né, isso é praticamente apologia à intolerância.
Uma vez fui num fórum de segurança pública e levei cachimbo de crack de tudo que é lugar do Brasil, inclusive o do É de lei, de madeira. Aà sentei lá no meio dos soldados, policiais, e perguntei “por que vocês quebram isso daqui?â€, porque eu já vi ali na Julio Prestes o cara veio, tirou da mochila um alicate e foi quebrando os cachimbos. Eu falei “cara, quando eu te dou o preservativo eu não to incentivando você a usar, mas se você vai treparâ€, falei assim pro policial, “se previneâ€. O cachimbo é a mesma coisa. Acho que só está desse jeito porque a redução de danos não deu certo, porque não deixaram dar certo. O projeto da Redução de Danos no ministério da saúde ainda é troca de seringa, ainda é o clichê.
Você falou como acha que esta o movimento agora, como você vê ele daqui pra frente, inclusive com relação ao debate de redução de danos?
Eu por mim vou continuar com a bandeira, eu sempre levo a discussão. Porque tá evidente, porque todo mundo tá vendo.
De preferencia sem Denarc ne?
A questão do Denarc é que o ministério não banca. Eu falo isso tranquilamente, continua naquela “redução de danos é troca de seringaâ€. E como você vai fazer redução de danos pra maconha? A gente discute mas fica só no movimento, ninguém quer abraçar. Prevenção de doenças sexuais para lésbicas, tem? Não tem, você vai pegar um produto masculino, cortar e adaptar pra você. A questão de algumas drogas por exemplo, redução de danos pra álcool: tomar água. Um vinho com água, vai amenizar… é legal? Isso é ótimo. Se isso é legal, mostra na novela o copo de vinho com água. O cara tá usando Ecstasy numa novela aÃ, não tá? Vão curar aquele cara, e você sabe como, é a Globo que tá passando a novela. Ninguém vai falar de Redução de Danos. Acho que o ministério da saúde não tem peito pra bancar a discussão.
Falando um pouco da sua experiencia como redutor de danos no É de lei, que foi quando você teve um contato com drogas mais…
Eu tenho contato com droga desde os onze anos, maluco! (risos)
Mas colocando a questão de ir a campo, contato com droga temos desde criança na famÃlia, mas a questão de ir a campo com pessoas que estão em n situações…
Sabe, assustou. Primeira vez que eu fui pro campo eu voltei detonado, detonado mesmo. Porque eu vejo meu uso de droga, não tinha visto o uso de droga do outro. Eu fui fazer redução de dano em crack, é assustador a questão do uso do crack , encontrar aquelas pessoas na situação em que elas estavam e você não conseguir fazer nada. Primeiro que a qualidade da droga e o efeito da droga são muito assustadores.
Ninguém vê o como tratar disso, né. AÃ, “acabou a cracolandiaâ€. Não! A cracolandia só migrou. “Limpamos a Luzâ€, limparam nada: Trouxeram pra Vitória. “Limpamos a Vitóriaâ€, não, ta aqui na República. Tá limpando a República, tá na Santa CecÃlia. É empurrando os caras que eles tão. Ninguém ta pensando em fazer nada. Pra mim, redução de danos não é só você ir lá dar o cachimbinho. Não, tem que ter uma expectativa pra esse pessoal, né. Eu acho que o centro de convivência é espetacular. O cara quer usar droga, ele não precisa se detonar, bicho, ele não pode usar no centro, mas pode aprender a se cuidar. O centro de referencia da diversidade, aqui, é um centro de convivência, como o É de Lei é. Os caras vão e eles ficam o dia inteiro na boa. Eles comem, eles bebem refrigerante e água, eles veem TV, eles fazem artesanato. Então essas pessoas não estão perdidas.
Finalizando, tem mais alguma coisa que você gostaria de abordar?
Quero reportar que eu não to falando pelo movimento, to falando como militante do movimento. Isso tem que ficar claro, é a opinião de um militante. E a questão do uso de drogas dentro do movimento é uma questão de cada um, não to aqui pra julgar ninguém. Pra julgar, sim, por falso moralismo. Eu acho que o uso de droga, como a questão sexual, é uma questão de cada um. E a questão da saúde publica na redução de danos, ta aÃ, e eu reforço que ela ta abandonada pelo governo, sim. É difÃcil falar disso, né? É difÃcil apoiar isso. Tem o “Brasil sem homofobiaâ€, um programa, o único paÃs do mundo que tem o projeto “Brasil sem homofobiaâ€, e não aprova nem a união civil, como na Argentina aprovaram. Ter no papel é fácil, quero ver a prática. A questão das drogas pro exemplo. Tem gente que ate fala que é questão de saúde pública, mas aà quando vai falar, fala como se fossem marginais. As pessoas tão abandonadas pelo Estado, sem direito nenhum.
Até porque doente e marginal não ficam muito distantes nos discursos…
Você vê segurança particular aqui descendo a lenha em “noiaâ€, nóia entre aspas, “noiaâ€, que é o nome dos moleques que usam. Aà chama a policia e “ah, mas é nóiaâ€. Então qualquer pessoa pode pegar um pedaço de pau e bater em “nóiaâ€.
É uma categoria de pessoas que ficam totalmente à margem e não tem mesmo direito nenhum. Se pegarem uma transexual que roubou um cara e tava usando alguma droga, podem fazer o que quiser com a pessoa…ela não vale nada.
Acabou. Agora, o É de Lei mesmo passou por isso quando tÃnhamos uma perua para fazer redução de danos. A gente queria pegar os usuários que estavam na rua e levar pro pronto socorros, pra tomar vacina , pra ver se tava doente ou alguma coisa. E teve UBS [Unidade Básica de Saúde] que não queria atender. Quantas pessoas com tuberculose a gente levou pra tratamento? Tipo a gente foi lá, demos a carteirada e foi atendido. Mas se ele vai sozinho , ele não vai ser atendido, não tem direito nem à saúde. E isso você vê claramente por aÃ. Nem é atendido, fica lá na porta, esperando.