Em Maio deste ano foi realizado o Simpósio Internacional: “Por uma Agência Brasileira da Cannabis Medicinal?†sob minha presidência, contando com a participação de cientistas do Brasil, Canadá, Estados Unidos, Inglaterra e Holanda, representantes brasileiros de vários órgãos públicos, sociedades cientÃficas e numerosa audiência. Após dois dias de intensas discussões foi aprovado por unanimidade um documento recomendando ao Governo Federal a oficialização da criação da Agência Brasileira da Cannabis Medicinal.
Esperava uma discussão posterior, cientÃfica e acalorada, pois sabia de algumas opiniões contrárias à proposta. Entre estas o parecer do Departamento de Dependência QuÃmica da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) cujos representantes compareceram apenas para apresentar seu parecer, ausentando-se totalmente, antes e depois, de todo o restante do simpósio.
Esta havendo sim a esperada discussão, veiculada principalmente através da Folha de São Paulo, mas num nÃvel de entristecer. De fato, expressões como – “o dom de iludirâ€; “Lobby da maconhaâ€; “Maconhabrasâ€; “uma idéia fixa: a legalização das drogasâ€; “elementos com pretensa respeitabilidadeâ€; “paixão dos lobistasâ€; “exemplo de indigência intelectualâ€; “querem maiores facilitações para o consumoâ€; “travestidos de neurocientistasâ€; – não se coadunam com a seriedade que deve prevalecer em qualquer discussão cientÃfica. Os autores de tais infelizes afirmações certamente não leram a celebre frase de Claude Bernard, o pai da medicina experimental: “em ciência criticar não é sinônimo de denegrirâ€.
Por outro lado, os contrários ao uso medicinal da maconha utilizaram de argumentos inverÃdicos (para dizer o mÃnimo) quando tentam criar uma atmosfera de pânico, desviando o foco da atenção (maconha como medicamento).
Assim:
Ora, um princÃpio ativo da maconha, o ∆9-THC, esta aprovado como medicamento por esta Agência desde a década de 1990, sendo o produto Marinol® produzido e utilizado nos Estados Unidos, e exportado para vários paÃses há quase 20 anos.
Portanto, os autores de tal afirmativa também não leram nada a respeito. Mas não é só isso, pois a maconha e seus derivados também já têm aprovação para uso médico em paÃses como Canadá, Reino Unido, Holanda e Espanha. A Ministra da Saúde da Espanha chegou a declarar: ao aprovar o seu uso para a Esclerose Múltipla: “O uso terapêutico da cannabis é estudado há anos, por isso existem testes clÃnicos e evidências cientÃficas de sua utilidade em determinadas doençasâ€
A Dra. Nora Volkow diretora do Instituto Nacional do Abuso de Drogas (NIDA) dos Estados Unidos declarou em Março deste ano a uma revista brasileira “Não existe droga seguraâ€, o que é uma verdade, também para a maconha. Vem daà a necessidade de um médico estudar a relação risco/benefÃcio de qualquer droga que prescreve. Por exemplo, segundo dados do FDA de 1997 a 2005 houve 196 relatos de suspeita de morte coincidente com o uso de antieméticos (uma indicação também aprovada para a maconha). Não houve nenhuma suspeita de morte pelo uso da maconha. Por outro lado a Dra. Valéria declarou também que os canabinóides têm algumas ações terapêuticas úteis como efeito antiemético, aumento do apetite em casos de câncer e AIDS, benefÃcios analgésicos e em glaucoma.
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Primeiramente é preciso esclarecer que a SENAD é uma sigla para Secretaria Nacional de PolÃticas sobre Drogas, conforme já aprovado há mais de três anos; portanto, os autores dos artigos na Folha de São Paulo não leram a respeito. É preciso ainda esclarecer que a SENAD não patrocinou e não auxiliou com qualquer quantia a realização do Simpósio. Por outro lado, por se ausentarem de quase todo o simpósio, não sabem que o solicitado na carta foi a “oficialização†à ONU do nome de Agência Nacional da Cannabis Medicinal; conforme enfatizado pelo INCB, órgão da ONU, em 2009. De fato, as leis necessárias para esta criação já foram aprovadas pela Lei 11.343 de 23/08/2006 e seu Decreto regulamentador nº 5.912 de 27/09/2006.
Muita literatura médica precisaria ser lida para permitir afirmativa tão categórica. Existem já dezenas de livros e centenas de artigos cientÃficos publicados sobre as propriedades medicinais da maconha. Por exemplo, em duas extensas revisões recentes (Journal of Ethnopharmacology 105, 1-25, 2006; Cannabinoids 5 (special issue), 1-21, 2010) mais de uma centena de trabalhos cientÃficos são analisados, a maioria deles demonstrando os efeitos que são negados pelos autores das frases. Estas revisões concluem que: “cannabinóides apresentam um interessante potencial terapêutico, principalmente como analgésicos em dor neuropática, estimulante do apetite em moléstias debilitantes (câncer e AIDS) bem como no tratamento da esclerose múltiplaâ€.
Há ainda a salientar que várias sociedades cientÃficas americanas já se posicionaram favoravelmente ao uso médico da maconha tais como: Associação Psiquiátrica Americana, Sociedade de Leucemia e Linfoma dos EUA, American College of Physicians e Associação Médica Americana.
Isto sem contar que os Ministérios da Saúde do Canadá, Estados Unidos, Espanha, Dinamarca e Reino Unido já aprovaram o uso medicinal.
Ora, esta argumentação poderia bem ser utilizada no sentido oposto, como pareceria ser o caso. Sendo totalmente contrário a qualquer uso da maconha investem contra o seu uso medicinal, parecendo tentar convencer o público de que aprovação do uso médico e legalização seriam a mesma coisa, o que esta longe de ser verdadeiro. É bem possÃvel que um forte sentimento ideológico possa estar por trás da confusão armada, o que seria lamentável. Para continuar uma discussão cientÃfica minimamente aceitável dever-se-ia por iniciar a leitura de dois artigos publicados neste ano de 2010, em duas das mais serias e respeitáveis revistas cientÃficas do mundo: “Maconha médica e a Lei†(New England Journal of Medicine 362, 1453-1457, 2010) e “Como a Ideologia modela a evidencia e a polÃtica: o que conhecemos sobre o uso da maconha e o que deverÃamos fazer?†(Addiction 105, 1326-1330, 2010).
Realmente, sem ler não é possÃvel continuar este debate! Sugiro que todos façam “o dever de casaâ€, atualizando o seu conhecimento com as leituras de mais artigos cientÃficos recentes.
E. A. Carlini